O Globo
Já não é surpresa para ninguém que a ala
política do governo Bolsonaro, vulgo Centrão, pode muito mais que o Ministério
da Economia de Paulo Guedes.
Também não é segredo que o presidente da
República está ansioso para estancar a queda de popularidade, colocando na
praça o mais rápido possível um programa social capaz de pavimentar seu caminho
para a reeleição. Mas, até para quem acompanha essa novela, os últimos
capítulos foram espantosos.
O governo discute há meses como será o
Auxílio Brasil, e a solução é cada vez mais urgente, uma vez que o auxílio
emergencial acaba em 31 de outubro, e milhões de famílias ficarão sem proteção.
Mesmo assim, desde o início da semana, a
fonte de recursos e o valor a pagar aos beneficiários já mudaram três vezes, e
ninguém sabe ainda o que de fato acontecerá aos mais vulneráveis a partir de
novembro.
Até segunda-feira, tudo caminhava para que
fossem pagos R$ 300 em média por beneficiário, em caráter permanente, usando
recursos do Orçamento e sem romper os limites para os gastos públicos
estabelecidos pela Constituição.
Naquela mesma noite, porém, talvez pressionado pela iminente divulgação do relatório da CPI da Covid, um nervoso Jair Bolsonaro decidiu mudar tudo. Numa reunião tensa com os ministros políticos e os técnicos da equipe econômica, o presidente concluiu que R$ 300 era pouco. Ele pagaria mais, mesmo que para isso fosse preciso furar o teto de gastos.
Até hoje, sempre que se falou em furar
teto, Paulo Guedes convenceu Bolsonaro a recuar, sob o argumento de que poderia
lhe render um processo de impeachment. Desta vez, o presidente chutou o balde:
"Eu assumo os riscos", esbravejou, diante da resistência dos
técnicos, segundo "O Estado de S.Paulo".
Na manhã seguinte, o cerimonial do Planalto
já preparava um evento cheio de autoridades para divulgar um Auxílio Brasil de
R$ 400 em média, para mais famílias, só que temporário, valendo apenas até
dezembro de 2022. Os R$ 100 a mais viriam de “créditos extraordinários” e
extrapolariam o teto em R$ 30 bilhões. Nos bastidores, os auxiliares de Guedes
e o próprio ministro não esconderam a derrota.
"Estamos lutando", admitiu um abatido secretário de Fazenda, Bruno Funchal,
numa live promovida pelo banco JP Morgan.
Embora ninguém discorde de que é necessário
estender os benefícios sociais aos mais vulneráveis em tempos de crise, não
faltam alternativas para fazer isso sem extrapolar os limites de gastos.
A mais óbvia é cortar as emendas do
orçamento secreto, dinheiro para emendas distribuído sem critério claro, mas,
pelo jeito, o “programa social” dos parlamentares é sagrado. O mercado
financeiro reagiu: só na terça-feira a Bolsa caiu 3,28%, e a cotação do dólar
subiu a R$ 5,59, maior nível desde abril. E, de repente, meia hora antes do
início, o anúncio dos R$ 400 foi suspenso sem qualquer explicação.
A coisa piorou quando o relator do Auxílio
Brasil na Câmara, Marcelo Aro (PP-MG), se recusou a incorporar o caráter
temporário do benefício no texto de sua medida provisória. Enquanto o governo
buscava outra forma legal de obter os recursos, mexendo nas regras de pagamento
de precatórios, o deputado Aro tentou explicar aos jornalistas o que
acontecera:
"Alguém deve ter falado: 'Mas está
tudo certinho? Tem orçamento? Como é que vai fazer?”. Até que chegaram à
conclusão: 'Não dá para anunciar'".
Resultado: quando mais precisava de
notícias positivas para ofuscar o impacto do relatório final da CPI da Covid, o
governo conseguiu produzir um clima de desorientação que talvez só tenha
paralelo nas idas e vindas do Ministério da Saúde no auge da pandemia.
Até o fim da noite de quarta-feira, os
ministros e o próprio presidente continuavam dando declarações que mais
confundiam do que explicavam. Segundo a última versão que roda em Brasília, o
benefício mínimo será de R$ 400 sem estouro no Orçamento, mas ninguém diz de
onde brotará o dinheiro.
Evidentemente, estão tentando distrair o
pessoal enquanto arrumam um truque para tentar furar o teto sem que ninguém
perceba. Alguém precisa contar a Bolsonaro que não vai funcionar. Nem o furo no
Orçamento nem a pobreza dos brasileiros podem ser disfarçados com um factoide
ou uma fake news.
Para resolver esse impasse, o presidente
precisa dizer claramente de que lado está. Ou então assumir que o deputado tem
razão e que seu governo virou a casa da Mãe Joana.
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