O Estado de S. Paulo
Iniciativas como o PLP n.º 18/2022
evidenciam os riscos e instabilidades inerentes ao atual arranjo federativo
brasileiro.
A alta vertiginosa dos preços dos
combustíveis e as respostas do governo federal ao problema, que de fato
repercute de muitas maneiras sobre a população, trazem à tona, mais uma vez, os
conflitos e as contradições que permeiam o atual arranjo federativo brasileiro.
É sintomático que um problema conjuntural tenha desencadeado uma disputa
interminável opondo Estados e União. Seu último capítulo tem por roteiro o
Projeto de Lei Complementar (PLP) n.º 18/2022, discutido no Congresso Nacional
com o objetivo de reduzir o ICMS incidente sobre combustíveis: uma nova versão
do mais Brasília, menos Brasil.
O mundo vem lidando com um forte aumento do preço dos combustíveis depois que o petróleo atingiu cotações vistas pela última vez em 2008. Naquele ano, os contratos futuros do barril do Brent – o petróleo extraído do Mar do Norte e comercializado na Bolsa de Londres – chegaram a custar US$ 139. Hoje, estão valendo US$ 119, só que agora num mundo pós-pandemia e em guerra. Neste contexto inflacionário, o Brasil e diversos países discutem medidas para evitar que essa alta nos preços do petróleo chegue da mesma forma aos combustíveis.
Na Europa, há países criando impostos sobre
ganhos de empresas para financiar subsídios à energia, como a Finlândia. Outras
nações congelam temporariamente os preços, como a França, enquanto outras
promovem subsídios para famílias de baixa renda, caso do Reino Unido. Portugal
chegou a criar uma espécie de voucher para compra de combustível com recursos
do orçamento provenientes do aumento da arrecadação de impostos sobre
combustíveis.
Nos Estados Unidos, os governos estaduais
anunciam a suspensão temporária de impostos. A medida vem sendo chamada
de Tax Holiday –
feriado sem impostos. Ao menos cinco Estados – Nova York, Connecticut, Flórida,
Geórgia e Maryland – anunciaram suspensão temporária dos impostos estaduais
sobre combustíveis.
No Brasil, estamos assistindo a um conflito
federativo entre a União e as demais unidades federativas. De um lado, temos
parte do Congresso Nacional e o Poder Executivo federal unidos na missão de
invadir a autonomia fiscal dos Estados com o objetivo de reduzir, na marra, o
ICMS sobre combustíveis. Do outro lado, os governos estaduais se opõem à medida
tendo em vista os impactos fiscais e os riscos de subfinanciamento dos serviços
públicos nas áreas da saúde, da educação e da segurança.
Para entender o problema, é importante ter
claro quem faz o que no federalismo fiscal brasileiro. Os dados mostram, por um
lado, que 100% do regime geral da previdência social, 95% da assistência social
e 94% dos subsídios são bancados pelo orçamento federal. Por outro lado, os
Estados e os municípios são responsáveis pela execução orçamentária de 67,8% da
saúde, de 72% da educação e de 88,7% da segurança pública. Vale, também, dizer que
83,6% das compras governamentais são realizadas pelos governos subnacionais,
gerando empregos e renda no País.
Também é preciso ter clareza da importância
do ICMS na arrecadação tributária dos Estados e dos municípios. Trata-se do
principal imposto do País, representando 21% da carga tributária total.
Representa 80% da arrecadação tributária dos Estados, que repartem 25% da
arrecadação com os municípios. Estimativas que circulam pelos corredores do
Congresso mostram que o PLP 18 pode provocar perdas fiscais anuais para os
Estados em torno de R$ 100 bilhões. Somente São Paulo perderia cerca de R$ 15
bilhões por ano.
O conflito federativo decorrente da crise
dos combustíveis deve ser entendido nesse contexto. De um lado, a União tenta
reduzir o ICMS sobre combustíveis mediante alteração de leis federais,
valendo-se de jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF). O propósito é
conter a alta de preços que alimenta a inflação, objeto de atuação do Banco
Central, e afeta todos os segmentos populacionais. De outro, Estados e
municípios veem sua arrecadação subitamente erodida por decisões do governo
federal, com impacto direto nos setores de saúde e educação, cujo custeio é
condicionado pelas receitas de ICMS.
Iniciativas como o PLP n.º 18/2022
evidenciam os riscos e instabilidades inerentes ao atual arranjo federativo
brasileiro, em que questões conjunturais põem os entes em rota de colisão.
Comparar, sem qualificar, o comportamento dos Estados brasileiros ao de seus
congêneres americanos, que vêm reduzindo a tributação de combustíveis na crise,
só confunde o debate e agrava o problema. É que, no federalismo americano, o
governo federal e o Congresso Nacional não podem invadir a autonomia fiscal dos
governos estaduais. Lá funciona para valer o mais América, menos Washington.
Ironicamente, vemos o Ministério da
Economia abraçar a tese do “mais Brasília, menos Brasil” às vésperas das
eleições deste ano, apesar de a experiência internacional mostrar que existem
outros caminhos. Abandonaram a ladainha do “mais Brasil, menos Brasília” usada
como mantra nas eleições de 2018, quando lá defenderam a tese da maior
autonomia para Estados e municípios.
*Senador (PSDB-SP)
Um comentário:
Mais Brasil,menos Brasília.
Tá.
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