domingo, 15 de janeiro de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

A democracia sobreviveu, mas riscos persistem

O Globo

Sem revanchismo, omissões e conivência diante de ataques golpistas precisam ser investigadas

Passada uma semana do mais violento ataque à democracia e às instituições brasileiras desde a redemocratização nos anos 1980, o país pode tirar algumas conclusões, mesmo que polícias e órgãos de controle ainda se dediquem à tarefa óbvia de apurar responsabilidades. A primeira delas é que, a despeito dos danos, a democracia resistiu bravamente.

Foi simbólica a cena dos chefes dos três Poderes descendo a rampa do Palácio do Planalto juntos, em meio aos escombros deixados pelos vândalos bolsonaristas. Desde o início, Executivo, Legislativo e Judiciário reagiram de forma uníssona para condenar os “atos terroristas”. Ganhou peso a resposta firme de governadores dos 26 estados e do Distrito Federal (DF), independentemente de colorações partidárias.

O repúdio às ações criminosas em Brasília veio de toda parte, de dentro e de fora do país. Empresários, políticos, chefes de Estado e de governo, entidades multilaterais como ONU e OEA e até o Papa Francisco se solidarizaram com o Estado brasileiro, isolando a minoria golpista. Mesmo rachada, a população brasileira se mostra unida contra a barbárie. Pesquisa de opinião revelou que a imensa maioria repudia os atos insanos de 8 de janeiro.

Para que o golpe fracassasse foi fundamental a resposta rápida e firme do Judiciário. Decisões monocráticas do ministro Alexandre de Moraes, do STF, como o afastamento do governador do DF, Ibaneis Rocha (MDB), e os pedidos de prisão do ex-ministro e ex-secretário de Segurança do DF Anderson Torres e do ex-comandante da PM do DF Fábio Augusto, foram avaliadas e referendadas pelo plenário da Corte, como deve ser. A tolerância zero com atos antidemocráticos que bloqueiam estradas ou depredam patrimônio público também se mostrou eficaz para impor limites aos baderneiros.

Significa que está tudo bem? Não. A situação ainda exige cautela, pois as ameaças persistem. Está claro que não foram apenas inépcia e omissão das autoridades que empurraram as hordas golpistas para a Praça dos Três Poderes. Foi também conivência de quem deveria zelar pelo patrimônio público. São inaceitáveis as imagens de PMs tirando selfies com manifestantes enquanto Brasília era saqueada. Ou de militares agindo como meros espectadores.

“Nosso sistema de freios e contrapesos foi absolutamente atropelado”, diz o cientista político Carlos Melo. “Instituições importantes, como as Forças Armadas e a Polícia Federal, foram aparelhadas. A sociedade não pode permitir que instituições impessoais sejam sequestradas por quem está no poder. É preciso mais cobrança e mais vigilância”, diz Melo. Causam perplexidade também as falhas gritantes dos sistemas de inteligência e segurança. É inacreditável que seja tão fácil invadir, depredar e profanar. É urgente que se reforce a segurança, e não só das instituições. A derrubada de torres de transmissão mostrou que o estoque de atos terroristas não se esgotou.

As polícias já prenderam mais de mil golpistas, e estão em curso investigações para descobrir quem organizou, financiou ou incentivou os ataques. É fundamental que as apurações sejam transparentes e que se dê amplo direito de defesa aos acusados, sem qualquer espaço para revanchismo. No afã de proteger a democracia, não se pode atropelar a lei. Quanto mais provas consistentes forem colhidas, maior a certeza de que os responsáveis serão punidos com o rigor necessário.

Ao assumir a Petrobras, Jean Paul Prates deve evitar os erros do passado

O Globo

Planos de fundo de equalização e refinarias são criticados. Já ênfase em renováveis é destaque positivo

Se tudo ocorrer dentro do previsto pelo governo federal, o senador Jean Paul Prates (PT-RN) assumirá nos próximos dias a presidência da Petrobras, a maior empresa do país, estatal controlada pela União, mas com quase metade das ações em mãos privadas, dentro e fora do país. É uma empresa pública, no sentido mais amplo do termo, e por isso o governo de turno não deve tratá-la como se fosse de sua exclusiva propriedade.

Qualquer prejuízo da empresa é coberto pelo Tesouro, ou seja, pelos contribuintes. Nas gestões passadas do PT, a Petrobras foi aparelhada e administrada como um departamento do gabinete presidencial. O resultado foi financeiramente desastroso para a sociedade e politicamente nocivo para o PT.

Economista e ex-secretário de Energia do Rio Grande do Norte, Prates pretende criar um fundo de equalização de preços dos combustíveis para atenuar o impacto interno de picos externos nas cotações do petróleo. Há muitas discordâncias sobre a conveniência de tal medida. David Zylbersztajn, ex-diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP), considera que esses fundos apenas mascaram subsídios pagos por toda a população. “Por que não fazer fundos compensatórios para os aluguéis ou a carne?”, pergunta ele.

Até agora, não são animadoras as intenções e ideias que saem do núcleo petista. A primeira iniciativa de Luiz Inácio Lula da Silva foi pedir à Petrobras para suspender o programa de venda de ativos iniciada em 2015, com Dilma Rousseff ainda no Planalto, que conseguiu reduzir pela metade a dívida de US$ 100 bilhões. Outro exemplo é o projeto do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), em Itaguaí, hoje uma fábrica de lubrificantes perdida em um terreno que bateu o recorde de terraplenagem no Brasil.

O governo diz querer investir em novas refinarias. O histórico não é bom. A Abreu e Lima, em Pernambuco, surgiu de uma conversa entre Lula e o caudilho venezuelano Hugo Chávez, que se comprometeu a colocar a PDVSA, petrolífera de Caracas, como sócia. Não cumpriu a promessa, e a Petrobras teve de executar sozinha o projeto. Em 2016, o Tribunal de Contas da União (TCU) calculou que, do investimento de US$ 26,2 bilhões feito pela estatal, aproximadamente US$ 19 bilhões não retornarão aos cofres da Petrobras durante a vida útil da refinaria.

A grande ameaça à Petrobras e aos seus acionistas é a aplicação da velha fórmula do Estado indutor. Um dos erros que podem ser cometidos é a estatal voltar a investir em fertilizantes. A melhor alternativa seria o governo atrair grupos privados.

Correta é a intenção de fazer a Petrobras dar prioridade à geração de energias limpas (eólica e solar), no que ela já está atrasada. Entre as grandes empresas de petróleo, é uma das que menos progrediram na área da transição energética.

Processar e punir

Folha de S. Paulo

Procuradoria, que pediu investigação de Bolsonaro, é fundamental contra golpismo

A conversão do bolsonarismo num movimento subversivo violento, culminada há uma semana com a depredação das sedes dos três Poderes, esgota qualquer margem de dúvida que ainda poderia haver sobre a necessidade de reprimir os extremistas que, em funções públicas e representativas, agridem o Estado democrático de Direito.

A triagem deveria começar nos próprios partidos políticos, até porque no Brasil eles se sustentam com bilionárias transferências dos pagadores de impostos, que exigem representação democrática.

A acomodação corporativista que nas casas legislativas bloqueia punições e cassações precisa ser desfeita em nome da intransigência com a promoção do autoritarismo. O ódio e o nojo à ditadura, na fala memorável de Ulysses Guimarães (1916-1992), também deveriam nortear os juízos políticos sobre quebra do decoro parlamentar.

Mas é na operação do direito, sobretudo na Procuradoria-Geral da República, que uma mudança de conduta poderá render os mais duradouros frutos contra os líderes da barbárie encastelados em posições privilegiadas de Estado. Augusto Aras, por muito tempo complacente com tudo o que concerne a Jair Bolsonaro (PL), dá indicações no sentido correto.

O procurador solicitou ao Supremo Tribunal Federal abertura de inquérito contra três deputados bolsonaristas eleitos em outubro, suspeitos de incitarem a baderna golpista de 8 de janeiro. Na sexta (13), foi a vez do próprio Bolsonaro, com pronta concordância do STF.

A Procuradoria também iniciou procedimento para identificar e responsabilizar a elite do movimento subversivo, em especial entre os que detêm prerrogativa de foro, caso de deputados e senadores.

A atuação do governador afastado do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), e do ex-secretário da Segurança Pública Anderson Torres é objeto de apuração formal, por parte da PGR, no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo.

Se desta vez for mesmo para valer o conjunto de iniciativas do órgão máximo da acusação penal no Brasil, uma série de denúncias se sucederá contra os líderes da suposta organização que tentou sabotar a democracia brasileira.

Se assim for, os processos subsequentes, no plenário da corte constitucional, prometem ser a resposta firme do regime que os incautos ousaram tentar derrubar. Aos acusados será garantido o que nenhuma ditadura oferece —o contraditório e o devido processo legal—, mas não a proteção que tiranos franqueiam a seus serviçais.

Processar, julgar e punir os que encabeçaram a aventura golpista vai afastá-los da vida pública e interromper a alimentação do monstro autoritário no Brasil.

Código Civil 2.0

Folha de S. Paulo

Lei que rege relações privadas foi, em 2003, inovação tardia, a ser atualizada

O Código Civil regula, literalmente, a vida e a morte dos brasileiros, além de todos os assuntos privados que ocorrem entre estes dois eventos, como casamento, contratos e herança. A lei, que neste ano completa duas décadas em vigor, já nasceu ultrapassada, apesar de conter aspectos inovadores à época.

Por sua abrangência temática, era de esperar que qualquer revisão completa demoraria anos —o que de fato ocorreu. A lei formulada em 2002 e implementada em 2003 substituiu a anterior, de 1916, após anos de debate no Congresso.

O anacronismo do diploma do século passado era patente, sobretudo em questões de igualdade de gênero, ao privilegiar os direitos dos homens nas relações familiares.

Parte do aspecto obsoleto foi resolvido pelo tempo, com regras caindo em desuso na prática. Anulação do casamento porque a mulher não é virgem, expressão crassa de machismo, já estava abandonada antes da revisão de 2003.

Se houve avanços na equidade de gênero, o diploma peca até hoje por não reconhecer expressamente outros modelos familiares.

O descompasso entre a letra da lei e a sociedade em constante mutação fica explícito nos pontos em que o Código Civil é silente. Faltam regras sobre famílias homoafetivas, reconhecidas pelo Supremo Tribunal Federal em 2011, e sobre famílias monoparentais (de filhos criados por apenas um genitor).

Temas como multiparentalidade, requisito de manutenção da fidelidade, adoção por casais homoafetivos, entre outros, são objetos de debate hoje no Judiciário diante da inação do Congresso —a quem, de fato, compete formular e alterar as leis do país.

Não é apenas a seara familiar que carece de renovação. Normas como o Estatuto da Pessoa com Deficiência, de 2015, precisam ser integradas ao código. Desafios atuais como a revisão de contratos quando há alteração radical de circunstâncias requerem mais dinamismo —assim mostraram os desafios enfrentados durante a pandemia e seu impacto econômico.

Após 20 anos, o Código Civil mostra rugas do tempo, algumas delas presentes desde o seu início, outras adquiridas com o passar dos anos diante de mudanças socioculturais.

Cabe ao Legislativo, por um lado, rever e simplificar regras, privilegiando a liberdade de escolha dos cidadãos no que diz respeito à vida privada —sem causar danos a terceiros— e, por outro, combater desigualdades que persistem na lei.

 É preciso investigar Bolsonaro

O Estado de S. Paulo.

Minuta de decreto é mais um elemento a indicar envolvimento do governo Bolsonaro em atos antidemocráticos. Não cabe impunidade a quem viola acintosamente as leis e a Constituição

Não cabe impunidade a quem viola acintosamente as leis e a Constituição.

Jair Bolsonaro deixou o País no dia 30 de dezembro. Mas nem por isso está imune às leis brasileiras. Suas ações e omissões continuam passíveis de ser responsabilizadas juridicamente. No domingo passado, hordas de bolsonaristas – acampados desde o resultado do segundo turno das eleições – invadiram as sedes dos Três Poderes, destruindo e vandalizando o patrimônio público. Ainda que o ex-presidente tenha tentado se distanciar do caráter violento dos atos de 8 de janeiro, é evidente a conexão entre a ação dos vândalos no domingo passado e a reiterada campanha de Bolsonaro contra as instituições republicanas, em concreto contra o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Uma das autoridades cuja omissão se mostrou mais decisiva nos acontecimentos de domingo passado em Brasília foi o ministro da Justiça do governo Bolsonaro, Anderson Torres, que havia sido nomeado neste ano Secretário de Segurança Pública do Distrito Federal. Na segunda-feira, Anderson Torres, que estava nos Estados Unidos, foi exonerado do cargo. No dia seguinte, a pedido da Polícia Federal, o ministro Alexandre de Moraes decretou sua prisão preventiva.

A reiterar o vínculo entre os atos antidemocráticos de 8 de janeiro e o governo Bolsonaro, nas diligências de busca e apreensão na casa de Anderson Torres, agentes da Polícia Federal encontraram uma minuta de decreto presidencial a respeito de um estapafúrdio estado de defesa no TSE, com o objetivo de “garantir a preservação ou o pronto restabelecimento da lisura e correção do processo eleitoral presidencial do ano de 2022”. Segundo o texto, seria constituída uma “Comissão de Regularidade Eleitoral” composta por 17 membros, dos quais 8 seriam militares oriundos do Ministério da Defesa.

Uma rigorosa investigação se impõe. Se for confirmada, a tentativa de atropelar o processo eleitoral, usando as atribuições da Presidência da República, é algo muito grave, que viola os fundamentos da República. Não cabe impunidade a quem desrespeita tão acintosamente a Constituição e as leis do País.

Em novembro do ano passado, dissemos neste espaço e agora, diante de novos e mais graves indícios, reiteramos: “É preciso apurar a responsabilidade jurídica de Jair Bolsonaro e, nos casos cabíveis, aplicar as penas correspondentes. Toda impunidade é prejudicial ao País, mas ainda mais grave seria a eventual impunidade de quem ocupou o mais alto posto da República. Representaria um tremendo mau exemplo para toda a sociedade” (A responsabilidade jurídica de Bolsonaro, 14/11/2022).

A apreensão da minuta de um decreto de estado de defesa com o exclusivo propósito de alterar o resultado das eleições presidenciais é gravíssima. Expõe a audácia e prepotência da cúpula do governo Bolsonaro, que, pelo visto, não queria ser apeada do poder pelo voto popular. Mas é preciso reconhecer: o texto é absolutamente coerente com o espírito antidemocrático e antirrepublicano que Jair Bolsonaro vem demonstrando ao longo de toda sua vida pública.

Não se pode tapar o sol com peneira. A cada dia que passa, surgem mais elementos a indicar o envolvimento de Jair Bolsonaro e membros do primeiro escalão do seu governo no desenho e realização de atos que atentam contra o regime democrático. É preciso investigar, indo até o fim na apuração de tais condutas. O Estado Democrático de Direito – em concreto, o respeito aos direitos e liberdades de cada cidadão – merece esse cuidado.

Na trajetória de responsabilizar os agressores do regime democrático, há um aspecto especialmente importante. Seguindo o devido processo legal, todos aqueles que tiverem comprovada sua participação em atos criminosos e antidemocráticos devem ser alijados do processo eleitoral. Merecem tornar-se inelegíveis. A Constituição prevê essa possibilidade precisamente para que a defesa da democracia seja efetiva.

A barbárie de 8 de janeiro não foi fruto de geração espontânea. É preciso investigar não apenas os loucos acampados, mas também os graúdos – estejam onde estiverem.

Saneamento no caminho certo

O Estado de S. Paulo.

Questionado pelo novo governo, o marco do saneamento sintonizou o Brasil às melhores práticas internacionais. Resultados dos últimos dois anos mostram que ele funciona

A comparação internacional revela a dimensão do problema do saneamento no Brasil e a complexidade dos desafios que o País precisa enfrentar para atingir a meta da universalização.

Segundo o ranking da JMP global database, uma parceria da Organização Mundial da Saúde e do Unicef, entre cerca de 130 países, o Brasil está na 85.ª posição na oferta de água potável, com 86% da população atingida, e na 76.ª posição em esgoto tratado, com 49% da população. Por trás das cifras há uma catástrofe humanitária. Em termos absolutos, são cerca de 35 milhões de brasileiros sem água e 100 milhões sem esgoto. Em relação a este último quesito, por exemplo, o Brasil não está atrás apenas dos países desenvolvidos, mas de países em desenvolvimento como Jordânia, Turquia, Butão ou Senegal, incluindo vizinhos como Chile, Peru, Paraguai, México e Bolívia.

“A experiência internacional reforça a noção de que não há um modelo único para o sucesso”, aponta o estudo da Confederação Nacional da Indústria Comparações Internacionais: Uma agenda de soluções para os desafios do saneamento. “É possível, contudo, identificar três ingredientes fundamentais para o desenvolvimento do setor: planejamento, regulação e gestão. Para desenvolvê-los no contexto brasileiro, a maior participação do setor privado se reveste de grande importância.”

Foram precisamente essas soluções que o marco do saneamento, aprovado em 2020, buscou aportar, em pelo menos cinco pontos principais: a definição de metas para a universalização até 2033; a obrigatoriedade de licitação para todas as empresas; maior segurança jurídica para a privatização de companhias estaduais; estímulo à prestação regionalizada dos serviços; e um papel de destaque para a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) na regulação dos serviços.

Num momento em que o novo governo assinala a intenção de reverter algumas dessas disposições, convém apontar os resultados obtidos desde a aprovação do marco.

Uma das medidas saneadoras foi obrigar as empresas a comprovar capacidade econômico-financeira ante as metas impostas. Dos municípios compelidos a apresentar comprovação, quase 40% estão em situação irregular.

Segundo o instituto Trata Brasil, entre 2016 e 2020, a média anual de investimentos foi de cerca de R$ 17,1 bilhões. As estimativas conservadoras são de que esse valor precisaria dobrar para atingir a meta de universalização. Um estudo desenvolvido pela consultoria KPMG calcula que ele precisaria quadruplicar.

A ANA tem um papel crucial. É notória a necessidade de padronizar as regras do saneamento, atualmente pulverizadas entre dezenas de agências reguladoras estaduais, regionais e municipais. O marco atribuiu à ANA a tarefa de estabelecer padrões de qualidade e eficiência, regulação tarifária, critérios para a contabilidade regulatória, mediação de conflitos e a metodologia para a comprovação da capacidade econômico-financeira das empresas contratadas. Para tanto, seria necessário ampliar sua capacidade técnica e capacitar seus quadros, com a precondição de que eles sejam independentes e livres de pressões políticas ou econômicas. Por isso, preocupam as manobras do governo para transferir as atribuições da ANA à administração direta.

Em apenas dois anos do marco, já foram realizados 21 leilões de concessões no setor. A Abcon, uma associação de concessionárias privadas, estima que foram beneficiados cerca de 24 milhões de pessoas em 244 municípios, com investimentos da ordem de R$ 82,6 bilhões. Só em 2021, mesmo sob o impacto da pandemia, os investimentos no setor cresceram 27% em relação ao ano anterior, e os investimentos privados tiveram alta de 41%. Os leilões esperados para 2023 devem gerar R$ 24,4 bilhões em investimentos.

O marco do saneamento é resultado de um longo processo de deliberação que consumou o processo de modernização iniciado com a Lei 11.445 de 2007. Obviamente, ele é passível de aprimoramentos. Mas os resultados até o momento mostram que ele está no caminho certo.

O urgente resgate do Cadastro Único

O Estado de S. Paulo.

Para ampliar o alcance e a eficácia dos programas sociais, o País precisa ter um banco de dados amplo e atualizado

O ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Wellington Dias, disse que o governo encontrou indícios de inconsistências no cadastro de nada menos que 10 milhões de famílias hoje atendidas pelo Bolsa Família. Segundo o ministro, esses beneficiários serão convocados a comparecer aos Centros de Referência de Assistência Social (Cras) ao longo dos próximos meses para comprovar sua situação e evitar o bloqueio dos pagamentos.

Ainda é cedo para fazer uma previsão segura sobre as fraudes que o recadastramento poderá revelar. Independentemente do resultado final, o ministro faz bem em iniciar seu trabalho pela necessária revisão dos dados do Cadastro Único (CadÚnico), um banco de dados com mais de 20 anos de história. Esta foi uma das principais recomendações do relatório final do grupo técnico de transição de Desenvolvimento Social. Do total de benefícios sob suspeita, quase 6 milhões se referem a famílias formadas por uma única pessoa, talvez a maior das distorções criadas pela sistemática eleitoreira do Auxílio Brasil.

Ao estabelecer um piso de R$ 600 por família, independentemente do número de componentes e de crianças, o governo de Jair Bolsonaro estimulou a população a fazer cadastros individuais para a obtenção de mais benefícios. Os dados oficiais mostram que esse incentivo foi bem compreendido. O número de famílias unipessoais no programa social saltou de 1,8 milhão em dezembro de 2018 para 5,5 milhões em outubro do ano passado, segundo o grupo técnico da equipe de transição. Boa parte desses beneficiários foi incluída no auge da campanha eleitoral.

Sob Bolsonaro, diversas políticas públicas foram destruídas, mas o que foi feito na assistência social configura um caso à parte. Simplório, fragmentado, ineficaz e sem um mínimo de foco, o Auxílio Brasil evidenciou o quanto é importante tratar a temática do combate à pobreza com a profundidade que ela requer. Sua disfuncionalidade mostra que é preciso ir muito além da inclusão das famílias ou do aumento das verbas públicas. Afinal, nunca se gastou tanto com um programa social e nunca tantas pessoas foram incluídas sem que houvesse resultados efetivos na redução da miséria. Basta ver a recorrência com que as filas para acesso aos benefícios são formadas.

O governo federal precisa articular as diversas políticas sociais existentes nas áreas de saúde e educação e restabelecer a rede de serviços, atuando em conjunto com Estados e municípios. É necessário considerar a realidade de cada família de forma individualizada e criar condições para que os beneficiários alcancem a autonomia e a emancipação. Mas, sobretudo, é essencial dar prioridade àquelas que mais precisam de ajuda: as mais pobres, quase sempre formadas por mães com filhos pequenos. O redesenho do Bolsa Família é urgente, assim como garantir mais eficiência ao gasto público. Para tanto, o País precisa ter um cadastro com informações precisas e atualizadas periodicamente. Os beneficiários dos programas sociais são cidadãos, e não massa de manobra eleitoral.

 

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