quinta-feira, 21 de outubro de 2021

Maria Cristina Fernandes - Para o legado da CPI ultrapassar 2022

Valor Econômico

É preciso blindar o país contra novas pandemias Não é porque genocida rima com querida que o presidente Jair Bolsonaro cairá ou deixará de cair. Nem se a PEC 5 tivesse sido aprovada ontem na Câmara o procurador-geral da República deixaria de ser omisso na denúncia contra o presidente da República.

Depois do fracasso da frente ampla contra Bolsonaro, o relatório é a principal herança do Congresso para as eleições. Desperdiçá-la é perda de tempo e dinheiro. A CPI deixa um legado eleitoral relevante para 2022 tenha o relatório 10 ou 11 crimes.

De estimativas como a do sanitarista e fundador da Anvisa Gonzalo Vecina colhe-se que 400 mil mortes poderiam ter sido evitadas. O genocídio se sustenta na robustez da tragédia que poderia ter sido evitada, mas divide juristas de todos os matizes e não assegura aceitação da denúncia contra Bolsonaro no Tribunal Penal Internacional.

A comissão ofereceu um roteiro que facilita a vida dos marqueteiros. Tá tudo ali, das imagens do presidente tirando a máscara de uma criança de colo aos relatos pungentes dos familiares das vítimas, deixadas para o fim, como em toda CPI, para fazer da comoção um motor da aprovação do relatório.

Uma pandemia com mais de 600 mil mortes, porém, é uma tragédia grande demais para que tenha 2022 como o limite de seu horizonte. Até porque novas pandemias virão. Das 206 páginas do relatório dedicadas às providências da CPI da Covid, 91 se destinam à proposição de projetos de lei e no apoio à celeridade daqueles que já tramitam no Congresso.

São 17 novas propostas e outras 11 em tramitação. Do combate à divulgação de notícias falsas à inclusão de ilegalidades do combate a pandemias no rol de crimes hediondos, passando pela pensão de crianças e adolescentes órfãos da covid-19 há de tudo lá. O que falta são propostas capazes de blindar a gestão de pandemias futuras contra insanidades.

Tome-se, por exemplo, o Plano Nacional de Imunizações. Criado em 1973, o PNI foi, em grande parte, o motor da reputação que o Brasil desfrutava em vacinas até o vírus do bolsonarismo. Foi a base institucional para a história de adesão dos brasileiros à vacinação que, para além dos números, se traduz no dito popular: de graça, até injeção na testa. Se o Estado oferece cuidados, não há por que rejeitá-los.

A evolução da curva da vacinação da covid-19 é uma demonstração disso. Depois que as vacinas passaram a ser ofertadas com planejamento adequado, a imunização só cresce, tendo levado o Brasil a passar os Estados Unidos no percentual de imunizados. O problema foi o que aconteceu antes disso.

O relatório é farto na descrição do atropelamento do PNI. O diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, contou que o programa poderia ter mantido seu protagonismo não fosse o boicote bolsonarista. O mundo começou a vacinar em 8 de dezembro de 2020 e aplicou 4 milhões de doses até o fim daquele mês.

O Brasil teria como ter aplicado 60 milhões de doses no ano passado e 100 milhões até maio de 2021, mas o governo postergou o prazo para setembro. O resultado é que em julho deste ano o Brasil, que tem 2,8% da população, somava 13,2% de todas as mortes do mundo.

Se o PNI tivesse um conselho gestor, com a presença não apenas de sanitaristas e imunologistas, mas de representantes dos Três Poderes, em condições de mobilizá-los, a insanidade não teria dado as cartas.

O Congresso votou os recursos de combate à pandemia e o Supremo garantiu a autonomia da federação, mas o Executivo atropelou o PNI. Um conselho com mandato seria capaz de dar-lhe status de programa de segurança nacional imune aos humores de plantão.

Gonzalo Vecina lembra que o programa tinha um conselho, majoritariamente de médicos, até Bolsonaro tomar posse e desmontá-lo junto com outros 31 “covis de petistas”. Fosse um conselho votado e aprovado pelo Congresso ele não poderia tê-lo feito de uma canetada.

Por mais que o PNI seja enraizado nas práticas sanitárias do país, foi a completa autonomia do Executivo nas deliberações que empoçou os 81 e-mails com a oferta de 70 milhões de doses da Pfizer durante seis meses. Um programa de imunização gerido por um colegiado não permitiria que um ministro da Saúde como Eduardo Pazuello voltasse atrás de um protocolo de intenções para a compra de 46 milhões de doses da Coronavac com desfaçatez que coube numa frase: “É simples assim: um manda e o outro obedece”.

Um conselho gestor do PIN aprovado pelo Congresso como legado desta CPI certamente neutralizaria o raio de ação de um filho de presidente, como o vereador Carlos Bolsonaro, que tomou parte nas discussões com a direção das grandes farmacêuticas.

O Brasil sabe vacinar e tem um povo que entende a importância da imunização. E é este binômio que poderia ter sido melhor protegido pelo relatório. Assim como o Sistema Único de Saúde. Se algo avançou no SUS ao longo da pandemia foi a centralização de dados para a elaboração de um prontuário eletrônico para todos os seus usuários, projeto que ainda está em curso sob o nome de ConecteSUS.

A CPI se desenrolou paralelamente à discussão do edital do leilão da tecnologia 5G. Mas não fez gestões para influenciar o edital de maneira a exigir que o vencedor forneça tecnologia capaz de integrar Ministério da Saúde, secretarias estaduais e municipais de Saúde e prontuários hospitalares.

Colocar o maior dos insanos na cadeia inibiria a volta dos que ainda não foram. Mas a CPI precisa ir além se pretende contribuir para a blindagem do país contra novos vírus, estejam eles no populismo da extrema-direita ou na microbiologia.

Foro privilegiado

A capitulação de Paulo Guedes ao teto furado guarda mais relação com a necessidade de o ministro manter o foro privilegiado do que com uma conversão das convicções do ministro. Está marcado para o dia 10 de novembro o depoimento de Guedes sobre sua offshore. Mais do que o afastamento de sua conta na Ilhas Virgens Britânicas, o que importa é se houve ou não movimentação da conta. É em torno deste ponto que se mobilizam os parlamentares

 

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