Folha de S. Paulo
Presidente da República estava
informado de pesquisa da Prevent Senior e a propagou em defesa da cloroquina
A frase
de Bolsonaro que menos deveríamos esquecer, vê-se hoje, era o seu
programa de governo que nos parecia inexistente: "Tem que matar uns 30
mil".
Foi repetida e publicada várias vezes, e ainda assim
sucumbiu, talvez porque crua demais até para bolsonaristas.
Nas 600
mil mortes atribuídas ao coronavírus, o destino de algumas centenas
de milhares passa por Bolsonaro, sem por isso supor-se que estejam entre eles
os 30 mil visados e inidentificados por Bolsonaro. Destes, só temos uma ideia
pouco numerosa.
Sabe-se, porém, que quase a cada semana a CPI
da Covid deparou-se com as evidências de mortes em massa e
outras tantas iminentes. Com a causa comum de diferentes
ações de indução letal por Bolsonaro e seus agentes.
Nessa linha de pasmos, e já quando a visão
burocrática da vida fixa o encerramento da CPI, chega-lhe a denúncia de um
grupo de médicos e auxiliares sobre práticas
indutivas ainda encobertas.
A exposição simplória que lhe está dada, por equívoco quando não por conveniência comercial, está longe dos meios e fins escabrosos da trama denunciada.
Médicos a serviço de um dos grandes planos de saúde,
o Prevent Senior, acusam
os superiores de ordená-los a prescrever, nos casos de Covid-19, cloroquina e
outros três produtos da habitual indicação de Bolsonaro.
Os doentes assim tratados com medicação imprópria
seriam objetos de uma pesquisa de eficácia.
Bolsonaro estava informado da pesquisa e propagou-a
em defesa da cloroquina.
Mas as doenças e os resultados da medicação eram
adulterados no decorrer do diagnóstico, do falso tratamento e do resultado.
Entre outros males, dessa fraudulência resultaram ao menos sete mortes.
É um caso com várias faces de alta gravidade. Os pacientes
não eram voluntários, não estavam expostos aos riscos da pesquisa por
solidariedade humanitária. Buscavam tratamento para um mal e receberam
progressão do padecimento e maior risco de morte, até consumada.
São crimes monstruosos e simultâneos: a adoção
obrigatória de remédios com ineficácia cientificamente comprovada para a doença
constatada, a redução dos pacientes a cobaias sem conhecimento da pesquisa, e
as mortes que, nesses procedimentos próprios de pesquisas nazistas, foram
assassinatos conscientes.
Conscientes, com certeza, porque aceito o risco de
morte dos pacientes, com o tratamento cientificamente reprovado. E porque,
ainda mais claro, ocorrida a primeira morte, ou as primeiras, o falso
tratamento continuou para proporcionar a fraudulência confirmatória da eficácia
propalada por Bolsonaro, no seu furor contra a vida.
Não se sabe quantos foram os mortos, de fato. Já por
definição, o que é fraude não é confiável. A empresa denunciada cumpre a praxe
e reclama de propósitos difamatórios dos denunciantes. A CPI já trabalha, no
entanto, até com gravações que determinam sigilo na pesquisa e brindam
Bolsonaro com útil citação.
Esse
e demais crimes que passam por Bolsonaro, relacionados à
pandemia, são do tempo da sua sensação de predomínio. Hoje, o êxito comprovado
da vacinação desmoraliza os jacarés de sua mente, seu apoio público evapora,
cai em derrotas sucessivas, Bolsonaro se esvai em sinais de desespero —visíveis
até na sua humilhante mansidão.
Contudo nada disso muda sua índole. Nem a ambição e
o seu projeto, exposto
ainda antes da candidatura presidencial: "Se um dia eu for
presidente, vou dar um golpe".
Recusar a aceitação do impeachment pelos crimes do
passado, como fazem Arthur Lira e seus recompensados paus-mandados do centrão,
na Câmara, é
abrir oportunidades a Bolsonaro e seus corruptos para mais
bolsonarismos do poder.
Nem mortes excluídas, seja por que modo e motivo
forem. Violência, inflação, custo de vida, desemprego: o país desce empurrado
para o desastre insondável.
O cidadão tem o direito de conhecer bem os
que impedem a primeira providência capaz de sustar a descida. E
os meios de comunicação têm o dever de proporcionar esse conhecimento cívico
aos cidadãos. Congressistas nas vantagens sem limite nem moral, eles são tão
responsáveis pelo havido e pelo que houver quanto Bolsonaro e seus
quadrilheiros.
FALADORES
Marcelo
Queiroga, ao adotar a ameaça à vida dos adolescentes: "O senhor
[Bolsonaro] tem conversado comigo sobre esse tema e fizemos uma revisão
detalhada no banco de dados do DataSus". Os médicos verdadeiros mudam
opiniões dos presidentes.
Fernando
Henrique: "É chegada a hora de um toque de alerta",
"o presidente tem arroubos que não condizem com o futuro
democrático".
Logo depois: "Ele não vai conseguir, nem creio
que ele tenha o objetivo de conseguir". Se não tem, toque de alerta para
quê? Defesa da democracia por quê? Por que precisamos estar "juntos em
defesa da liberdade"?
Gilmar
Mendes: "Temos de acreditar na boa-fé de Bolsonaro". E na
de quem emite tal recomendação?
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