O Globo
Jair Bolsonaro achou por bem vetar a
essência do projeto de lei que cria o Programa de Proteção e Promoção da Saúde
Menstrual, uma iniciativa de um conjunto de deputados de diversos partidos de
oposição. O presidente vetou justamente a razão de ser da proposta: os artigos
que previam a distribuição gratuita de absorvente para meninas carentes de
escolas públicas, mulheres em vulnerabilidade social e presidiárias.
Bolsonaro evocou razões fiscais para vetar
o projeto. Disse que o Congresso não apontou a fonte de recursos para
custeá-lo, mas não é bem assim: os parlamentares determinaram que os recursos
sairiam da atenção básica à saúde do SUS e do Fundo Penitenciário.
Afirmou que a lista de medicamentos básicos
que têm de ser fornecidos pelo SUS não inclui absorventes menstruais. De fato.
Por isso mesmo a proposta cria um novo programa, para atender a uma demanda
justa e não contemplada.
Os dados sobre a falta de recursos para adquirir absorventes, traduzida como pobreza menstrual, passaram a ser tratados recentemente, pois esse sempre foi um tema tabu, o que já diz muito quanto à mentalidade atrasada que vigora no Brasil.
Hoje se sabe que uma a cada quatro mulheres
não tem dinheiro para adquirir protetores para seus períodos menstruais e que
algumas meninas chegam a perder um mês e meio de aula por ano por não ter
condições dignas de ir à escola. Reportagens recentes mostraram casos
revoltantes de mulheres internadas com infecções graves pelo uso de materiais
impróprios para conter o sangramento mensal.
Diante de uma questão de saúde pública e
social tão evidente, Bolsonaro usa desculpas fiscais, que não resistem a uma
simples comparação com gastos exorbitantes, como as famigeradas emendas do
relator ou os cartões de crédito corporativos da Presidência, que, além de
tudo, estão protegidos por camadas de sigilo, para dar vazão a suas arraigadas
convicções ideológicas avessas a empatia, a qualquer preocupação social e à
mínima compreensão das questões de gênero que cada vez mais são pauta da
sociedade e dos governos do mundo todo.
Além de ser a mais perfeita tradução de sua
mentalidade tacanha, reacionária e contrária aos direitos humanos em todas as
suas manifestações, o veto de Bolsonaro ao projeto que promove a dignidade de
mulheres e meninas pobres é de uma burrice política e eleitoral atroz, também
ela típica do presidente do Brasil.
No momento em que sua popularidade sangra
(ops) justamente com o eleitorado feminino e pobre, o capitão dá um tapa na
cara sem luva de pelica justamente das mulheres vulneráveis, com uma
mesquinharia política e fiscal.
Quando tenta se safar da berlinda nas
pesquisas inflando, aí sim com bilhões ainda não contemplados no guarda-chuva
fiscal, o Bolsa Família, outro projeto pelo qual sempre deixou patente sua
aversão egoísta, Bolsonaro não é nem capaz de perceber que esse veto lhe
causará estrago brutal junto a esse público.
Quem é de verdade sabe quem é de mentira,
já disse o comediante Esse Menino no vídeo em que escancarou para o país a
desídia desse mesmo presidente na compra de vacinas. Não adianta a alguém
absolutamente desprovido de consciência do que é governar para todos, e
sobretudo para aqueles que mais precisam, fingir que tem preocupação com a
pobreza. A máscara, que Bolsonaro já insistia em não usar na pandemia, caiu
também na política.
A maré política do capitão está tão braba
que a possibilidade de esse veto indigno ser derrubado é grande. Que assim
seja.
Mas é exaustivo viver no Estado de
mal-estar de Bolsonaro. Mal-estar social, econômico, sanitário, cultural, educacional,
civilizatório, político. Um mal-estar que não passa, como uma cólica fruto de
uma sangria desatada.
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