O Estado de S. Paulo
Bolsonaro manda com base na internet e em palpites. O outro, Dr. Queiroga, obedece
Entre tantas crises e desgraças no nosso
querido Brasil, só faltava o ministro da Saúde conclamar pais e mães a não vacinarem
seus filhos adolescentes. Não falta mais. Ao se sujeitar a isso, o dr. Marcelo
Queiroga manchou para sempre sua biografia, que ia tão bem até o casamento de
conveniência e de submissão com o presidente Jair Bolsonaro, acusado de
“charlatanismo e curandeirismo” pela CPI da Covid.
O general da ativa Eduardo Pazuello evaporou, mas sua máxima ficou: “um manda, o outro obedece”. Numa única entrevista, Queiroga produziu algo inédito num País onde a imunização é um sucesso histórico – um ministro da Saúde fazendo propaganda contra vacinas – e uma coleção de mentiras, meias verdades e absurdos. Citou indevidamente a OMS, a Anvisa, os especialistas do ministério, os pais e mães, os “eventos adversos”, os adolescentes vacinados e a morte de um deles. Um espanto!
Parece encomenda para desviar a atenção da
Prevent Senior, suspeita de aplicar o “kit Covid” (cloroquina, ivermectina etc)
sem conhecimento de pacientes e anunciar que morreram mais pacientes entre os
que não tomaram o kit do que entre os que tomaram. Ocorreu o oposto! Esconderam
a realidade. Pior: as ligações com o “gabinete paralelo” do Planalto e a
propaganda que Bolsonaro fez da pesquisa fake.
Um segundo objetivo também parece claro: já
que Bolsonaro se viu obrigado a recuar dos ataques ao Supremo e a seus
ministros, compensou recrudescendo contra os governadores, especialmente João
Doria (SP). Mas o mais absurdo é Queiroga obedecer a tudo o que seu mestre
mandar – e dane-se todo o resto.
A revelação é do próprio Bolsonaro: “Eu
levo para ele (Queiroga) o meu sentimento, o que eu leio, o que eu vejo, o que
chega ao meu conhecimento”. “Meu sentimento”?! Como ouvir isso como se fosse a
coisa mais normal do mundo? A revelação não é só patética, é de uma gravidade e
uma irresponsabilidade inacreditáveis.
Tudo o que o presidente da República lê e
vê e que chega ao conhecimento dele vem de duas fontes: palpiteiros que pululam
nos palácios e descompromissados da internet. Ele diz que não foi “uma
imposição”, mas o fato é que o dr. Queiroga, médico e ministro da Saúde,
determinou a suspensão – em outras palavras, proibiu – a vacinação de
adolescentes com base num “sentimento” de Bolsonaro.
Sempre choca, mas não tem nada de novo e os
exemplos são variados: o fim da obrigatoriedade das cadeirinhas para crianças,
contrariando todas as estatísticas; a perseguição a um fiscal do Ibama que
cumpriu seu dever ao multá-lo por pescaria em santuário ecológico – logo ele,
então deputado federal!; sua visão sobre a cultura e a educação; a política
externa corrosiva; o apoio estratégico a mineradores e madeireiros ilegais que
destroem a Amazônia e as reservas indígenas.
Isso deságua na política na pandemia: não
fazer nada e bombardear isolamento social, máscaras e vacinas, porque o
“sentimento” do presidente era que não passava uma “gripezinha” e tinha de
deixar todo mundo pegar e pronto. Quanto aos muitos milhares que morressem (e
morreram), paciência! Ele não é coveiro, não é mesmo?
Esses “sentimentos” guardam uma diferença
em relação à posição de Bolsonaro diante de outra ferramenta letal: as armas
propriamente. A questão das armas não envolve só uma vontade, um ouvi dizer,
mas uma estratégia. O pretexto é que “povo armado jamais será escravizado”, mas
a suposição é que “minorias armadas submetem a maioria”.
Do editorial de sábado, 18/09, do nosso
Estadão (O curandeiro da República): “Como bússola para a definição de
políticas públicas, o “sentimento” de Bolsonaro, o curandeiro da República, tem
levado o Brasil à ruína sanitária, política, econômica e moral”. Quanto tempo
levará para reconstruir tudo isso? Se é que...
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