Revista Será?
Penso, logo duvido (PE)
Primeiro foi março desse ano que anunciou a
vitória de Gabriel Boric nas eleições presidenciais do Chile. Em maio, com
Gustavo Petro a esquerda conquista um posto no segundo turno nas eleições
presidenciais colombianas. Petro recebeu 40% dos sufrágios, dobrando a votação
de 2018, quando foi derrotado. Mais à frente, em outubro, todos os olhos
estarão voltados para o Brasil, com Luiz Inácio Lula da Silva voltando a
concorrer à presidência nas eleições de outubro.
O subcontinente latino-americano está em ebulição, mas certamente não em chamas. Há muito a esquerda abandonou as armas, “desceu a serra” ou deixou para trás a selva e optou pela democracia. Mas, como se sabe, a democracia é mais ampla e mais complexa do que apenas eleições. E, na sua complexidade, é preciso reconhecer que há entre nós diversas esquerdas. Boric, Petro e Lula são tão semelhantes quanto diferentes entre si, da mesma maneira que são as forças políticas que os apoiam, no governo ou fora dele, e a situação específica de cada um dos países em questão.
Gustavo Petro, 62 anos, ex-guerrilheiro do
M19, ex-senador e ex-prefeito de Bogotá, é candidato a presidente pelo Pacto
Histórico, uma coalizão de forças e movimentos de esquerda, e tem como
companheira de chapa Francia Marques, uma importante referência
afro-colombiana. É uma candidatura de oposição ao establishment político,
propondo um novo modelo econômico mais social e ecológico. Desde 2018, quando
foi derrotado no segundo turno, Petro vem assumindo uma postura mais moderada e
aberta ao diálogo tanto com outras forças políticas mais ao centro quanto com o
mundo empresarial, tentando superar o clima de desconfiança a respeito de suas
propostas econômicas. A esquerda colombiana nunca governou o país e ainda
guarda uma imagem vinculada à guerrilha e à violência. Em termos
político-eleitorais, o Pacto Histórico é um partido arquitetado e
construído para Petro ser seu líder máximo. É um partido personalista, voltado
para alcançar o poder e já possui uma base parlamentar significativa
conquistada nas eleições parlamentares de março.
Seu contendor é Rodolfo Hernández, 77 anos,
empresário da construção, um outsider que em 2015 se tornou prefeito
de Bucaramanga, capital de Santander, no noroeste da Colômbia. Candidatou-se a
presidente como independente pela Liga de Gobernantes Anticorrupción.
Hernández chegou ao segundo turno de maneira surpreendente: saiu de 7% e
alcançou 28% em poucos dias, ultrapassando Frederico ‘Fico’ Gutiérrez,
ex-prefeito de Medellín, e candidato da situação, que estacionou em 24%.
Como mais um exemplar da “antipolítica” que
assola nossos dias em quase todos os países, Hernández conseguiu construir a
imagem de candidato da mudança, da indignação com a política, atraindo setores
que desaprovam o governo de Iván Duque (Centro Democrático, que demonstram
imenso cansaço com a corrupção, mas que também temem uma vitória da esquerda.
Nesses setores, nos quais o tema da corrupção é preponderante, conforme as
pesquisas, há muitas pessoas politicamente de centro e ideologicamente
liberais. O que não faz sentido, contudo, é tentar encontrar alguma inclinação
liberal no discurso de Hernández. Ele não é uma cópia fiel do Jair Bolsonaro de
2018, mas opera no mesmo circuito de ideias e de práticas: centra seu discurso
contra a “roubalheira” dos políticos, cultiva mais as redes sociais como espaço
de comunicação do que os veículos tradicionais da mídia, despreza a organização
partidária como locus da organização política e até mesmo eleitoral
(e se orgulha disso), é avesso a qualquer tipo de debate público, etc.. Não se
sabe, contudo, o que pensa ou o que irá fazer, caso eleito, a respeito do
retorno da violência e da aceleração da inflação, dois problemas gravíssimos
que afetam o conjunto da sociedade.
Tomando como referência os percentuais dos
diversos candidatos que disputaram o primeiro turno, a situação de Gustavo
Petro não é nada confortável, embora não se possa descartar a possibilidade de
vitória. Imediatamente após os resultados, as principais lideranças políticas
da direita e da centro-direita declararam apoio ao candidato da Liga. Se
essa tomada de posição arrastar os eleitores, Hernández alcançaria mais de 50%.
O espaço para o candidato da esquerda crescer é, assim, menos elástico. Para
vencer, Petro está condenado a atrair os setores descontentes dessas mesmas
forças, acalentando também a expectativa de que eleitores que lhe são
favoráveis, e que não foram votar, compareçam na ballotage do dia 19
de junho.
A Colômbia vive politicamente uma espécie de sobreposição de tempos. Gustavo Petro parece estar na mesma situação de Lula, em 1989, por ser o primeiro candidato da esquerda a ter uma chance real de vitória. Apresenta-se como representante de uma esquerda renovada que superou a opção guerrilheira, mas seu distanciamento de uma esquerda alinhada com o chavismo foi lento e paulatino. Sua liderança personalista o aproxima efetivamente de Lula, mas sua postura mais moderada indica que está mais próximo do Lula dos dias que correm e não daquele de 1989. O tom mais moderado e um certo horizonte mais democrático, pluralista e republicano, de fato, também o aproxima daquele Boric que disputou o segundo turno das eleições chilenas. Se isso for realmente verdadeiro – e se vencer –, sem dúvida, poderá abrir um novo ciclo para as esquerdas do subcontinente, resguardando sempre suas diferenças, além das vicissitudes políticas de cada país.
*Alberto Aggio é Professor Titular de
História da América Latina contemporânea na UNESP
Um comentário:
A direita sempre parte para o extremismo,coisa que a esquerda abandonou faz tempo,graças a Deus.
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