EDITORIAIS
Bolsonaro nada faz contra mais um onda da
covid-19
Valor Econômico
Nenhum poder da República se mostrou capaz
de fazer Bolsonaro cumprir as determinações constitucionais que exigem a
proteção ao direito à vida e à saúde dos brasileiros
A quinta variante da covid-19, a ômicron, é
a recordista em propagação e em furar o bloqueio das vacinas. Três milhões de
pessoas foram infectadas por dia no mundo, um recorde até agora, e a curva de
casos no Brasil, onde a ômicron já é predominante, apontou para cima de novo. A
experiência acumulada na pandemia é suficiente para enfrentar um vírus de menor
taxa de letalidade, mas não para deter a nova corrida aos hospitais e postos de
saúde que, por sua vez, começam a ficar gravemente desfalcados pela
contaminação de médicos, enfermeiros e pessoal de apoio. Já o presidente Jair Bolsonaro,
620 mil mortes depois, segue preocupado com seus fantasmas particulares - até
mesmo uma farsesca supernotificação de casos de covid-19 - enquanto o
Ministério da Saúde vive apagão de dados há um mês.
A nova onda da covid-19 pode ser um
problema eleitoral para Bolsonaro - que só pensa nisso. A primeira reação do
presidente, no entanto, não é tomar providências e enfrentar da melhor maneira
possível o vírus, mas criticar as soluções disponíveis, que mostraram eficácia.
Foi assim desde o começo, quando a “gripezinha” vislumbrada pelo presidente se
transformou em uma hecatombe, com o país exibindo o segundo maior número de
mortes do mundo. Mas as mortes, o desenvolvimento de vacinas em tempo recorde e
o enorme e dedicado esforço das redes públicas e privadas de saúde nada
significaram para Bolsonaro, que se supera em demonstrar quanto sua ignorância
pode ser destrutiva.
Quanto mais os problemas se avolumam e, com eles, a possibilidade dele ser ejetado da Presidência em outubro, mais Bolsonaro se agita em ataques paranóicos. Em entrevista à Jovem Pan, advertiu que “já vejo ensaio de governadores querendo fechar tudo novamente”, provavelmente em alusão às medidas preventivas necessárias contra aglomerações no carnaval que começam a ser tomadas. O presidente disse que se isso ocorrer haverá uma “rebelião”, sem que haja “Forças Armadas suficientes para a garantia da ordem”.
Os meios recomendados pela expertise médica
do presidente - o nefasto kit covid - foram desacreditados pela ciência. O que
Bolsonaro sugere agora? Nada, fora a imunidade de rebanho que sempre pregou.
“Eu desconheço uma autoridade que tenha adotado a minha linha. Será que eu sou
o único certo? Será que eu sou a pessoa que andou falando absurdos? A realidade
vai caindo”, disse na entrevista. Os recuos sucessivos na confiança e intenção
de voto nas pesquisas, apontam que a realidade de fato desaba, mas sobre a
cabeça do presidente.
Bolsonaro ontem voltou à sua cantilena e
disse que a ômicron é “bem-vinda” por ser de baixa letalidade e sinalizar o fim
da pandemia, aparentemente mimetizando declarações de cientistas sérios, que
dizem algo diferente e circunstanciado. Em primeiro lugar, embora a ômicron
drible vacinas, os vacinados são os que se saem melhor da infecção. A diferença
entre o imunizado e o não vacinado é “brutal”, segundo a cardiologista Ludhmila
Hajjar, desconvidada pelo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, a ocupar um
posto avançado no combate à pandemia por seu espírito crítico à charlatanice
bolsonarista. “As UTIs estão atualmente só com casos de Covid entre os não
vacinados”, disse a “O Globo” (ontem). “Os imunizados dificilmente passam do
atendimento ambulatorial”.
Ontem o presidente recomendou a Queiroga a
divulgação de casos de efeitos colaterais das vacinas. Voltou também a desdenhar
a vacinação de crianças de 5 a 11 anos, tema de sua investida calhorda contra a
Anvisa, sugerindo interesses escusos em favor da imunização infantil. Antonio
Barra Torres, diretor-presidente da agência, exigiu em comunicado que o
presidente apresentasse provas de corrupção ou se retratasse.
Bem no seu estilo, Bolsonaro manteve o que
insinuou. “Não quero acusar a Anvisa de absolutamente nada. Agora, que tem
alguma coisa acontecendo, não tem a menor dúvida que tem”, afirmou. Houve
corrupção de fato, mas na Saúde, quando um governo visceralmente contra vacinas
abrigou esquemas de propinas para sua obtenção. Bolsonaro soube disso por um
deputado e nada teria feito. E é acusado de prevaricação em processo sugerido
pela CPI da Covid.
Há tempos o presidente representa um risco à saúde pública, mas nenhum poder da República se mostrou capaz de fazê-lo cumprir as determinações constitucionais que exigem a proteção ao direito à vida e à saúde dos brasileiros.
Apagão de dados no SUS dificulta combate à
Covid
O Globo
Quem entrava ontem no portal Coronavírus
Brasil, do Ministério da Saúde, deparava com a informação de que o país tem
616.691 mortes por Covid-19 e 22.184.824 casos confirmados da doença. No canto
superior esquerdo da página está o único dado que presta: atualizado em
9/12/2021. Os números que traçam um panorama da epidemia datam de mais de um
mês atrás, anteriores ao ataque que afetou o banco de dados do Sistema Único de
Saúde (SUS) num momento de ascensão da supercontagiosa variante Ômicron. De
acordo com o consórcio de veículos de imprensa junto às secretarias de saúde, o
Brasil já tinha ontem 620.419 mortes e 22.718.606 casos confirmados.
Mesmo esses números não são precisos,
devido às inconsistências nos sistemas do Ministério da Saúde e à dificuldade
das secretarias estaduais e municipais para registrar dados. É evidente o
aumento de casos de síndrome respiratória entre o fim do ano passado e o início
de 2022. As cenas de unidades básicas de saúde lotadas não deixam dúvidas. Mas
caminha-se às cegas quando mais se precisa de informação. Não se sabe quanto do
aumento deve ser atribuído a problemas causados pelo apagão de dados, quanto ao
crescimento real.
O Ministério da Saúde alega que a maior
parte de seus sistemas já foi restabelecida, mas na prática não é o que se
observa. Pesquisadores têm encontrado dificuldades para obter dados atualizados
nas plataformas do ministério, com impacto direto no acompanhamento da
Covid-19, de outras doenças e, obviamente, na formulação de políticas públicas.
Às vésperas de começar a vacinação em crianças de 5 a 11 anos, não se conhece o
impacto da Ômicron nesse grupo etário. Nem os dados sobre vacinação escapam ao
apagão, já que há estados que não têm informado os números.
“Felizmente, a gente está tendo algum nível
de informação que vem do relato de aumentos da demanda, mas não se faz análise
de saúde com base em relatos, e sim em ciência. Dados brutos que nos
permitiriam fazer análises sistemáticas, a gente não tem”, afirma Marcelo
Gomes, pesquisador em saúde pública e coordenador do Infogripe, da Fiocruz.
A incrível capacidade de transmissão da
Ômicron já começa a desfalcar as equipes das unidades de saúde e noutros
setores da economia. Em São Paulo, o total de profissionais da rede pública
afastados por Covid-19 quase triplicou em um mês. Em Fortaleza, entre novembro
e dezembro, o número de afastamentos aumentou 419%. Na cidade do Rio, estima-se
que o déficit esteja em torno de 20%. Em entrevista ao GLOBO, a médica Ludhmila
Hajjar, intensivista e cardiologista do Hospital das Clínicas, em São Paulo,
disse que a situação levará o sistema de saúde ao colapso.
Forma-se uma tempestade perfeita diante da
inépcia do Ministério da Saúde durante a mais letal pandemia em cem anos. Uma
variante altamente contagiosa, disparada de casos de Covid-19, falta de
profissionais de saúde para atender à crescente demanda, baixa testagem e um
apagão de dados que não permite saber o que está acontecendo. Sem informação,
não há planejamento. Sem planejamento, o resultado é o caos que se instala nas
unidades de saúde e o risco de colapso. O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga,
deveria agir para evitá-lo.
Caso de deputado mineiro expõe danos das
emendas do relator
O Globo
O caso do deputado federal Aelton Freitas
(PL-MG) é mais que um exemplo pitoresco, entre tantos outros, de suspeitas de
desvio de verbas públicas para fins particulares. Ele expõe de modo cristalino
as duas características mais nefastas das emendas do relator, o mecanismo do
orçamento secreto com que o governo tem comprado apoio no Congresso.
De acordo com reportagem do GLOBO, Freitas
destinou R$ 21 milhões da emenda de relator a que tinha direito em 2021 a obras
no município mineiro de Iturama, onde o prefeito é seu primo Cláudio Tomaz de
Freitas. O dinheiro deveria ser usado em “pavimentação”, “adequação de vias” e
numa “ponte”. As obras serviriam também para permitir escoar água da chuva de
um loteamento e de uma chácara da família de Freitas, além de facilitar o
acesso ao local.
Fica evidente o primeiro dano: como a
distribuição da verba não é transparente e passa ao largo dos órgãos de
fiscalização, abre a porta ao patrimonialismo e à corrupção tão comuns no
Brasil. Não se sabe se há maracutaia nesse caso específico, mas ele já foi
encaminhado à Procuradoria-Geral da República (PGR) para investigação. A PGR
tem obviamente o dever de levá-la adiante para dissipar as suspeitas.
Mas isso não basta para eliminar o segundo
dano: destinar recursos segundo critérios idiossincráticos, sem conexão com as
necessidades da maioria. O que é mais importante para o Brasil? Construir a
ponte em Iturama ou ter recursos para obras de infraestrutura paralisadas?
Drenar as terras do primo do deputado ou dispor de dinheiro para monitorar o
estrago das chuvas no país? Para não falar no ensino remoto nas escolas
públicas e noutras carências expostas pela pandemia.
Pode-se argumentar que R$ 21 milhões é
pouco dinheiro. Mas esse é só um caso. Quando se somam todos os deputados e
senadores, é escandalosa a verba alocada sem critério técnico, com base em
interesses políticos ou paroquiais. Só na peça orçamentária deste ano, há R$
16,5 bilhões reservados a emendas do relator, o equivalente à metade do que o
governo gastava no ano todo com o programa Bolsa Família. Fora os R$ 18,5
bilhões já destinados a emendas individuais e de bancada, pelo menos
distribuídos segundo critérios equânimes e transparentes.
Perto de 95% do Orçamento da União já é
engessado por despesas obrigatórias em salários, aposentadorias, fundos
setoriais e outros quinhões apropriados por interesses nem sempre republicanos.
Quando o pouco que resta fica sujeito aos rapapés a caciques do Centrão, tem-se
ideia do motivo de faltar dinheiro para tudo o que importa, em particular os
programas sociais.
Ao decidir sobre as emendas do relator, o
Supremo Tribunal Federal (STF) limitou-se a exigir mais transparência. Não
basta. A falta de transparência é apenas um dos males. Outro — mais insidioso —
é a má alocação de verbas já escassas. Para que o Orçamento recupere um mínimo
de aderência à necessidade do país, as emendas do relator precisam ser
extintas. Do contrário, as Ituramas continuarão a ser mais importantes que o
Brasil.
Muito dinheiro para os ‘bem atendidos’
O Estado de S. Paulo.
Parlamentares são ‘bem atendidos’ por Bolsonaro para que ele siga no cargo fingindo que governa o País sem ser incomodado
A entrevista que o presidente Jair
Bolsonaro concedeu à Rádio Jovem Pan na terçafeira passada serviu para, mais
uma vez, evidenciar o seu despudor em afrontar os princípios republicanos mais
comezinhos e indicar uma das razões, talvez a principal, pelas quais alguém tão
despreparado como ele – administrativa, intelectual e moralmente – siga
inabalável no exercício da Presidência da República, a despeito de todos os
crimes de responsabilidade que cometeu, descritos em mais de uma centena de
pedidos de impeachment, e de todos os males que vem infligindo ao País desde
que tomou posse.
Sob seu governo, avaliou Bolsonaro, o
Congresso está “muito bem atendido”. Primeiro, é preciso reconhecer que o
presidente não mentiu. Aí está o volume recorde de liberação de emendas
parlamentares ao longo desses três anos de mandato a comprovar a afirmação,
especialmente as emendas do relator-geral do Orçamento, tecnicamente conhecidas
como RP-9. No entanto, é preciso deixar claro o que Bolsonaro entende por
“muito bem atendido” e, principalmente, em que bases se dá esse “atendimento”.
“Hoje em dia, todos estão ganhando”,
afirmou o presidente à rádio, em referência aos deputados e senadores. “Além
das emendas impositivas, por volta de R$ 15 bilhões por ano, tem uma outra
forma de conseguir recurso, que é a RP-9. E só em RP-9”, prosseguiu Bolsonaro,
sem manifestar qualquer sinal de constrangimento, “os parlamentares têm quase o
triplo de recursos do Ministério da Infraestrutura, do (ministro) Tarcísio
(Gomes de Freitas). Então, o Parlamento está muito bem atendido conosco.”
É muito dinheiro, mas não é verdade que
“todos estão ganhando”. A liberação de emendas RP-9 contempla primordialmente
os parlamentares que compõem a base de apoio ao presidente no Congresso, como
revelou o Estado em uma série de reportagens que, desde maio do ano passado,
tornaram público o chamado “orçamento secreto”. A distribuição dessa bilionária
soma de recursos públicos por meio de emendas RP-9 é feita sem levar em
consideração critérios técnicos, sem transparência e, sobretudo, sem equidade
entre os congressistas. Na prática, o governo dividiu os parlamentares em dois
grupos: os de “primeira classe”, que apoiam o governo, e o resto.
Em português cristalino, “orçamento
secreto” é compra de votos no Congresso. Não sem razão, a prática espúria
“estarreceu” ministros do Tribunal de Contas da União (TCU) e levou a ministra
Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), a suspender, em um primeiro
momento, o pagamento das emendas RP-9, classificadas por ela como um
instrumento que “se distancia dos ideais republicanos” e que é operado “sob o
signo do mistério”. Contudo, pouco tempo após manifestar “perplexidade” diante
do pagamento das emendas RP-9, a ministra liberou a execução dos repasses a
pedido dos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo
Pacheco (PSD-MG). Ambos prometeram à ministra dar transparência aos acordos que
viabilizam o pagamento das emendas, como se não estivessem obrigados pela
Constituição a fazê-lo. Mas, até agora, não honraram a palavra empenhada.
A entrevista de Bolsonaro foi uma aula de
desfaçatez. Mas ele não está sozinho na subversão dos “ideais republicanos”
mencionados pela ministra Rosa Weber. Há neste Congresso “muito bem atendido”
quem se disponha a se apropriar de recursos do Orçamento para satisfazer
interesses eleitorais ou financeiros muito particulares. Não se sabe quais
exatamente por não haver transparência em relação às transações. Se são legais
e republicanas, por que o sigilo? A dúvida singela, não respondida até hoje,
abre espaço para dúvidas muito razoáveis sobre a higidez de todo o processo que
cerca as emendas de relator-geral.
Malgrado ser o presidente que mais liberou
emendas parlamentares desde 2003, Bolsonaro foi o que menos conseguiu aprovar
projetos de sua iniciativa no Congresso. É evidente que o “atendimento”
prestado por Bolsonaro a um grupo de parlamentares – e não ao Congresso – se
presta, fundamentalmente, a garantir sua sustentação política no cargo para que
ele siga fingindo que governa o Brasil sem ser incomodado.
O BC e a inflação fora dos limites
O Estado de S. Paulo.
Incertezas sobre contas públicas e seus
efeitos sobre o dólar são citados mais claramente que em outras manifestações
do Copom
Pandemia, desarranjos na economia global e
seca no Brasil explicam a maior parte da inflação de 2021, segundo o presidente
do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto. A explicação aparece em carta de 15
páginas enviada ao ministro da Economia, Paulo Guedes, presidente do Conselho
Monetário Nacional (CMN).
Cartas desse tipo são obrigatórias quando o
aumento de preços ao consumidor fica fora do espaço de tolerância. A alta de
preços em 2021 chegou a 10,06%. O centro da meta era 3,75%. O teto, 5,25%.
Neste século, só o estouro de 2002, de 7,03 pontos porcentuais, foi maior que o
do ano passado, de 4,81 pontos. Faltou explicar, entre outros pontos, por que
os dirigentes do BC demoraram a admitir a real gravidade da inflação.
Vários bancos centrais, incluído o americano,
mantiveram por muito tempo a aposta em um breve surto inflacionário. O BC
brasileiro participou dessa onda. Seu Comitê de Política Monetária (Copom)
apontou em junho uma pressão mais persistente do que se esperava, mas em
seguida amaciou a linguagem. O ajuste dos juros básicos para 4,25% era
necessário, segundo comunicado emitido no dia 16, “para mitigar a disseminação”
de “choques temporários sobre a inflação”. A mudança do jogo foi claramente
explicitada na reunião de setembro, quando a taxa básica foi elevada a 6,25%. A
partir daí, o aperto monetário, admitido sem restrição, deveria avançar “em
território contracionista”.
Nessa altura, o Copom projetava inflação em
torno de 8,5% para 2021, 3,7% para 2022 e 3,2% para 2023. Os três números
estavam acima das metas e o primeiro já superava com folga o limite de
tolerância. Estava amplamente evidenciado o atraso do BC em admitir a
persistência e a gravidade das pressões inflacionárias. Mas esse detalhe ficou
quase oculto na carta de explicação, embora o texto mencione “surpresas
altistas nos dados de inflação” já nos meses finais de 2020.
Também nos Estados Unidos a política
monetária se manteve permissiva por muito tempo, abrindo espaço a uma inflação
de 7% em 2021. Foi a maior taxa em 12 meses desde junho de 1982, quando atingiu
7,6%. No mercado americano, no entanto, a política frouxa foi em parte
compensada por uma ampla criação de empregos, mesmo com a atividade fraquejando
no final de 2021. No Brasil, o surto inflacionário do ano passado resultou principalmente
em maiores dificuldades para famílias atormentadas por uma severa escassez de
oportunidades de trabalho, no quadro de uma economia muito debilitada. Pelas
últimas estimativas do mercado, o Produto Interno Bruto (PIB) deve ter crescido
cerca de 4,5% no ano passado, mal compensando a queda ocorrida em 2020.
A carta destaca os efeitos dos preços
internacionais, inflados pela maior demanda em 2021 e por desarranjos nas
cadeias de suprimentos. Parte importante da inflação brasileira veio do exterior
e foi amplificada pela desvalorização do real. O texto também realça as
consequências da seca e o encarecimento da eletricidade, citando os aumentos
associados a diferentes bandeiras tarifárias. Além disso, lembra como a redução
do distanciamento social afetou a demanda e os preços de serviços.
Menos comum que esses dados, em documentos
do BC, é a referência às oscilações cambiais ocasionadas por incertezas sobre
as contas públicas. O exame do assunto, na carta, é mais aberto que nos
comunicados do Copom, muito contidos em relação a esses problemas. Na carta, a
valorização do dólar é vinculada mais claramente às incertezas sobre o
arcabouço fiscal e o endividamento público. Não se associa o nome do presidente
Jair Bolsonaro a essa insegurança, mas o vínculo é evidente. Na questão
cambial, assinala o texto, há o rompimento de um padrão histórico: diante do
aumento de preço das commodities exportadas pelo Brasil, o real tenderia a
valorizarse, seguindo um curso oposto ao observado no último ano e meio. O rompimento
é explicável, como sabe qualquer cidadão passavelmente informado, pelos
desmandos cometidos a partir do gabinete principal do Palácio do Planalto.
Além da conta
Folha de S. Paulo
Fenômeno global, disparada da inflação no
Brasil foi agravada pela gestão de Bolsonaro na economia
A inflação ao consumidor terminou o ano
passado em 10,06%, a
maior variação desde 2015 e uma das mais altas da série histórica a
partir do advento do sistema de metas para a inflação, em 1999.
É fato que o problema da alta acelerada dos
preços se mostra global —nos Estados Unidos o
índice comparável subiu 7%, em face principalmente de choques setoriais
ocasionados pela pandemia.
Mas no Brasil a má gestão do Executivo, na
saúde e na economia, impôs desnecessário peso sobre a população mais
vulnerável. O perfil da alta dos preços foi especialmente cruel, com destaque
para o encarecimento de produtos de primeira necessidade, como alimentos,
energia e gasolina. Em 2021, esses três itens subiram 8,2%, 21,2% e 47,5%,
respectivamente.
De outro lado, a inflação de serviços,
notadamente os prestados pela mão de obra informal e menos especializada, foi
menor (4,75%). Na prática houve uma grande perda de renda disponível para os
mais pobres, agravada pelo desemprego.
As cenas de fome nas cidades e o
crescimento da miséria —em
julho de 2021 cerca de 13% da população vivia com renda domiciliar per
capita abaixo de R$ 261 mensais, o maior percentual em uma década— expõem o
drama social.
Embora, segundo estimativas do Banco
Central, quase 70% da inflação de 2021 possa ser atribuída a fatores externos
—alta das matérias-primas e variação do câmbio—, a desconfiança quanto à
política econômica amplificou a pressão.
Num ano em que os preços de itens
exportados pelo país, caso de minério de ferro e soja, dispararam no mercado
internacional, seria esperado que o dólar caísse. Não foi o que ocorreu,
sobretudo depois que o governo burlou os limites de gastos públicos para bancar
a agenda eleitoral do presidente Jair Bolsonaro (PL).
O resultado foi a disparada do câmbio e das
expectativas de inflação, o que obrigou o BC a ampliar o choque dos juros, que
já chegam a 9,25% e atingirão dois dígitos em janeiro. Não por acaso as
projeções de crescimento para 2022 caem continuamente.
O combate à inflação ocupa os principais
bancos centrais do mundo. No caso dos EUA, o
Federal Reserve já indicou que subirá a taxa básica com mais rapidez e
retirará liquidez dos mercados. Mesmo assim, a política monetária permanece
favorável ao crescimento e espera-se convergência às metas.
No Brasil, além das dificuldades de sempre,
como a indexação que alonga o impacto do choque de preços, é mais difícil obter
essa convergência quando há incerteza em relação à responsabilidade fiscal. O
custo social é bem maior que alhures. Essa parte da conta pode ser atribuída a
Bolsonaro.
República de bacharéis
Folha de S. Paulo
Maioria das faculdades de direito aprova
menos de um terço dos alunos em exame da OAB
De todos os descompassos da educação
superior brasileira, a oferta desenfreada de cursos de direito de má qualidade
pelo país talvez seja o mais preocupante.
A carreira de maior demanda nacional coloca
no mercado anualmente milhares de bacharéis que não conseguirão exercer
advocacia porque não passam pelo crivo do exame da OAB (Ordem dos Advogados do
Brasil).
Reportagem
desta Folha mostrou que a imensa
maioria das instituições que oferecem o curso de direito aprova menos de um
terço dos seus alunos no exame da ordem. Sem ele, forma-se uma massa de
bacharéis com atuação limitada.
Os dados consideram o total de aprovados em
relação ao número de presentes em exame da OAB por faculdade (em uma soma de
três provas por ano realizadas em 2017, 2018 e 2019).
Entraram na conta 790 instituições de
ensino superior que ofertam direito. Dessas, nove em cada dez escolas são
particulares.
Essas instituições observaram crescimento
importante em número de alunos com políticas de inclusão recentes focadas no
ensino superior privado para o aumento da oferta da educação terciária. Caso do
Prouni (Programa Universidade para Todos) e do Fies (Fundo de Financiamento
Estudantil).
Problema é que tais políticas se deram desacompanhadas de avaliações periódicas
de qualidade dos cursos contemplados.
Sabe-se que o exame da ordem —considerado
demasiado conteudista por especialistas da área— é passível de críticas. O
entendimento, no entanto, é que cursos bons têm boas aprovações na prova. Entre
os melhores cursos, há coincidências como a oferta da grade em período
integral.
Líderes no país, a FGV Direito Rio, com
79,33% de aprovados na OAB, e a USP (73,64%), oferecem formação com aulas
integrais. São, no entanto, exceções. Barato, o curso de direito costuma ser
oferecido com poucas aulas em lousa e giz.
É a segunda vez que a Folha faz análise desse
tipo. Em 2019, no âmbito do Ranking
Universitário Folha (RUF), os dados mostraram que 6% das escolas
avaliadas conseguiram aprovação na OAB acima de metade de seus alunos. Agora,
há piora no cenário, para 5%.
Se o MEC não atuar para descredenciar instituições incapazes de oferecer boa formação na área jurídica, há o risco de os números piorarem numa próxima avaliação.
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