Folha de S. Paulo
Licenciosidade antidemocrática faz do país
um grande fim de festa
O esquisito regime brasileiro, feijoada
institucional que leva pedaços de democracia e sobras variadas de ditadura, não
é o mesmo dos três anos anteriores. Sendo brasileiro, muda para pior. Piorado,
adquire desproporção crescente entre a vontade de democracia e o vício do
autoritarismo. É a assimilação, como práticas normais no exercício de funções
públicas, da licenciosidade de Bolsonaro ante os limites legais, morais e políticos.
Uma aberração assim veio em nome do
Supremo. O guarda-costas de Bolsonaro no tribunal, Kassio Nunes Marques,
cumpriu essa função como só na ditadura alguns ousaram. Sua pretensa
argumentação para invalidar
decisão do Tribunal Superior Eleitoral é muito mais do que anular
a cassação
de um deputado bolsonarista, por falsear notícias de fraude eleitoral.
Esse ocupante de uma cadeira no Supremo, por nomeação de Bolsonaro e aprovação do Senado, faz na decisão escancarada defesa de fake news como costume e como ativismo antidemocrático. Para isso, mente com a negação de efeitos maléficos das falsificações informativas, que não quer ver "demonizadas". Um juiz do tribunal constitucional contrário à Constituição e a eleições limpas.
A ideia de dar armas a 10 mil policiais
militares aposentados é um atentado antissocial. Trata-se, no entanto, de
medida adotada por um governo. O do Rio de Janeiro, claro.
Adepto da linha "tiro na
cabecinha", de cujo autor cassado era vice, o governador
Cláudio Castro é um ocupado candidato bolsonarista à reeleição. Tal
como na ditadura bastou um secretário de Segurança do estado, general França,
para criar um esquadrão da morte, bastou agora um secretário estadual de
Polícia Militar, coronel, para levar às ruas mais 10 mil armados. Por simples
portaria do coronel, como foi a do general que tinha "dez homens de
ouro".
A criminalidade infiltrada na PM é um dos
maiores problemas, se não o maior, do Rio. É extensivo ao restante do país, mas
no caso fluminense concentra-se no Rio-cidade. Os fatos escandalosos com PMs e
ex-PMs aí se sucedem apressados, de mortes e de corrupção. São sinais de muito
ainda não descoberto, com PMs e ex-PMs.
É legítima, portanto, a constatação de
ameaça dos rearmados 10 mil a cada pessoa da cidade, na roleta russa das
"balas perdidas" e das outras. Para reforço da ameaça, cada pistola
.40, um canhão manual, será acompanhada de três carregadores e ao menos 50
balas. Muito uso pela frente.
Como na ditadura havia os crimes a serem
investigados e os crimes protegidos, a depender de sua natureza ou dos autores,
é vergonhosa a fuga do Judiciário, do Ministério Público e das polícias nos casos
de Flávio Bolsonaro. E do fuzilamento
do ex-PM Adriano da Nóbrega na Bahia. E do assassinato
de Marielle Franco.
As idas e voltas para chegar a lugar
nenhum, nesses casos, têm o mesmo motivo: os incumbidos de resolvê-los sabem
onde vão dar. De responsáveis pela aplicação da lei, passam a confundir-se com
os fugitivos da lei.
É o que faz, tal como os
procuradores-gerais da República ao tempo da ditadura, Augusto Aras.
Não levar às devidas consequências o concluído pela CPI da Covid é,
diante de quase 700 mil mortos, atitude pelo menos equivalente à dos crimes
comprovados pela investigação do Senado. Aras também foge do final previsível.
A corrupção acelera-se neste ano. São
bilhões em computadores, mesas escolares, tratores, cartões da Presidência e de
ministérios, orçamento secreto, negócios pessoais fraudulentos, falsos
servidores do Congresso e do Executivo, compras superfaturadas para as casernas,
e por aí até ao desconhecido.
Mas não se sabe de consequências penais em
nem um só desses e dos demais assaltos aos recursos públicos e aos códigos
legais.
A licenciosidade antidemocrática, modelada
pela ditadura e amparada pelos mesmos de então, faz do país um grande fim de
festa. Com feijoada.
Um comentário:
Tudo acaba em pizza,ou feijoada.
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