sábado, 25 de dezembro de 2021

Ascânio Seleme: O centro morreu, viva o centro

O Globo

O centro democrático brasileiro não ganha uma eleição no Brasil desde Fernando Henrique Cardoso. Mesmo assim, o centro que elegeu FHC era híbrido. O PSDB, ainda fresco, tinha epidermicamente uma camada de tinta rosa que lhe dava um ar social-democrata. Quem puxou para o centro aquela chapa que venceu duas eleições no primeiro turno foi o PFL, filhote do PDS e da Arena da ditadura. Depois, tivemos dois presidentes eleitos e reeleitos pela esquerda e um eleito pela direita. O centro com poder eleitoral encolheu por falta de apelo e discurso, mas continuou governando com Lula, Dilma e Bolsonaro.

Na verdade, desde a instalação da República, quem governa o Brasil é o centro. Nos governos do PT, as alianças com PP e PL, e depois com o MDB, transformaram o que deveria ser um governo de orientação socialista. Lula (mais) e Dilma fizeram as alianças necessárias para governar e implementar o que podiam da sua pauta original. Mas para isso foram obrigados a ceder, e não apenas ministérios, diretorias de estatais e cargos superiores da administração pública. O PT foi de esquerda nas questões sociais e liberal na economia. Além, claro, de permitir avanços sobre os cofres públicos.

O PT governou com o Centrão desde o dia 1º de janeiro de 2003. Dando mesadas com dinheiro público e atendendo outras demandas dos líderes dos partidos aliados, mesmo as não republicanas. Quando tentou se afastar do centro, com Dilma, caiu por falta de apoio no Congresso. A sessão de cassação da ex-presidente serviu como aula da política que se pratica no Brasil. Os deputados que apoiaram com todo o empenho e todas as benesses os dois mandatos de Lula e o primeiro da própria Dilma votaram pela sua cassação com discursos libertários. No dia seguinte, alinharam-se confortavelmente no governo Temer.

Com Bolsonaro, o centro foi se imiscuindo no governo até dominá-lo. Do leão de extrema-direita eleito em 2018 restou apenas um gato magro que bebe leite na mão do Centrão e tenta rugir para seu público radical. O presidente, que imaginou conseguir governar sem respaldo político, apenas com o aval dos eleitores, poderia e deveria ter sido cassado pelos inúmeros crimes que cometeu ao longo dos seus três anos de mandato. Não foi, por falta de coragem de um presidente da Câmara e por interesse político de outro. Com Arthur Lira, Bolsonaro foi enquadrado. Afastou seus ministros mais abusados e nomeou a turma do Centrão.

Claro que o centro no poder não significa sucesso do governo. Apesar de estar sitiado pelo Centrão, Bolsonaro é rejeitado, seu governo é considerado ruim ou muito ruim pela maioria, e todas as pesquisas mostram que se a eleição fosse hoje perderia talvez já no primeiro turno. Mas, por ser democrático, o centro afasta os governantes dos extremos. Foi assim com Lula e Dilma, tem sido assim com Bolsonaro. E não digam que o Centrão não é democrático. É, sim. Ele pode não ser honesto, mas democrático ele é. Não por ideologia, e sim por interesse. Com a democracia, eles dividem o poder e dele se beneficiam; sem ela, viram satélites em torno de tecnocratas nomeados por ditadores.

De acordo com apuração dos repórteres Marianna Holanda, Julia Chaib e Mateus Vargas, o Centrão impôs uma mudança de discurso do presidente contra o sistema eleitoral e as urnas eletrônicas e o fez suspender seus ataques antidemocráticos contra as instituições. Foi sua condição para embarcar no poder. Será assim com Lula, se ele efetivamente ganhar a eleição do ano que vem. Não que Lula tenha um discurso radical, nada se compara à retórica golpista de Bolsonaro. Mas o PT já tentou censurar a imprensa, inventando um certo controle externo da atividade jornalística que, obviamente, seria feito por um comitê de notáveis amigos do partido. É bom não se esquecer disso. E quem não se lembra de José Dirceu afirmar que o objetivo do partido é “tomar o poder, o que é diferente de ganhar eleição”?

Por ser forte no Congresso, mesmo sendo fraco em eleições majoritárias, o centro segue politicamente protagonista. Formado por parlamentares de diversos partidos, de alguns novatos até o veterano MDB, ele é a âncora que transfigura partidos ideológicos depois de assumirem o poder, impedindo que exerçam amplamente suas pautas originárias. E é o centro também que não permite desvios totalitários de qualquer tom. O centro morreu, viva o centro.

No mais, boas festas para todos.

Lula X Dilma

Por vezes, as pessoas mais próximas de Lula até se constrangem diante do tom empregado pelo ex-presidente quando se refere à sua sucessora, Dilma Rousseff. Lula não esconde dos íntimos a má vontade que tem com Dilma. Por vezes, usa até palavrões para designar a “companheira”.

O golpista voltou

José Dirceu anda com uma desenvoltura de fazer gosto nos arredores da pré-campanha de Lula. Alguns dos líderes partidários já relatam o incômodo que ele causa. Mas todos são muito cuidadosos ao tratar do assunto, já que o PT, cheio de dedos (sem piada, por favor), tem problema em responsabilizar quadros históricos por malfeitos políticos. Entendem que atacar Dirceu enfraquece o projeto do terceiro mandato de Lula, e vão aguentando.

Os democratas

Há dois tipos de políticos obrando no Brasil por estes dias. Os democratas e os outros. Os democratas, que são maioria, podem ser de esquerda, de centro ou de direita e são capazes de sacrificar até mesmo projetos políticos pessoais ou partidários para defender a democracia. Os outros também podem estar em qualquer canto do espectro político, mas são sabotadores da estabilidade, querem ocupar todos os espaços e não mudam de camisa para dar um golpe contra a democracia. Os democratas podem salvar o Brasil de bolsonaros e dirceus. Por isso, e talvez só por isso, faça sentido a aliança de Alckmin com Lula.

Esquerda

A onda de esquerda que neste ano culminou com a eleição de Gabriel Boric, no Chile, parece ser mais um freio na tendência de direita que começou há alguns anos na Europa e por aqui mesmo na América Latina, e ganhou força depois da eleição da Donald Trump, nos Estados Unidos. No ano que vem tem mais.

Nosso Rio

Vem aí um prêmio para iniciativas positivas e criativas que favoreçam o Rio. Trata-se de uma ideia do think tank cRio ESPM e vai conceder três prêmios: para estudos e pesquisas realizadas no Rio entre 2017 e 2021; para empreendimentos criativos, que contemplem produtos e modelos de negócios inovadores; e para projetos inovadores na cultura da saúde. As inscrições estarão abertas até o dia 25 de fevereiro.

Fernanda e Chico

O vereador Chico Alencar publicou no Youtube uma singela homenagem ao Natal. Texto de sua autoria, com narração dele e de Fernanda Montenegro, o vídeo pode ser visto em https://youtu.be/3liF5DJ9Djg.

Orçamento antieleitoral

Imagino que estejam enganados os que pensam que Jair Bolsonaro vai se dar bem eleitoralmente em razão do orçamento bisonho que aprovou para o ano que vem. Há pouco dinheiro para investimentos em obras de infraestrutura que melhoram o país e geram emprego e renda. Há algum dinheiro para recomprar um apoio que ele já tem, que é a verba para aumentar salários de policiais. Há muito dinheiro para deputados e senadores do Centrão distribuírem em seus currais, mas estes estão prontos para deixar a base de Bolsonaro ainda no primeiro semestre do ano que vem. Há dinheiro nunca antes visto para campanhas partidárias. Não há dinheiro para melhorar a vida dos pobres de maneira estrutural, apenas as bolsas, importantes, mas paliativas.

Base de Bolso

A base sólida do presidente para a eleição de 2022 cabe num dos bolsos do seu paletó. É formada sobretudo por policiais, fardados ou não, militares das três Forças e milicianos. Bolsonaro tem ainda o apoio de uma parcela dos empresários paulistas, como se viu na sua visita à Fiesp na semana passada, e da parte mais atrasada do agronegócio. Não dá 20% do eleitorado. E quando este índice cair para baixo desse patamar nas pesquisas, vai começar a debandada.

Olavetes fora

Bolsonaro, quem diria, está prestes a perder o apoio de três valorosos mosqueteiros, os ex-ministros mais sórdidos que teve, Abraham Weintraub, Ernesto Araújo e Ricardo Salles. Eles participaram da entrevista de Olavo de Carvalho em que este atacou o presidente no YouTube. Os “olavetes” ouviram contritos a bronca do guru e ficaram calados.

Vacina em crianças

Se você achava que ainda faltava alguma coisa para o inacreditável Jair Bolsonaro fazer, acho que agora se convenceu de que não falta mais nada.

CPI da Covid

E o relatório da CPI? Alguém o viu por aí? Parece que foi visto pela última vez na Procuradoria-Geral da República.

EXEMPLO CASEIRO

O governador do Acre, Gladson Cameli, alvo de buscas da PF por corrupção e lavagem de dinheiro, tem pedigree. Seu tio, Orleir Cameli, ex-governador do estado de 1995 a 1999, respondeu a acusações por corrupção, narcotráfico e trabalho escravo. O tio de Gladson também ficou conhecido por ter sete CPFs. Está claro que escola familiar de bandidagem não ocorre apenas no plano federal.

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