Folha de S. Paulo
Bolsonaro está avacalhando -perdão, vacas-
até o que os seus diletos ditadores construíram
Jair Bolsonaro já está imortalizado como o
presidente mais mentiroso do Brasil, mas deve-se admitir que pelo menos uma vez
ele falou a verdade —que seu governo viria não “para construir, mas para
desconstruir”. Disse isso em março de 2019, num jantar para empresários,
políticos e jornalistas em Washington, tendo à sua direita o astrólogo Olavo de
Carvalho, que lhe soprava frases. Uma delas, a de que a desconstrução era
indispensável porque ele recebera um país rumando para o comunismo. Os gringos
não sabiam que Michel Temer, seu antecessor, era comunista.
Bolsonaro tem mais do que cumprido a promessa. Está desconstruindo não só o que herdou dos governos, segundo ele, de esquerda, mas até o que seu dileto regime militar deixou.
Os generais da ditadura, em paralelo à
asfixia política e jurídica, corrupção, censura, tortura e execuções que
praticavam, pretendiam-se desenvolvimentistas. Costa e Silva criou o Mobral, a
Funai e a Embraer. Médici, a Telebrás, a Infraero e o Incra. Geisel reatou
relações com a China, foi o primeiro a reconhecer a independência de Angola e
conduziu a Petrobras durante uma crise mundial do petróleo. Pois Bolsonaro
dedica-se a —perdão, vacas— avacalhar com tudo isso.
Pode-se imaginar como Geisel, nacionalista
hidrófobo, reagiria à recente declaração de Bolsonaro de que estava “pensando
em privatizar a Petrobras”. Ou o que Castello Branco diria do seu desmonte
da educação. E como eles veriam o seu desprezo pela administração,
irresponsabilidade com a economia e redução do país a um quintal de condomínio.
Como se não bastasse seu rol de crimes
na pandemia —indução à morte, charlatanismo, incitação ao crime,
falsificação de documentos, violação de direitos, desvio de verbas,
prevaricação etc.—, Bolsonaro deixou longe até o inesquecível João Batista
Figueiredo na categoria em que este parecia imbatível: a destruição da
dignidade da Presidência.
Nenhum comentário:
Postar um comentário