Valor Econômico
É preciso blindar o país contra novas
pandemias Não é porque genocida rima com querida que o presidente Jair
Bolsonaro cairá ou deixará de cair. Nem se a PEC 5 tivesse sido aprovada ontem
na Câmara o procurador-geral da República deixaria de ser omisso na denúncia
contra o presidente da República.
Depois do fracasso da frente ampla contra
Bolsonaro, o relatório é a principal herança do Congresso para as eleições.
Desperdiçá-la é perda de tempo e dinheiro. A CPI deixa um legado eleitoral relevante
para 2022 tenha o relatório 10 ou 11 crimes.
De estimativas como a do sanitarista e
fundador da Anvisa Gonzalo Vecina colhe-se que 400 mil mortes poderiam ter sido
evitadas. O genocídio se sustenta na robustez da tragédia que poderia ter sido
evitada, mas divide juristas de todos os matizes e não assegura aceitação da
denúncia contra Bolsonaro no Tribunal Penal Internacional.
A comissão ofereceu um roteiro que facilita a vida dos marqueteiros. Tá tudo ali, das imagens do presidente tirando a máscara de uma criança de colo aos relatos pungentes dos familiares das vítimas, deixadas para o fim, como em toda CPI, para fazer da comoção um motor da aprovação do relatório.
Uma pandemia com mais de 600 mil mortes,
porém, é uma tragédia grande demais para que tenha 2022 como o limite de seu
horizonte. Até porque novas pandemias virão. Das 206 páginas do relatório
dedicadas às providências da CPI da Covid, 91 se destinam à proposição de
projetos de lei e no apoio à celeridade daqueles que já tramitam no Congresso.
São 17 novas propostas e outras 11 em
tramitação. Do combate à divulgação de notícias falsas à inclusão de
ilegalidades do combate a pandemias no rol de crimes hediondos, passando pela
pensão de crianças e adolescentes órfãos da covid-19 há de tudo lá. O que falta
são propostas capazes de blindar a gestão de pandemias futuras contra
insanidades.
Tome-se, por exemplo, o Plano Nacional de
Imunizações. Criado em 1973, o PNI foi, em grande parte, o motor da reputação
que o Brasil desfrutava em vacinas até o vírus do bolsonarismo. Foi a base
institucional para a história de adesão dos brasileiros à vacinação que, para
além dos números, se traduz no dito popular: de graça, até injeção na testa. Se
o Estado oferece cuidados, não há por que rejeitá-los.
A evolução da curva da vacinação da
covid-19 é uma demonstração disso. Depois que as vacinas passaram a ser
ofertadas com planejamento adequado, a imunização só cresce, tendo levado o
Brasil a passar os Estados Unidos no percentual de imunizados. O problema foi o
que aconteceu antes disso.
O relatório é farto na descrição do
atropelamento do PNI. O diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, contou que
o programa poderia ter mantido seu protagonismo não fosse o boicote
bolsonarista. O mundo começou a vacinar em 8 de dezembro de 2020 e aplicou 4
milhões de doses até o fim daquele mês.
O Brasil teria como ter aplicado 60 milhões
de doses no ano passado e 100 milhões até maio de 2021, mas o governo postergou
o prazo para setembro. O resultado é que em julho deste ano o Brasil, que tem
2,8% da população, somava 13,2% de todas as mortes do mundo.
Se o PNI tivesse um conselho gestor, com a
presença não apenas de sanitaristas e imunologistas, mas de representantes dos
Três Poderes, em condições de mobilizá-los, a insanidade não teria dado as
cartas.
O Congresso votou os recursos de combate à
pandemia e o Supremo garantiu a autonomia da federação, mas o Executivo
atropelou o PNI. Um conselho com mandato seria capaz de dar-lhe status de
programa de segurança nacional imune aos humores de plantão.
Gonzalo Vecina lembra que o programa tinha
um conselho, majoritariamente de médicos, até Bolsonaro tomar posse e
desmontá-lo junto com outros 31 “covis de petistas”. Fosse um conselho votado e
aprovado pelo Congresso ele não poderia tê-lo feito de uma canetada.
Por mais que o PNI seja enraizado nas
práticas sanitárias do país, foi a completa autonomia do Executivo nas
deliberações que empoçou os 81 e-mails com a oferta de 70 milhões de doses da
Pfizer durante seis meses. Um programa de imunização gerido por um colegiado
não permitiria que um ministro da Saúde como Eduardo Pazuello voltasse atrás de
um protocolo de intenções para a compra de 46 milhões de doses da Coronavac com
desfaçatez que coube numa frase: “É simples assim: um manda e o outro obedece”.
Um conselho gestor do PIN aprovado pelo
Congresso como legado desta CPI certamente neutralizaria o raio de ação de um
filho de presidente, como o vereador Carlos Bolsonaro, que tomou parte nas
discussões com a direção das grandes farmacêuticas.
O Brasil sabe vacinar e tem um povo que
entende a importância da imunização. E é este binômio que poderia ter sido
melhor protegido pelo relatório. Assim como o Sistema Único de Saúde. Se algo
avançou no SUS ao longo da pandemia foi a centralização de dados para a
elaboração de um prontuário eletrônico para todos os seus usuários, projeto que
ainda está em curso sob o nome de ConecteSUS.
A CPI se desenrolou paralelamente à
discussão do edital do leilão da tecnologia 5G. Mas não fez gestões para influenciar
o edital de maneira a exigir que o vencedor forneça tecnologia capaz de
integrar Ministério da Saúde, secretarias estaduais e municipais de Saúde e
prontuários hospitalares.
Colocar o maior dos insanos na cadeia
inibiria a volta dos que ainda não foram. Mas a CPI precisa ir além se pretende
contribuir para a blindagem do país contra novos vírus, estejam eles no
populismo da extrema-direita ou na microbiologia.
Foro privilegiado
A capitulação de Paulo Guedes ao teto
furado guarda mais relação com a necessidade de o ministro manter o foro
privilegiado do que com uma conversão das convicções do ministro. Está marcado
para o dia 10 de novembro o depoimento de Guedes sobre sua offshore. Mais do
que o afastamento de sua conta na Ilhas Virgens Britânicas, o que importa é se
houve ou não movimentação da conta. É em torno deste ponto que se mobilizam os
parlamentares
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