Folha de S. Paulo
Entre o fake das redes e os grotões da
ignorância, ergue-se, bem financiada, uma escola de terrorismo fascista
Alarmado com o vandalismo inqualificável em
Brasília, um colega francês pergunta ao telefone se era golpe de Estado ou um
"jusqauboutisme". Em francês, "jusqu’au bout" significa
"até o fim". A expressão daí derivada é coloquialismo para designar
comportamento que conduz a um fim com finalidade insana. Vale para o fanático
com uma bomba amarrada ao corpo, assim como para o badernaço sem limites, em
que se desrespeita e se arrebenta.
A imprensa respondeu diversamente à questão, classificando os agentes da anarquia como terroristas, golpistas, invasores. Nomear não é jamais um ato trivial, porque o nominado é simbolicamente capturado pela linguagem: fale-se do diabo, e ele aparece, diz o povo. Por isso se exnomina, ou seja, dá-se outro nome, por medo ou por hipocrisia. A ditadura civil-militar brasileira costumava ser exnominada como "revolução". Agora, por aversão, vinha-se chamando o tosco Mór de "inominável". Exnomina-se quando se diz que aplicação da lei é revanchismo.
Esse temor do nome próprio equivale à falta
de reflexão sobre as cicatrizes nacionais, mas também à presença de um culto
subterrâneo à ditadura, que aflorou no bolsonarismo com louvação de violência e
religiosidade regressiva. O nome de Deus tornou-se álibi para o terror num
padrão mental alucinatório, viralizado pela droga-rede eletrônica. A princípio
caricaturais, os fanáticos passaram do êxtase ao ato extremista. Vazios por
dentro, absorvem uma miragem "democrática": jovens e idosos parecem
iguais ("cidadãos de bens", autodefiniram-se) na comunidade do caos
criminoso. São de fato almas mortas, que tentam devorar, como zumbis, a alma da
nação.
Entre o fake das redes e os grotões da
ignorância, ergue-se, bem financiada, uma escola sem muros de terrorismo
fascista. Eis o nome da pedagogia embrutecida da aversão à ciência e à cultura,
sistematizada em quatro anos nefastos e sintomatizada, no golpe falho, nos atos
de depredação de obras de arte e de arquitetura. A defecação sobre uma mesa do
Supremo materializou a obsessão anal do Inominável.
A prévia leniência do governo com as
aglomerações, aquarteladas à imagem de rêmoras parasitando tubarões, deve muito
à hesitação em nomeá-las: "manifestações democráticas", clara
exnominação. Há déficit jurídico-político de nome certo. Igualmente,
"inteligência" desafina com informação de Estado: não carecia de
gênio criptográfico para inferir que a anunciada "Festa da Selma"
seria código terrorista para "Selva", conhecida incitação à força.
Basta trocar o "m" de mané pelo "v" de violência. Nome é
destino. "Dar um nome ao que nos destrói ajuda a nos defendermos"
(Manoel Vásquez Montalban, novelista espanhol).
*Sociólogo, professor emérito da UFRJ,
autor, entre outras obras, de "A Sociedade Incivil" e "Pensar
Nagô".
3 comentários:
Excelente artigo, que nos faz pensar! Na ausência de nome melhor, podemos chamar a manada de... MANADA! Com vândalos, ingênuos ou violentos, vários terroristas, todos golpistas!
Pra fora e acima da manada...
Mas sempre tomando cuidado com os CHIFRES destes animais...
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