Folha de S. Paulo
Na origem da postulação do ex-juiz, está a
ideia já testada, com resultados desastrosos, do 'outsider' redentor
Como é? Sergio Moro, em passagem pelo
Brasil, vindo dos EUA, onde mora, para decidir se
vai se candidatar à Presidência ou ao Senado por São Paulo? Ele sabe
onde ficam Dois Córregos ou Botucatu? E se percebe, quase sem exceções, uma
imprensa lhana, mansa, condescendente com as suas pretensões. Alguns avançam no
terreno do entusiasmo.
“Ah, lá vai o Reinaldo Azevedo pegar no pé
de Moro de novo!!!” Conheço essa e outras tentativas de desqualificação desde
que, já no fim de 2014, percebi que se preparava, ainda que não houvesse um
núcleo organizado para isto, o berço do herói. Como jamais confundi juiz com
justiceiro, penso ter feito o meu trabalho e realizado o desiderato de minha
profissão. O papel de um juiz é aplicar a lei, não produzir bugigangas
ideológicas.
É claro que já foi mais difícil criticar a atuação de Moro. Depois das revelações da Vaza Jato, no notável trabalho jornalístico do The Intercept Brasil, com dados adicionais da Operação Spoofing, as pessoas minimamente comprometidas com o Estado de Direto e com o devido processo legal se deram conta: não era possível coonestar aquelas práticas, a menos que o vale-tudo, em nome de noções solipsistas de justiça, tomasse o Judiciário, e as togas se convertessem em uniformes de milicianos judiciais.
Será que tenho receio de que Moro possa se
transformar no nome da terceira via? Dedicarei poucas linhas à hipótese. Se
candidatos a candidato a essa posição que aqui militam —e expliquei
na coluna passada por que a tese da polarização é pura projeção mental—
já enfrentam severas dificuldades, penso na destreza que teria o ex-juiz para
aclarar suas pretensões. Risível.
Meu ponto não é esse. O que me incomoda é
perceber quão pouco os fatos ensinaram a pedaços consideráveis da, vá lá, elite
política. Moro era um juiz desde sempre incompetente para as causas que atraiu
para a 13ª Vara Federal de Curitiba. Essa era a minha tese desde sempre.
A suspeição
para julgar Lula ficou escancaradamente demonstrada.
Moro aceitou ser ministro da Justiça de
Jair Bolsonaro sete meses depois de ter expedido a ordem de prisão de Lula e,
no cargo, achou que poderia pavimentar a avenida para sua carreira política à
revelia do próprio chefe, que, de fato, por vários motivos, ajudara a eleger.
Não me dispenso de lembrar a sua obra mais
notável como auxiliar de Bolsonaro: condescender com os decretos armamentistas
e defender um pacote anticrime que conseguia ser ainda mais reacionário do que
as pretensões do ogro que ocupa o Planalto. Foi a Câmara que limou as
aberrações por ele propostas, como excludente de ilicitude. Bolsonaro tomou uma
única decisão virtuosa em quase três anos na Presidência: ignorou as sugestões
de veto feitas por seu ministro da Justiça.
Interrompido o voo solo, foi ser sócio
—depois apenas “consultor”— da empresa
encarregada da recuperação judicial da Odebrecht. Santo Deus!
Parecem os traços de uma caricatura, mas se trata apenas da reprodução seca e
objetiva do que aconteceu. Mora hoje nos EUA. Não tem vivência política ou
partidária no país. Antes de ser defenestrado por Bolsonaro, diga-se, seu nome
era um dos mais incensados nas manifestações golpistas.
Moro se encontrou com João
Doria e Luiz Henrique Mandetta, candidatos a nomes da terceira
via. Parece a figura ideal como apoio a um aspirante a candidato nem-nem:
afinal, seria uma arma contra Bolsonaro e contra Lula. Eis a esperança do
cruzamento virtuoso da vaca com o jumento: puxaria carroça e daria muito leite.
Não sou “coach” de terceira via. Mas pergunto: e se não fizer nem uma coisa nem
outra, como é mais provável?
Aspirante ao Senado por São Paulo? Já
falsificou, ao menos, o domicílio eleitoral? Voltamos à República Velha, ou se
tenta uma espécie de senador biônico pela via eleitoral? Tanto pior se der
certo.
Reparem: na origem das postulações, está a
ideia já testada, com resultados desastrosos, do “outsider” redentor: aquele
que, por não pertencer ao establishment político, poderia contribuir para
salvar o Brasil.
Que coisa, valentes! Cometam ao menos erros
novos! Saiam do “Feitiço do Tempo”!
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