Folha de S. Paulo
Governo abandonou aumento do Bolsa Família
em 2020; agora, faz mutreta eleitoreira emergencial
Se depender de Jair Bolsonaro e de Paulo
Guedes, o teto de gastos já era, como
confirmou o ministro da Economia nesta quarta-feira.
Mexer no teto poderia ser boa coisa. No
caso, se trata apenas de uma gambiarra para: 1) engordar o Bolsa
Família, agora apelidado de “Auxílio Brasil”; 2) reservar dinheiro para
emendas parlamentares no valor exigido pelo centrão.
O teto é a regra que limita o crescimento da despesa do governo federal, norma inscrita na Constituição em 2016. A despesa de um certo ano pode ser apenas a do ano anterior, reajustada pela inflação (IPCA). Pela Constituição, essa regra poderia ser modificada em 2026.
Guedes disse que o governo quer estourar o
teto do Orçamento de 2022 em pelo menos R$ 30 bilhões. Pode tentar fazer a
coisa por meio de uma gambiarra simples, uma licença para gastar (“waiver”).
Para evitar rolo legal, é preciso inscrever na Constituição esse casuísmo
eleitoreiro grosso de Bolsonaro.
A gambiarra com regulador de voltagem, mais chique, implica mudar a regra de reajuste da despesa. A finalidade é a mesma, mas a mumunha ganha ares mais institucionais. Mudar o quê? Guedes é confuso ou não sabe bem o que diz. Falou em “sincronizar” índices de inflação que corrigem as despesas do governo.
A despesa de um certo ano, digamos 2022, é
a despesa de 2021 reajustada pelo IPCA dos 12 meses contados até junho (o
projeto de lei do Orçamento vai para o Congresso antes do final do ano). Certas
despesas, como benefícios da Previdência ou BPC, são reajustadas pelo INPC
cheio do ano anterior. Quando mandou o projeto de lei do Orçamento, o governo
previa um INPC de 6,2% em 2021. Agora, projeta que o INPC deva ser de 8,4%. Ou
seja, algumas despesas obrigatórias vão aumentar mais do que o previsto e o
limite de gasto está dado pelo IPCA medido até junho. Logo, também por isso vai
faltar dinheiro no Orçamento projetado pelo governo. A saída seria cortar
gastos em outra parte —não vai acontecer. Em vez disso, o governo quer aumentar
a despesa com o “Auxílio Brasil” em pelo menos R$ 36 bilhões. Guedes e turma estudam
alguma mudança nesses indexadores, de modo a reduzir o estouro de despesa, dada
da alta da inflação. Mas podem querem mudar ainda mais a regra de reajuste do
teto. Por exemplo, corrigir o valor da despesa pela inflação e ainda fazer um
reajuste real, lembra Felipe Salto, que dirige a Instituição Fiscal
Independente, de acompanhamento de contas públicas, ligada ao Senado. Salto
acha que é
possível aumentar a despesa de benefícios sociais dentro do teto. “Mas
ninguém quer. O desejo é fazer um gasto que acabará sendo insustentável, porque
combinado com emendas, enfim, gastos pulverizados em geral.”
No caso da gambiarra simples, provisória, a
conta ficaria para o próximo governo, que teria de cortar gastos para manter a
despesa no teto ou cortar o valor do “Auxílio Brasil” em 2023. A mumunha
dependeria ainda de alguma solução
para a despesa dos precatórios (moratória, calote). No caso da gambiarra
incrementada, o teto poderia ser aumentado de modo a acomodar o que se quiser.
É evidente que é preciso gastar mais em
Bolsa Família (e Bolsonaro-Guedes querem deixar de fora dele muita gente que
recebe auxílio emergencial). Mas o governo abandonou o assunto em agosto de
2020. Agora, faz mutreta eleitoreira emergencial.
Salto é contra a mudança. “Não acho que o debate técnico sobre o teto ou qualquer outra regra deva ser interditado. Mas, ainda que a discussão da indexação do limite possa ser importante, a motivação da proposta, neste momento crítico, é uma só: aumentar gastos sem muito foco, em ano eleitoral.”
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