Correio Braziliense
Sempre houve problemas, mas o
Brasil era protagonista mundial na questão ambiental, por causa da legislação
existente e do combate aos crimes ambientais
Muito emblemático o desfecho do leilão de
92 blocos, ofertados ontem pela Agência Nacional de Petróleo, Gás e
Biocombustíveis (ANP), para exploração de petróleo e gás natural: apenas cinco
foram arrematados. Estavam distribuídos em 11 setores das bacias Campos,
Pelotas, Potiguar e Santos. Entre as áreas que não receberam proposta,
felizmente, estão os lotes próximos a Fernando de Noronha, onde, segundo
ambientalistas, a exploração oferece riscos à fauna marinha. Foram arrematados
dois blocos do setor SS-AP4 e três no setor SS-AUP4, ambos na Bacia de Santos.
Das nove empresas que se inscreveram para participar da disputa, apenas duas
fizeram ofertas.
A Shell arrematou sozinha quatro dos cinco blocos e formou consórcio com a Ecopetrol para arrematar o quinto. Inscreveram-se no leilão: Petrobras, Chevron Brasil Óleo e Gás Ltda., Total Energies EP Brasil Ltda., Ecopetrol Óleo e Gás do Brasil Ltda., Murphy Exploration & Production Company, Karoon Petróleo e Gás Ltda., Wintershall Dea do Brasil Exploração e Produção Ltda, e 3R Petroleum Óleo e Gás S.A. A ANP arrecadou R$ 37 milhões em bônus de assinatura, um investimento previsto de R$ 136 milhões. Há dois anos não se realizavam leilões, mas o desinteresse de investidores já havia sido registrado na rodada de outubro de 2019, na qual foram arrematados apenas 12 dos 36 blocos exploratórios ofertados pela ANP. Entretanto, à época, houve um recorde de arrecadação: R$ 8,915 bilhões. Agora, não. Talvez tenha sido esse o último grande leilão — o futuro dirá. Quanto mais profunda a camada pré-sal, mais cara e complexa é a exploração.
A forte presença da Shell tem uma
explicação. Com 900 funcionários, a empresa está no Brasil há mais de 100 anos,
tem forte participação no consórcio de Libra e conseguiu manter no Brasil o seu
“cluster” de exploração, um arranjo que envolve centenas de empresas, milhares
de técnicos e muita tecnologia, mas que costuma migrar para outras fronteiras
de petróleo quando o ciclo de exploração é interrompido por algum motivo. Para
dar lucro, da pesquisa geológica à distribuição do produto, esse arranjo
produtivo precisa ser renovado, o que somente é possível com a previsibilidade
e regularidade dos leilões. Quando são interrompidos, capitais, recursos
humanos, financeiros e tecnológicos se dispersam — o Rio de Janeiro que o diga.
Há fatores mais importantes, porém,
influenciando a desmobilização dos investidores. O primeiro é a reestruturação
da economia mundial, globalizada, que está transitando do carbono para a
energia limpa. Os melhores exemplos são a substituição de termoelétricas por
usinas de energia solar e a produção em massa de carros elétricos. Europa e
Estados Unidos já estão em pleno processo de conversão para a energia limpa, o
que vem tendo forte impacto no mercado de petróleo. Não é à toa que os países
produtores de petróleo, liderados pela Arábia Saudita e pela Rússia, reduziram
a produção e jogaram os preços dos combustíveis para cima. Ou seja, há uma
revolução energética em curso, impulsionando a nova economia.
O segundo, com certeza, é a centralidade do
conceito de sustentabilidade na agenda globalista, na qual o Brasil adotou uma
posição marginal. Em abril, os EUA, sob a liderança do presidente Joe Biden,
voltaram a ter protagonismo no debate sobre as mudanças climáticas. No próximo mês,
na Escócia, será realizada a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas
(COP). EUA, China, Índia, Rússia e Brasil estão entre os 17 países que
respondem por 80% das emissões globais de CO2. A pressão internacional sobre
esses países por causa do aquecimento global somente aumenta. As grandes
expectativas são em relação à China, que promete um programa revolucionário de
redução das emissões de CO2, e o Brasil, que continua “passando a boiada”, como
diria o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles.
Nova agenda
A nossa vanguarda do combate à degradação ambiental, principalmente às
queimadas e desmatamentos, sempre foram os ambientalistas e técnicos dos órgãos
governamentais, entre os quais o Ibama e o ICMBio. Sempre houve problemas
ambientais, mas o Brasil era protagonista mundial na questão, por causa da
legislação existente e da política oficial de combate aos crimes ecológicos. O
presidente Jair Bolsonaro inverteu a situação ao implodir as políticas públicas
e estimular os predadores do meio ambiente. Agora, porém, uma nova situação
está sendo criada, porque as empresas brasileiras inseridas nas cadeias de
comércio global e no mercado financeiro internacional estão aderindo às
recomendações do Fórum Econômico Mundial, e passaram a ver a sustentabilidade
como um dos eixos do ambiente de negócios. Essa aliança entre ambientalistas,
técnicos governamentais e lideres empresariais está começando a virar o jogo.
Entretanto, a política continua sendo
decisiva e, na atual legislatura, a agenda da sustentabilidade no Congresso
está sob ataque do Centrão, em seus múltiplos aspectos, desde a legislação em
relação a florestas e mananciais, à questão das terras indígenas. Um amplo
espectro de forças, que vai da direita à esquerda, em razão de uma agenda
desenvolvimentista, ainda prioriza a velha economia, em lugar da nova política
globalista e da economia do conhecimento. É como se regredíssemos ao velho
debate agrarismo versus industrialismo, de 100 anos atrás.
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