Folha de S. Paulo
Caminho até a eleição é comprido, mais
cheio de entulho do que de costume e sujeito a terremotos
Não se sabe o que Lula da
Silva deve fazer da economia, caso eleito presidente. Alguns de seus
amigos velhos do PT também não. Depois de uma conversa mole e genérica sobre
“Estado”, “capacidade de planejamento” e “resgate das políticas que garantam
direitos”, essas coisas, admitem ou fingem de modo convincente que não sabem de
nada. É possível que Lula também não saiba.
O caminho que vai até a eleição é comprido,
mais cheio de entulho do que de costume e sujeito a terremotos. Lula come esse
angu de caroço quente pelas bordas. Procura aliados por quase toda parte ou,
pelo menos, tenta conter o risco de que se forme uma coalizão que possa vir a triturá-lo.
Lula quer ser outra vez
normalizado.
Almoça com FHC, visita Tasso Jereissati,
negocia ou faz pazes com possíveis desgarrados do centrão ou caídos do MDB.
Hoje, seu adversário é Jair Bolsonaro, que quase bate no primeiro turno.
Amanhã, sabe-se lá. Até a transviada terceira via pode vir a ser viável.
Exagero? Em dezembro de 1988, Fernando Collor mal era citado nas pesquisas espontâneas. O líder era Leonel Brizola (1922-2004), seguido por Silvio Santos, Lula e Mário Covas (1930-2001). Para refrescar a memória dos novinhos, Collor bateu Lula no segundo turno em 1989.
Em dezembro de 1994, José Sarney e Paulo
Maluf apareciam nas pesquisas como os finalistas do segundo turno (que teria
FHC do Plano Real contra Lula, em 1995). Etc. Não quer dizer que a eleição de
2022 seja uma loteria, que o povo sempre mude de ideia ao longo do ano que
antecede a votação ou que se deva acreditar em bruxas —mas elas existem.
o plano liberal e contra impostos da frente
que depôs Dilma Rousseff. É forte a aversão ao PT entre donos do dinheiro e
economistas-padrão de alto prestígio, afora o fato de que o bolsonarismo é
tolerado na elite ou ainda tem muitos adeptos —é o tubaronato. O programa
“reformista” está vivo também porque isso que se chama de economia de mercado
no Brasil precisa ainda de vasta recauchutagem, “reformas” (de interesse também
de um governo de esquerda).
Como é óbvio, Lula terá de
lidar com isso, “reformas”, a ruína do teto de gastos, os destroços
de uma década de regressão econômica; com o exército ainda maior de
inempregáveis e o precariado expandido. Isso em um país em que a extrema
direita se tornou grande força, em que a religião voltou a ser partido e
assunto político, em que as periferias se tornaram de vez feudos de milícias e
facções ou em que os empresários novos-ricos e o agro ogro promovem o
reacionarismo.
Lula de fato anda dizendo por aí que pensa
em nomear um “político” para a Economia, como contou o jornal Valor. É um modo
esperto de se desviar do assunto da definição do programa econômico e da
equipe. Caso eleito, seria maneira de disfarçar que entregou o ministério para
“liberais”, o que dificilmente conseguirá evitar.
Aliás, os problemas são tão grandes e as
alternativas de soluções a curto prazo são tão poucas que os programas começam
a convergir. Vide o que tem escrito Nelson Barbosa, economista no governo Lula
e ministro de Dilma, ou as ideias de reforma do teto etc. de “liberais” mais
sensatos.
Falta saber se a costura de Lula irá tão longe: arrumar um “político” de confiança e que consiga levar para um governo petista “liberais” de prestígio e com alguma cintura. De menos especulativo, Lula parece tentar criar as condições para que sua candidatura e um possível governo sobrevivam. O país anda mais feroz, e faz menos de dois anos o ex-presidente estava na cadeia, convém lembrar.
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