Folha de S. Paulo
Nosso sistema eleitoral não é
descentralizado, hiperpolitizado, nem visto como vulnerável pela opinião
pública
O debate sobre as eleições presidenciais
tem girado em torno da tentativa de um "golpe" (com hora marcada!) e
a referência ubíqua é a invasão do Capitólio americano. O paralelo tem alguma
plausibilidade; são dois líderes populistas que compartilham
similaridades. Mas há pelo menos três importantes diferenças institucionais
que explicam por que a dinâmica de um eventual tumulto seria radicalmente
distinta.
A primeira é que inexiste uma autoridade federal de facto encarregada de eleições nos EUA. A ratificação dos resultados eleitorais é descentralizada a nível estadual e mesmo local; o que é consistente com a existência de diferentes regras eleitorais nos estados (o que não é excepcionalidade americana, é assim também na Argentina, Alemanha etc.). No Brasil, o sistema é centralizado no TSE.
A segunda diferença é que as eleições
presidenciais em nosso país são diretas. Nos EUA ocorrem em um colégio
eleitoral no qual o número de delegados é igual à soma do número de deputados e
senadores de cada estado. E, pela regra adotada, o partido vencedor no estado
escolhe todos os delegados (há exceções).
A regra magnifica a importância de eleições
locais para o resultado final: a eleição passa a ser decidida em pouquíssimos
estados. A perda da eleição por um voto em um estado pode significar a perda de
todos os delegados desse estado e garantir a vitória ao adversário (na Flórida,
por exemplo, a perda por 1 voto—igual a 7.1 milionésimo do total de eleitores—
implicaria a perda de 30 —5,5%— dos votos no colégio). Este hiperlocalismo
politiza o processo de ratificação local, individualizando os conflitos na
figura dos tomadores de decisão (o secretário de Justiça estadual, ou outros
agentes que em
alguns estados são eleitos.
Terceiro, nos EUA o processo eleitoral tem
sido historicamente hiperpolitizado. Os obstáculos ao voto da população negra
têm sido problema perene mesmo após o Voting Rights Act (1965). Muitos foram
instituídos recentemente. Ademais, problemas de contagem expuseram
eloquentemente a fragilidade do sistema. Na eleição Bush versus Gore (2000) os
problemas de contagem na Flórida chegaram à Suprema Corte e
ocorreram enorme mobilização
e protestos de rua pelos democratas.
O episódio adquiriu visibilidade tendo sido
tema de um filme popular, "Recontagem" (2008), com Kevin Spacey.
Nada disso ocorreu no Brasil. O último
episódio de contestação (Proconsult) foi uma eleição para governador durante o
regime militar. A auditoria solicitada pelo PSDB das eleições de 2014
permaneceu desconhecida do grande público.
O sistema brasileiro não é frágil, nem
hiperlocalista, tampouco hiperpolitizado.
*Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
3 comentários:
Boa aula do Marcus. Resta ao boçal apelar por uma PEC do Centrão prorrogando o mandato de todos os canalhas.
As diferenças foram bem apontadas pelo colunista, mas elas não impedem que Bolsonaro e seus milicianos tentem criar um clima semelhante ao que Trump arquitetou nos EUA. É a única esperança do genocida se reeleger e simultaneamente escapar da Justiça e da cadeia!
Bolsonaro fará o que pode para permanecer no poder,vergonha de ser derrotado,passar a faixa,justo,ao Lula,e medo de ser preso no ano seguinte.
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