Nenhum outro acontecimento conseguiu dividir a história como o que estamos celebrando hoje: antes de Cristo, depois de Cristo. Em Lucas, 1:30-33, está dito na Bíblia: “Mas o anjo lhe disse: ‘Não tenha medo, Maria; você foi agraciada por Deus! Você ficará grávida e dará à luz um filho, e lhe porá o nome de Jesus. Ele será grande e será chamado Filho do Altíssimo. O Senhor lhe dará o trono de seu pai Davi, e ele reinará para sempre sobre o povo de Jacó; seu reino jamais terá fim”. E sobrevive vinte séculos depois. Um reino que nasceu numa simples manjedoura, não teve palácios e tesouros, e viveu da palavra e das sementes plantadas.
O Natal de 2021 é o fecho de um ano de
muitas provações. O mundo mergulhou num surto pandêmico que levou milhões de
vidas. Só no Brasil foram mais de 618 mil vidas perdidas. Às vezes, mergulhados
no individualismo e na indiferença, esquecemos que não estamos sozinhos, que
dependemos uns dos outros, que as misérias humanas e as desigualdades não são
parte de uma ordem natural inevitável. É de cortar o coração saber que 19
milhões de brasileiros serão assombrados pela fome neste Natal.
Os valores e os ensinamentos cristãos foram
amplamente difundidos. Mas as escolhas são nossas. O Brasil vive momentos
tensos. A liberdade ameaçada, a inflação tornando mais pobres os já muito
pobres, o desemprego alimentando a desesperança, as desigualdades se ampliando.
Que as escolhas futuras se inspirem no espírito do Natal. A miséria, a pobreza
e a fome no Brasil não devem ser banalizadas, pois são a negação das coisas
bonitas que nos fala o menino e que o Natal tenta nos relembrar.
Papai Noel nasceu longe do Polo Norte, na
Turquia. Teve origem em São Nicolau, bispo católico do século IV, homem bondoso
que presenteava as crianças no dia do seu aniversário. A figura do bom velhinho
virou um personagem. Mas foi cooptada pela sociedade de consumo. A roupa
vermelha foi uma invenção da Coca-Cola. O Polo Norte foi uma estratégia para
estimular o turismo do governo finlandês, que construiu uma vila na Lapônia,
que se tornaria o lar do bom velhinho. Noël em francês significa Natal. O Papai
Noel foi adaptação para o português. A troca de presentes carrega uma
simbologia de amor aos próximos. Nada errado estimular a fantasia das crianças
e trocar presentes, desde que o sentido original do Natal não se perca.
Fiquemos com João Cabral de Melo Neto em
seu “Cartão de Natal”: “Pois que reinaugurando essa criança/pensam os homens
reinaugurar a sua vida/e começar novo caderno/fresco como o pão do dia/pois que
nestes dias a aventura/parece em ponto de voo/ e parece que vão enfim poder
explodir suas sementes:/ que desta vez não se perca esse caderno/sua atração
núbil para o dente/que o entusiasmo conserve vivas suas molas/e possa enfim o
ferro comer a ferrugem/o sim comer o não”.
*Marcus Pestana, Presidente do Conselho Curador ITV – Instituto Teotônio Vilela (PSDB)
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