Folha de S. Paulo
É muito cedo para dar como certa a
derrocada de Bolsonaro pelo voto
Os ventos da política parecem soprar contra
o governo de Jair Bolsonaro. A economia, sem comando nem rumo, vagueia entre
uma pálida recuperação e a imprevista subida
dos preços que aflige os mais pobres e corrói a confiança que possam
haver depositado no ex-capitão. A deplorável imagem do país no exterior tira o
apetite dos potenciais investidores estrangeiros —com repercussões óbvias no
estado de ânimo da turma da Faria Lima em face do chefe de Paulo Guedes.
A pandemia vai cedendo na medida do avanço da vacinação, mas os enfermos e os mortos contam-se às centenas de milhares, boa parte deles vítimas da combinação de incompetência, ignorância e ganância que se apossou do Ministério da Saúde. A CPI da Covid-19 contabilizou mais de uma dezena e meia de possíveis crimes de responsabilidade do primeiro mandatário no trato da pandemia.
Isso se reflete, de um lado, na sua
crescente impopularidade aferida pelas pesquisas; de outro, no definhamento da
parcela do eleitorado que ainda se diz inclinada a lhe conferir novo mandato,
se o pleito ocorresse agora. Nessa hipótese, Bolsonaro seria derrotado por
todos os presumíveis adversários de peso na disputa pelo Planalto.
A boa notícia anima as oposições e as torna
cada vez mais indispostas a gestos recíprocos de boa vontade, em nome do
imperativo de barrar a barbárie que o titular do Planalto encarna como ninguém
e estimula naqueles que o seguem. De fato, em que país minimamente civilizado
seria aceitável que o primeiro escalão da Secretaria da Cultura —titular à
frente— divulgasse em suas redes sociais uma foto em que todos orgulhosamente
portam metralhadoras?
É muito cedo, porém, para dar como certa a
derrocada pelo voto do símbolo do que de pior este país produziu. Em regimes
presidencialistas com reeleição, a vantagem é quase sempre do detentor do cargo
em jogo. Estudo da consultoria Eurasia Group mostra que, em 224 confrontos
presidenciais pelo mundo afora, o incumbente só foi derrotado em 32. Outro
levantamento, realizado pela Ipsos Public Affairs com base em 300 votações,
concluiu que o incumbente é imbatível quando aprovado por 40% do eleitorado. Já
se contar com o apoio de 30%, sua chance de êxito cai para 19%, despencando
para 8% quando apenas 1/4 da população o avalia bem.
Claro que há muito chão pela frente até outubro
vindouro. E, mesmo na improvável suposição de que Bolsonaro se conduza conforme
as regras do sistema democrático, o resultado irá depender em boa medida da
capacidade das oposições de não destruírem, de antemão, a possibilidade de se
aliar no segundo turno.
*Professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap
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