O Globo
A CPI da Covid só foi necessária e se
tornou relevante e urgente porque o presidente Jair Bolsonaro promoveu, desde o
início da pandemia, uma gestão irresponsável que fez com que o Brasil visse
explodir o número de casos e de mortes enquanto atrasava o início da vacinação
da população e apostava em tratamentos sabidamente ineficazes.
O rol de revelações da comissão do Senado é
estarrecedor, e o saldo de seu trabalho, que só foi possível graças a uma
decisão do Supremo Tribunal Federal, é amplamente positivo.
Não fossem as sessões da CPI, o escândalo
da negociação da vacina indiana Covaxin por meio de atravessadores e com
sobrepreço e irregularidades de toda natureza provavelmente não teria vindo à
tona.
Da mesma forma, a cronologia do oferecimento insistente de doses de vacinas ao Brasil pela farmacêutica Pfizer, já em meados de 2020, seguido da total falta de resposta e interesse por parte do governo Bolsonaro, foi revelada graças aos trabalhos da comissão do Senado, bem como as tentativas de boicotar a compra da CoronaVac, desenvolvida em parceria do laboratório chinês Sinovac com o Instituto Butantan.
Mas, ao longo desses quase cinco meses de
funcionamento, a CPI errou ao servir de palco para um elenco de negacionistas,
charlatães, lobistas ou simplesmente malucos, que turva o resultado de seu
trabalho e, de certa forma, pode ter ajudado a confundir o público quanto a
protocolos sanitários, tratamentos e até a segurança e a eficácia das vacinas.
Esta semana foi exemplar dessas duas faces
da moeda da CPI, a virtuosa e a deletéria. Depois do depoimento acachapante da
advogada Bruna Morato, de que tratei aqui na quarta-feira, em que ela,
representando um grupo de ex-médicos da Prevent Senior, apresentou ao país um
relato nauseante de práticas criminosas que atribuiu à operadora, os senadores,
em vez de procurar se aprofundar nesse importante veio de investigações,
pegaram um desvio e promoveram dois dias de espetáculo circense e show de
negacionismo.
Já era óbvio que o empresário Luciano Hang,
figura caricata que tem feito a promoção do kit Covid, inclusive usando a morte
da própria mãe como palanque ideológico, não teria nada a acrescentar à CPI.
Sua audiência não era necessária para
fechar o caso Prevent Senior, uma vez que os senadores já dispunham de
documentos como o atestado de óbito da mãe de Hang. Tampouco ajudaria a trazer
elementos para os capítulos que tratam do gabinete paralelo ou da disseminação
das fake news na pandemia. Pelo contrário: sua fala só serviu para tumultuar a
CPI e disseminar ainda mais desinformação e lixo ideológico.
Da mesma natureza foi a inquirição do
empresário bolsonarista Otávio Fakhoury ontem. Os senadores já dispunham do
compartilhamento de dados do inquérito do STF em que Fakhoury é investigado,
que mostram que ele financiou atos antidemocráticos. Também já tinham elementos
que mostravam sua participação nas campanhas de desinformação sobre máscaras e
vacinas. Por que, então, dar palco para que ele repetisse suas mentiras,
proferidas com cinismo explícito, em rede nacional?
É notório que a CPI da Covid foi um ponto
de virada na trajetória política de muitos de seus integrantes. O trio que
comandou os trabalhos e outros, como Alessandro Vieira e Fabiano Contarato, com
sua contribuição técnica, e Simone Tebet e Eliziane Gama, que, mesmo não sendo
membros, mostraram a importância da participação feminina na investigação,
ganharam novo status diante do público.
Por isso mesmo, é preciso terminar no auge,
de forma a mostrar que o que se busca ali é justamente a antítese do show de
embuste promovido pelo governo federal e por seus satélites na classe política,
na medicina e no empresariado.
É vital que, até o encerramento, a pauta
seja expurgada de palhaços e charlatães. O país quer responsabilização dos
culpados pela nossa tragédia, e não circo.
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