O Globo
Que existem médicos sem ética e desumanos,
sabíamos antes da pandemia. Com a Covid-19, ficou claro que alguns não
respeitavam a ciência. Mas a CPI sacramentou uma suspeita. A de que médicos,
por convicção, ambição, dinheiro ou medo, induziram ao contágio, falsificaram
atestados de óbito. E mataram pacientes.
São acusações gravíssimas. Feitas por
médicos. Que trabalharam na Prevent Senior, a operadora de saúde especializada
em idosos e pacientes com comorbidades. O Brasil hoje sabe, graças ao
depoimento corajoso de uma advogada, que a Prevent e Bolsonaro comungavam da
mesma estratégia, a de minimizar as mortes na pandemia.
“Só fracos, doentes e idosos devem se preocupar”, disse Bolsonaro em maio do ano passado. Pouco mais de 24 mil tinham morrido de Covid. “A chuva está aí, vamos nos molhar e alguns vão morrer afogados”. Os mais velhos eram problema da família. “Não pode deixar na conta do Estado. Tem que botar o vovô e a vovó no canto”. Os outros? Fingir normalidade. Sem máscara. Sem isolamento. E com o maldito kit de cloroquina e ivermectina.
Esse grupo de médicos deu a Bolsonaro
verniz científico para suas mentiras. É uma iniquidade. Na Bíblia, essa palavra
significa “negar os mandamentos sagrados de Deus”. E os médicos são a categoria
que mais se aproxima do divino. São capazes de salvar vidas e ressuscitar quem
está à beira da morte.
Reverencio os médicos. Na pandemia, minha
admiração cresceu, pela dedicação e pelas vacinas que nos salvaram em tempo
recorde. Aplaudimos esse exército de branco que se arrisca a contrair o vírus,
mesmo paramentado. Muitos morreram cumprindo o juramento de Hipócrates, de “não
causar dano ou mal a ninguém” e de “não dar conselho que induza à perda”.
Em junho de 2020, mandei a meus médicos uma
pergunta. Por que não se mobilizam pelo afastamento do presidente por motivos
humanitários, para salvar vidas? A resposta: é difícil unir a categoria contra
Bolsonaro porque muitos votaram nele e são contra “os médicos cubanos da
Dilma”.
“Temos muitos médicos negacionistas e
bolsominions”, ouvi de um. Enfim, em janeiro de 2021, uma carta aberta, em nome
de 500 mil profissionais, encostou na parede o omisso Conselho Federal de
Medicina. “Onde está o CFM? Até agora, sabemos o endereço”.
Execro os médicos que se aliaram, por
ganância e covardia, a um aparente plano de extermínio. São monstros.
São o Hyde do Dr Jekyll. Do livro de Robert Louis Stevenson, de 1885. No
prefácio da edição brasileira, o escritor e psicanalista Luiz Afredo
Garcia-Roza (1936-2020) discorre sobre “a figura grotesca, o monstro moral” que
habita no médico. “São dois modos de ser, não dois seres”. Num certo momento, o
Dr Jekyll passa em frente a um espelho e vê a figura monstruosa de Hyde.
Num Brasil com 600 mil mortos pelo vírus, o
que acontece quando se olham no espelho os médicos que maquiaram óbitos,
fizeram experimentos bárbaros com os velhinhos, tentaram alterar bulas? Qual é
a imagem que veem refletida de si mesmos? Jekyll ou Hyde?
Se comprovadas as denúncias, todo tipo de
barbaridade se cometeu, sem fiscalização, contra idosos internados com suspeita
de Covid em hospitais da Prevent. Remédios para câncer de próstata.
Ozonioterapia intrarretal. Cloroquina sem análise de arritmia. “Óbito também é
alta”. Apavorante.
Em qualquer profissão, Medicina ou
Jornalismo, temos charlatães. Esses médicos que fraudaram a vida precisam ser
punidos exemplarmente, não de mentirinha. Em nome dos bons médicos. Que são a
imensa maioria.
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