O Globo / O Estado de S. Paulo
Título do novo livro do economista soa como
oportuna conversa de forca em casa de enforcado
Num país infenso às lições da História,
sempre pronto a voltar a se fascinar com os mesmos descaminhos desastrosos de
sempre, o título do novo livro de Affonso Celso Pastore — publicado pela
Portfolio-Penguin, da Editora Schwarcz — soa como indispensável e oportuna
conversa de forca em casa de enforcado: “Erros do passado, soluções para o
futuro: a herança das políticas econômicas do século XX.”
Com cinco décadas de presença destacada no
debate econômico brasileiro, Pastore firmou-se como uma das vozes mais
respeitadas do país. O livro cobre amplo e variado leque de questões a que o
autor se dedicou com mais afinco, ao longo de sua extensa vida profissional.
Não há aqui espaço para fazer jus ao
cuidado analítico revigorado com que Pastore revisita e reexplora cada um
desses temas que lhe intrigaram no passado. Não posso mais do que me ater a um
sobrevoo seletivo de algumas das questões tratadas, na esperança de que o
leitor entreveja, com a nitidez possível, o escopo, a atualidade e a relevância
do livro.
Tendo em conta a pujança e as dimensões atuais do agronegócio no Brasil, os mais jovens talvez não saibam que, há não mais que 50 anos, o debate econômico no país ainda estava dominado por grande desalento com as possibilidades de desenvolvimento do setor agropecuário.
Arguia-se, então, que, em decorrência de uma
estrutura agrária arcaica, marcada pela prevalência de técnicas atrasadas, a
oferta de produtos agrícolas mostrava-se entorpecida pela insensibilidade a
preços. E mesmo os que admitiam que nem tão insensível (inelástica) a preços
era a oferta, alegavam que a agricultura brasileira estava presa a uma
armadilha fatal.
Tendo em vista a extrema
inelasticidade-preço e a baixa elasticidade-renda da demanda por produtos
agrícolas, os ganhos esperados de uma expansão da oferta propiciada por
elevação da produtividade estavam fadados a ser anulados, em boa medida, pela
inexorável queda de preços que provocaria.
Salta aos olhos, hoje, como esse debate
carecia de análise empírica rigorosa, que pudesse propiciar estimativas
econométricas confiáveis das magnitudes das elasticidades que vinham sendo
brandidas a torto e a direito.
Pois foi exatamente isso que Pastore se
dispôs a fazer, com pioneirismo, já em sua tese de doutorado na USP, em 1969,
marco inicial de um esforço de pesquisa mais amplo que viria a desmistificar as
premissas de tamanho desalento, como cuidadosamente analisado no primeiro
capítulo.
Nessa mesma época, em contrapartida a seu
desalento com a agricultura, o país nutria entusiasmo sem limites pelo
aprofundamento a qualquer custo da industrialização. É o que Pastore discute no
quarto capítulo, sobre o Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND),
lançado pelo governo Geisel, em 1974, em resposta à elevação dos preços
internacionais do petróleo.
Tal discussão é feita no contexto de
excelente análise, bem mais ampla, dos erros que redundaram na grave crise da
dívida externa enfrentada pelo país no início dos anos 1980, contra o pano de
fundo do progressivo agravamento das contradições do regime monetário
internacional então vigente.
Os descaminhos da indústria no Brasil
voltam a ser analisados no sétimo capítulo. Após cuidadosa desconstrução dos
argumentos por trás da ideia de que o crescimento de economias emergentes
exigiria a manutenção de uma taxa de câmbio fortemente desvalorizada, Pastore
argui que o que é preciso, hoje, é evitar subterfúgios, atacar de frente as
distorções da indústria e encarar os desafios da abertura comercial.
Há ainda quatro outros capítulos em que a
autor reanalisa temas que sempre lhe foram caros: o milagre brasileiro, as
sementes da inflação inercial, a superinflação dos anos 1980 e o problema
fiscal.
Não se trata de livro voltado para o
público em geral. Mas quem tiver alguma formação em economia não deveria deixar
de tirar bom proveito da lucidez e do cuidado com que Pastore reexamina, agora,
as questões que mais lhe instigaram, em sua fértil e longa trajetória
profissional.
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