Valor Econômico
Projeto de lei que muda IR ficou sem pai
nem mãe
São bem-vindos os sinais do Senado de que
não pretende tratar com açodamento o projeto de lei do Imposto de Renda. Se
havia algo de positivo na proposta do governo, isso desapareceu no substitutivo
que foi aprovado na Câmara.
“Construiu-se uma reforma que não tributa ninguém a mais e tributa muitos a menos”, resumiu o economista Manoel Pires, coordenador do Observatório de Política Fiscal do FGV Ibre. Para ter ideia das distorções criadas na proposta, a Câmara aprovou uma faixa de isenção a título de taxação dos lucros e dividendos de R$ 4,8 milhões de faturamento anual, para as empresas que declaram com base no lucro presumido. È difícil acreditar que quem tem esse faturamento precisa ser subtributado.
“Não
haverá uma só empresa ou pessoa que não seja beneficiada por essa reforma”,
comemorou o relator do projeto de lei 2.337/21 na Câmara, Celso Sabino
(PSDB-PA), no dia da aprovação por 398 votos contra 77. A proposta do
Executivo, porém, não tinha a intenção de beneficiar o universo dos
contribuintes. Aliás, não há a menor condição fiscal para tanto.
A pandemia produziu, do ponto de vista
tributário, o casamento de duas discussões: uma de que é preciso reverter a
desigualdade; e é, também, preciso fornecer recursos para que o setor público
possa administrar o crescimento da dívida pública decorrente da pandemia. Isso
trouxe desdobramentos. Nos Estados Unidos, o governo Biden, por exemplo, refez
o pacote de redução da carga tributária das empresas patrocinado pelo seu
antecessor, Donald Trump, para aumentar a arrecadação e propôs o imposto mínimo
global - que foi a primeira iniciativa de um mecanismo global de tributação,
citou Manoel Pires.
A tendência nos anos de 1980 foi de revisão
dos impostos sobre as empresas e os muito ricos, sob a ideia de que tributá-los
demais produziria crescimento de menos, na medida em que o Estado se apropriava
de recursos que deveriam financiar novos investimentos privados. A partir da
crise de 2008/2009, porém, surgiram pesquisas que atestaram que esse modelo não
gerou mais investimentos, segundo o economista; gerou, sim, mais desigualdade,
completou.
Aqui, a discussão também se trava diante de
uma dívida pública elevada como proporção do PIB. No curtíssimo prazo, o governo
se vê sob uma grande pressão orçamentária e, em meio a isso, ele apresentou um
pacote de alterações do Imposto de Renda. O foco do projeto do IR era a
tributação dos lucros e dividendos recebidos pelos acionistas e uma alíquota
menor do imposto sobre as empresas.
Pretendia-se desfazer o modelo de
tributação dos anos de 1990 para cá, centrado no lucro das empresas e com
alíquota muito baixa sobre os acionistas. Isso levou a situação atual, em 0,1%
dos mais ricos têm cerca de 58% da sua renda atrelada à distribuição de
dividendos. Segundo dados da Receita Federal, as pessoas físicas declaravam
receber como lucros e dividendos o equivalente a 4% do PIB em 2007, percentual
que aumentou para 6,5% em 2019. Ou seja, as pessoas mais ricas do país são
isentas de uma parcela importante do imposto. A sugestão de tributá-las mais
dava ao projeto do governo um caráter distributivo que o substitutivo aprovado
na Câmara anulou.
O projeto votado na Câmara isentou da
taxação dos dividendos as empresas do Simples, criou a faixa de isenção citada
acima para as micro e pequenas empresas que declaram com base no lucro
presumido e ainda deixou portas abertas para o planejamento tributário, o que
beneficia também as empresas que declaram com base no lucro real.
Se a proposta do Executivo rendia receita
adicional, a que está nas mãos do Senado representa uma renúncia expressiva,
calculada em cerca de R$ 40 bilhões, sendo metade da União e a outra metade
distribuída entre os Estados e os municípios.
Soa negligência desdenhar do impacto
negativo sobre a arrecadação com o pretexto de que a receita tributária está em
franco crescimento. Não há qualquer segurança sobre se esse é um crescimento
sustentável. Em entrevista para publicação do FGV Ibre, o secretário de Fazenda
do Paraná, René Garcia, por exemplo, atribui o aumento da arrecadação estadual
à alta da inflação.
A criação do Auxílio Brasil no lugar do
Bolsa Família está condicionada à aprovação do pacote do Imposto de Renda. Mas,
se o substitutivo aprovado é deficitário, quem vai financiar o novo programa de
transferência de renda?
Aparentemente, o pacote do IR - que traz
mudanças para milhões de brasileiros - é um projeto sem pai nem mãe. O
Ministério da Economia, que escreveu o texto do projeto de lei original, não o
defende.
Há quem diga que era essa proposta para o
IR ou era a aprovação de uma Proposta de Emenda Constitucional para permitir um
aumento expressivo das alíquotas do imposto sobre heranças e doações. Tanto que
por pior que seja a proposta que saiu da Câmara, ela foi aprovada por bancadas
de vários matizes ideológicos.
O Imposto de Renda merece uma boa reforma e
não esta que, segundo Manoel Pires, é a antirreforma.
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