O Globo
A CPI presidida pelo senador Omar Aziz fez
um trabalho intenso, profundo, técnico e o relator, senador Renan Calheiros,
apresentou um relatório implacável contra o presidente Jair Bolsonaro, seu
governo e aliados. A lista dos crimes atribuídos a Bolsonaro é grande, as
provas coletadas nos depoimentos e nos documentos conseguidos pela comissão são
robustas. Se o procurador geral da República, Augusto Aras, fechar os olhos
mais uma vez estará prevaricando. É seu dever olhar as denúncias que serão
levadas a ele. Já Arthur Lira assumirá definitivamente o papel de cúmplice se
nada fizer.
Bolsonaro sabe que o cerco está se
fechando. É por isso que o ministro da Economia, Paulo Guedes, rasgou ontem o
último pedaço de fantasia: avisou que quer licença para gastar. O governo está
usando uma causa séria — o combate à fome — para fazer um vale tudo fiscal.
Propõe furar o teto sem cerimônia. O objetivo é lançar uma boia para o
presidente, porque ele está afundando. O ministro da Economia costumava acusar
os outros de serem fura-teto. Agora, a quem acusará? Quer um governo popular,
diz Guedes. Esse não é um governo popular e essa é a forma mais rápida de
realimentar a inflação, como deveria saber o economista.
Algumas acusações a Bolsonaro são de fácil comprovação. O crime de epidemia com resultado morte, previsto no artigo 267 do Código Penal foi praticado à luz do dia, repetidamente. Bolsonaro trabalhou para espalhar o vírus e o fez para que o país atingisse a suposta imunidade de rebanho. Numa coluna publicada em 30 de janeiro, eu noticiei que um grupo de procuradores aposentados havia encaminhado uma representação a Augusto Aras acusando o presidente exatamente de crime de epidemia. Aras mandou arquivar. Mas agora é a CPI e o procurador geral terá mais dificuldade para pôr na gaveta.
A CPI trabalhou intensamente nesses 177
dias, nas sessões públicas, e na equipe técnica, para levantar um forte
conjunto probatório. Agora se pode dizer com mais segurança que o presidente da
República foi omisso, expôs deliberadamente a população ao vírus, espalhou fake
news, prescreveu remédios ineficazes, atrasou a compra de vacinas, ouviu
denúncia de que havia indícios de corrupção no Ministério da Saúde e nada fez.
Por atos e omissões, o presidente da República levou brasileiros à morte.
“As consequências dessa estratégia macabra
foram mensuradas pela ciência. Se medidas não farmacológicas tivessem sido
aplicadas de forma sistemática, poderiam ter reduzido os níveis de transmissão
da Covid-19 em cerca de 40%, o que significa que 120 mil vidas poderiam ter
sido salvas até o fim de março de 2021”, disse Renan. Há outros cálculos
tristes, validados pelos especialistas. A CPI revelou que o governo preferia
negociar vacinas com atravessadores e atrasou o fechamento das compras de
fornecedores confiáveis do Instituto Butantan à Pfizer.
Há quem afirme que a CPI não dará em coisa
alguma, porque Bolsonaro está blindado pela dupla Augusto Aras-Arthur Lira.
Nenhuma blindagem dura para sempre. Essa tem prazo de validade. Se a
popularidade permanecer baixa reduzindo as possibilidades de reeleição e os
problemas econômicos, orçamentários e políticos continuarem se acumulando,
Bolsonaro perderá seus protetores. É por isso que Guedes lança a rede, jogando
fora os escrúpulos fiscais. Não vai funcionar.
A CPI não ligou o forno de pizza e seguiu
adiante mesmo sabendo que no caminho da punição há dois grandes obstáculos, um
na PGR e outro na Câmara dos Deputados. O primeiro mérito da Comissão foi
derrotar aqueles que diziam que não era a hora de CPI, mas sim de “união
nacional contra o vírus”. Um argumento falacioso porque a união seria, na
verdade, rendição a um presidente que atenta contra a vida dos brasileiros.
Nesse fim da CPI o país está diante de um
caso absolutamente espantoso:o presidente do Brasil está sendo acusado de
mentir, espalhar vírus, usar mal o dinheiro público, incitar outros a
praticarem crime, desrespeitar normas da saúde, falsificar documentos, ser um
charlatão, prevaricar e de cometer crime contra a humanidade. Como uma pessoa
assim permanece presidente do Brasil?
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