segunda-feira, 6 de março de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

PGR virou anexo do Planalto na gestão Bolsonaro

O Globo

Levantamento do GLOBO revelou que procuradores atenderam interesses do presidente em 95% das manifestações

O ex-presidente Jair Bolsonaro não pode reclamar da Procuradoria-Geral da República (PGR) em seu governo. Liderada por Augusto Aras, ela serviu de barreira às acusações contra ele próprio e seus filhos, quase sempre alinhada com a defesa deles.

Levantamento do GLOBO no Supremo Tribunal Federal (STF) revelou números eloquentes. De 186 peças analisadas, a PGR pediu a extinção de 134 e acatou sem recorrer a decisão do próprio STF de extinguir outras 32. Houve ainda dez iniciativas para retirar ações da esfera do ministro Alexandre de Moraes, desafeto do bolsonarismo. Ao todo, em 95% das manifestações a PGR atendeu a interesses de Bolsonaro, seja para arquivar processos, seja para ajudar a família.

Ficou evidente a paralisia da PGR na gestão da pandemia por Bolsonaro. Por leniência do Planalto, o país atrasou a importação das primeiras levas de vacinas. Um terço das tentativas de processar o presidente por falhas no enfrentamento da Covid-19 foi objeto de pedidos de arquivamento por parte da PGR. Em despacho de outubro de 2020, Aras argumentava contra as conclusões que já eram consenso entre cientistas. “Autoridades em matéria sanitária divergem sobre várias questões, tais como eficácia do isolamento social e imunidade coletiva”, escreveu.

Não havia divergência alguma a respeito desses temas no meio científico nacional e internacional. O isolamento de infectados era, e ainda é, adotado para deter a propagação do vírus. Quanto à referência à “imunidade coletiva”, Aras dava respaldo à tese estapafúrdia de que quanto mais infectados houvesse, melhor, pois seria maior a imunidade. Tivesse sido essa a política adotada, a letalidade do vírus, que no Brasil já matou 700 mil pessoas, levaria a um morticínio ainda maior induzido pelo governo.

Os ataques de Bolsonaro às urnas eletrônicas, tentativa de contestar o resultado das eleições em caso de derrota, também receberam proteção na PGR. Em junho do ano passado, ao determinar o arquivamento de uma notícia-crime contra Bolsonaro pela campanha mentirosa contra o sistema de votação, a vice-procuradora geral da República, Lindôra Araújo, deixou registrado que as declarações eram “mera crítica” e estavam “amparadas pelo princípio da liberdade de expressão”.

Os fatos demonstraram o absurdo dessa posição. Atrás dos ataques às urnas eletrônicas, escondia-se a conspiração golpista que culminou nos ataques do 8 de Janeiro em Brasília. Só depois de Bolsonaro deixar a Presidência, diante do vandalismo e da violência, o subprocurador Carlos Frederico Santos, indicado por Aras para tratar do caso, incluiu Bolsonaro entre os “instigadores e autores intelectuais dos atos antidemocráticos”.

Aras foi escolhido por Bolsonaro para a PGR fora da lista tríplice que a Associação Nacional dos Procuradores da República apresenta à análise do presidente, prática que tenta garantir um mínimo de independência ao escolhido. Lula já declarou que, quando for escolher o nome do novo procurador-geral, em setembro, não se limitará à lista tríplice. O maior desserviço à democracia que poderá prestar será repetir o que fez Bolsonaro e tentar transformar a PGR em um anexo do Planalto.

Experiência do Rio pode ajudar resto do país a lidar com tragédia das chuvas

O Globo

Sistema de sirenes de alerta e plano de evacuação de emergência são fundamentais para evitar catástrofes

Pelo menos 9,5 milhões de brasileiros vivem em áreas de risco, de acordo com projeção feita pelo IBGE e pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). Como protegê-los? O que fazer, nas três instâncias de governo, para evitar que se repitam tragédias como a que deixou 65 mortos no Litoral Norte de São Paulo? É evidente que a população precisa ser realocada para novas casas em locais seguros, mas é irrealista esperar que isso aconteça a tempo de evitar novas catástrofes. Enquanto a nova política habitacional não surte efeitos, a primeira — e óbvia — lição é aprender com os desastres naturais do passado.

No verão de 1966, a cidade do Rio de Janeiro foi atingida por um temporal que matou 250 pessoas e deixou 50 mil desabrigados. No verão seguinte, outra enxurrada e mais 116 mortos. Àquela altura já havia sido criada no ainda Estado da Guanabara a Geotécnica, hoje Fundação GEO-Rio, para fazer obras de contenção de encostas. Até hoje elas evitam desmoronamentos de rochas que seriam catastróficos.

A experiência do Rio pode ajudar prefeitos e governadores do resto do Brasil. Há na cidade 162 estações de sirenes espalhadas em 103 comunidades consideradas de alto risco. Os moradores sabem onde ficam os pontos de apoio — locais seguros como escolas, associações e igrejas, devidamente sinalizados com placas — e são ajudados por agentes comunitários e da Defesa Civil. A operação é acionada pelo Centro de Operações do Rio (COR), onde meteorologistas monitoram mais de 80 pluviômetros que medem o volume de chuva em cada uma das 103 comunidades. Acionam sirenes quando o volume de água atinge de 40 a 55 milímetros (no litoral paulista choveu mais de 600mm). Nas temporadas de pouca chuva, a Defesa Civil aproveita para fazer exercícios simulados nas comunidades. Vidas têm sido salvas dessa maneira.

O Cemaden, criado depois que chuvas na Região Serrana do Rio em 2011 mataram 918 pessoas e deixaram cem desaparecidos no maior desastre natural do Brasil, emitiu os devidos alertas sobre o temporal que cairia no Litoral Norte paulista. Infelizmente, de nada adiantaram. Quando foi dado o último aviso de “altíssimo risco”, já chovia na região e locais perigosos não foram evacuados.

O próprio governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, reconheceu que o alerta por meio de mensagens de SMS para celulares não funciona. Mais de 30 mil pessoas receberam o aviso, e nada aconteceu. Mesmo que tivessem lido as mensagens sobre o temporal, o que fariam? O governo paulista passou a admitir que é preciso instalar nos locais de risco um sistema de sirenes similar ao que o Rio adotou desde a tragédia na Região Serrana. Além disso, é preciso um plano de contingência mais amplo, que não se limite ao simples aviso de que um desastre natural está a caminho. A hora de começar é imediatamente — para evitar novas tragédias.

A hora da reforma

Folha de S. Paulo

Lula deve usar seu poder de convencimento para avançar o redesenho dos impostos

Após dois meses de governo, passa da hora de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deixar em segundo plano os discursos inflamados e divisivos. Cumpre trabalhar com afinco nos temas essenciais para a retomada do crescimento econômico e a melhoria das condições de vida da população.

Houve um ou outro progresso nas últimas semanas em áreas pouco controversas. É positivo, por exemplo, que o programa Bolsa Família comece a voltar aos trilhos, com revisão do cadastro para combate a fraudes, diferenciação de valores do benefício a depender do tamanho da família e o retorno de contrapartidas, como mandam as boas práticas.

Entretanto a retomada da economia dependerá do sucesso em fazer avançar reformas essenciais, como a tributária. Eis um campo minado desde sempre por interesses setoriais e federativos diversos, que há décadas travam qualquer tentativa de mudança.

Para vencer as resistências e convencer a sociedade de que as alterações são necessárias, não bastará o Ministério da Fazenda lutar sozinho no Congresso. É preciso que o presidente da República deixe claro se tratar de sua prioridade política e que se engaje pessoalmente no avanço da pauta.

Mais ainda no contexto atual, em que não se tem clareza da solidez da base de apoio parlamentar, a ser testada na prática.

Quanto mais Lula insistir numa atuação teatral, como se ignorasse a realidade do governo, mais distanciará outros atores políticos de seu projeto —se é que há um.

A reforma é complexa e suscita controvérsia sempre que o debate desce aos detalhes. Nos últimos anos, ao menos, cresceu o alinhamento político em torno de sua primeira fase —a que simplifica e moderniza a cobrança dos impostos sobre bens e serviços.

Já há boa compreensão de parlamentares sobre as vantagens da unificação dos cinco tributos atuais (PIS/Confins, IPI, ICMS e ISS) num novo imposto cobrado sobre uma base de incidência ampla e no local de consumo.

Outra boa notícia é o destaque dado ao tema nas falas do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e do vice-presidente, Geraldo Alckmin. Resta Lula, de inegável capacidade de comunicação e negociação, entrar em campo.

É necessário engajar governadores e prefeitos, superando as resistências federativas. Há que vencer as objeções setoriais, concentradas nos serviços e no agronegócio.

Se o presidente quer restaurar o crescimento sustentável, como diz, a reforma tributária é a agenda positiva mais ao alcance da administração petista. Nela, as tertúlias ideológicas pesam menos que o esclarecimento da sociedade.

Limites de um juiz

Folha de S. Paulo

Afastado pelo CNJ, Bretas deu exemplos de abusos que mancharam a Lava Jato

Responsável pelas ações judiciais da Operação Lava Jato no Rio de Janeiro, o juiz Marcelo Bretas foi afastado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), na última terça-feira (28), sob acusações de irregularidades na condução dos processos sob sua guarda.

Mesmo considerando que o caso administrativo disciplinar ainda está em andamento, o que por óbvio inclui ampla defesa e contraditório, há diversos indícios de excessos cometidos pelo magistrado.

Outrora conhecido como "o Sergio Moro do Rio de Janeiro", por cuidar da Lava Jato com estilo implacável e midiático similar ao do ex-juiz e agora senador pelo União Brasil do Paraná, Bretas teria direcionado réus para delações premiadas, o que é vedado pela legislação.

Trata-se de acusação grave, que se soma à proximidade do juiz com autoridades fluminenses, em particular do campo bolsonarista.

Às vésperas do início da audiência que o afastou, Bretas publicou, e depois apagou, uma foto em almoço durante o Carnaval ao lado de Cláudio Castro (PL), governador do Rio de Janeiro.

A publicação revela o descaso do magistrado com as restrições que o cargo impõe, como o tratamento equidistante que deve manter com políticos que podem vir a figurar em sua alçada judicial.

Não é de hoje que as condutas de Bretas extrapolam os limites do excêntrico. Em 2019, ganhou uma carona em avião oficial do então governador Wilson Witzel para participar da posse de Jair Bolsonaro (PL).

No ano seguinte, sofreu pena de censura por estar em ato político com o ex-presidente.

O problema não é só a evidente inclinação ideológica de Bretas. O Código de Ética da Magistratura é explícito ao indicar que "a independência judicial implica que ao magistrado é vedado participar de atividade político-partidária", e regras processuais consideram suspeito o juiz que for amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer das partes sob julgamento.

Independência e imparcialidade não são apenas ditames éticos, mas garantias técnicas para que o réu não vá ser julgado por magistrado que, por razões políticas ou outras, tenha simpatia ou aversão a ele.

Atitudes como a de Bretas ofuscam, ademais, a seriedade com que se deve tratar o combate à corrupção —que requer menos estrelismo e mais sobriedade. Abusos e escolhas políticas acabaram por manchar a Lava Jato e suas revelações incontestáveis.

Da corrupção miúda às joias milionárias

O Estado de S. Paulo.

Suspeita de que Bolsonaro tentou contrabandear joias reforça o padrão de um político cujo clã, famoso pelas rachadinhas, vê o Estado como repartição a serviço de seus interesses privados

Caso dos diamantes reforça como Bolsonaro vê o Estado: a serviço de seus interesses.

Aconjugação virtuosa do senso de dever de servidores da Receita Federal e do esforço de reportagem deste jornal deu ao País mais uma razão para acreditar que raros foram os presidentes que marretaram com tamanha violência os pilares que sustentam esta República como o sr. Jair Messias Bolsonaro.

Na sexta-feira passada, o Estadão revelou que o ex-presidente tentou de tudo, até a undécima hora do mandato, para fazer entrar no País, ilegalmente, um conjunto de joias da grife suíça Chopard avaliado em ¤ 3 milhões, o equivalente a R$ 16,5 milhões. O pacote, contendo colar, brincos, relógio e anel cravejados de diamantes, seria um “presente” oferecido pela ditadura da Arábia Saudita à então primeira-dama, Michelle Bolsonaro, em outubro de 2021.

Ao longo de um ano e dois meses, Bolsonaro tentou liberar essas joias mobilizando nada menos que três Ministérios – Economia, Minas e Energia e Relações Exteriores –, além de outras instituições de Estado. O ex-presidente pressionou a cúpula da Receita Federal, que, para o bem do País, respaldou o comportamento republicano de seus servidores no aeroporto de Guarulhos. Protegidos pela estabilidade constitucional para dizer “não” até mesmo ao presidente da República quando ele quer se desviar da lei, eles confiscaram as joias.

Toda essa frenética movimentação de Bolsonaro para liberar os diamantes reúne fortes indícios de tentativa de contrabando, razão pela qual a Receita não realizou o leilão das joias, que agora servem de prova. O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, determinou a instauração de inquérito pela Polícia Federal para apurar esse e outros crimes que possam ter sido cometidos com o objetivo de, ao que tudo indica, levar aquele pequeno tesouro até a família do ex-presidente às escondidas.

Do início ao fim, a jornada dessas joias rumo ao Brasil esteve eivada de mistérios e ilegalidades. Afinal, a que título a ditadura saudita teria sido tão generosa com Bolsonaro? Se o objetivo não era reter para si o presente milionário, por que o ex-presidente, como manda a lei, não determinou que as joias fossem declaradas como patrimônio da União?

Os diamantes poderiam ter passado facilmente pelo controle alfandegário caso fossem declarados como presente de um Estado estrangeiro ao governo brasileiro. Por lei, teriam sido considerados patrimônio da União e seguiriam para o acervo da Presidência sem obstáculos, livre de impostos. Mas há fortes razões para crer que Bolsonaro queria as joias para si, o que implicaria o pagamento de cerca de R$ 12,3 milhões em tributos de importação pessoal.

O pagamento desses tributos, por óbvio, era algo inimaginável em se tratando de alguém como Bolsonaro, que se notabilizou por explorar o Estado como plataforma para o enriquecimento pessoal. A família Bolsonaro, no que concerne à sua vida pública, foi forjada pela corrupção miúda das “rachadinhas”, pelas fraudes na prestação de contas de verbas de gabinete, pela compra de dezenas de imóveis em dinheiro vivo, pelo depósito de cheques suspeitos nas contas de Michelle Bolsonaro, entre tantos outros escândalos. Um possível contrabando milionário seria apenas mais um risco nesse “bingo” de malfeitos.

Para evitar o pagamento dos tributos, as joias foram escondidas na mochila de um assessor do então ministro de Minas e Energia do governo Bolsonaro, o almirante de esquadra Bento Albuquerque, que viajara a Riad para representar o Brasil na cúpula “Iniciativa Verde do Oriente Médio”. A manobra sub-reptícia, no entanto, não resistiu ao raio X e ao espírito público dos servidores da Receita Federal em Guarulhos, que apreenderam o pacote. Prestando-se a um papel indigno de sua patente, Bento Albuquerque ainda tentou pressionar os servidores mencionando que a destinatária daqueles diamantes era a primeira-dama.

De modo paradigmático, esse caso dos diamantes revela como Bolsonaro enxerga a natureza das instituições de Estado, o exercício do poder e a relação com servidores, civis ou militares. Tudo é uma mixórdia a serviço de seus interesses privados.

Espera-se dos responsáveis pela investigação desse caso escabroso o mesmo espírito público que norteou a atuação dos bravos servidores da Receita Federal.

Lula acerta ao ignorar lista tríplice

O Estado de S. Paulo.

Declaração de Lula rejeitando lista tríplice como critério de escolha para a PGR é bom sinal. Como toda instituição, Ministério Público deve estar sujeito à lei, e não a pressões privadas

Ao longo de todos os governos do PT, os nomes indicados para chefiar a Procuradoria-Geral da República (PGR) foram oriundos de lista tríplice elaborada pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), uma entidade privada. Em entrevista à rádio BandNews, o presidente Lula da Silva afirmou que, a partir de agora, será diferente. “Não é mais o critério”, disse. “Só espero escolher um cidadão que seja decente, digno, de muito caráter e respeitado. Não penso mais em lista tríplice da PGR”, afirmou. O mandato do atual procurador-geral da República, Augusto Aras, termina em setembro.

Trata-se de importante compromisso de Lula, em linha com o que dispõe a Constituição. A escolha do procurador-geral da República não pode estar condicionada às vontades de uma entidade privada, que, por definição, atua no interesse de seus membros. A PGR é uma instituição de Estado que deve servir à população, por meio da defesa da ordem jurídica e do regime democrático. Não é uma corporação para defender os interesses dos procuradores da República. Por isso, não faz sentido que a definição do procurador-geral da República esteja moldada pelas preferências da categoria e, pior ainda, por uma associação que se autoproclama porta-voz da categoria.

É conhecida a confusão que se faz no País entre interesse público e interesse privado. Tal prática é extremamente danosa, pervertendo o funcionamento da máquina estatal em seu sentido mais fundamental. Aquilo que deveria servir ao interesse público é instrumentalizado para atender ao interesse privado. Sempre equivocada e perniciosa, essa apropriação do Estado é especialmente deletéria quando se instaura em órgãos e instituições com função de controle.

Por isso, é tão importante garantir que o Ministério Público esteja configurado apenas pelo que dispõe a lei. Para estar apto a cumprir suas funções institucionais, ele não pode estar limitado por condições extralegais, inventadas por pressão de alguns indivíduos ou associações. Assegurada na Constituição, a autonomia da instituição é justamente para que ela não esteja sujeita a outros limitantes que não os da lei.

A Constituição de 1988 previu o procedimento para a nomeação do procurador-geral da República. “O Ministério Público da União tem por chefe o procurador-geral da República, nomeado pelo presidente da República dentre integrantes da carreira, maiores de trinta e cinco anos, após a aprovação de seu nome pela maioria absoluta dos membros do Senado Federal, para mandato de dois anos, permitida a recondução”, diz o art. 128.

O respeito à Constituição exige que não se turve esse procedimento com pretensões ou interferências privadas, seja qual for sua origem. A indicação de nome para chefiar a PGR é atribuição do presidente da República. Depois de afirmar que não mais se basearia na lista tríplice de entidade privada, Lula disse: “Vou ser mais criterioso”. É precisamente este o sentido do texto constitucional: a liberdade do presidente da República para escolher o nome é sinônimo de responsabilidade. Limitar as possibilidades nessa definição, como querem alguns, é reduzir a responsabilidade do presidente da República. Significaria também diminuir o peso da responsabilidade do Senado na aprovação do nome indicado pelo Executivo federal. O Legislativo deve ter plena liberdade para avaliar a escolha feita pelo presidente da República.

Apesar de insistentemente repetida, é uma falácia a ideia de que a lista tríplice para a escolha do procuradorgeral da República poderia representar um fortalecimento institucional do Ministério Público. Em vez de instituição, a PGR adquiriria ares de corporação. Não se pode permitir tal desvirtuamento. O Ministério Público é muito importante para o funcionamento do Estado Democrático de Direito. E, apesar de o País, com seu histórico de patrimonialismo, ter dificuldades de aprender, a lição é inequívoca. As instituições estatais fortalecem-se quando estão submetidas apenas e exclusivamente à lei.

Mais um ataque à democracia

O Estado de S. Paulo.

Como bom liberticida, presidente mexicano manobra para fragilizar a Justiça Eleitoral

O presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador, tem ojeriza ao Instituto Nacional Eleitoral (INE), órgão análogo ao nosso TSE. Em suas palavras, o INE seria “podre” e “antidemocrático”. Na verdade, graças ao órgão, as eleições no México passaram a ser tão limpas quanto em qualquer país democrático.

Depois de perder a eleição presidencial de 2006 para o conservador Felipe Calderón por margem inferior a 1% dos votos, o que levou a uma batalha judicial até que o resultado fosse proclamado meses após o pleito, López Obrador passou a sustentar, sem apresentar provas, que a vitória de seu adversário decorreu de fraude.

A palavra final da Justiça não bastou. Como candidato em eleições posteriores, López Obrador passou a disseminar a desconfiança dos mexicanos não apenas no sistema eleitoral do país, como nas instituições do Estado, alinhando-se, ainda que à esquerda, ao populismo de viés autoritário que também anima líderes do gabarito de Donald Trump e Jair Bolsonaro.

Eleito presidente em 2018, após duas derrotas, López Obrador, líder do Movimento Regeneração Nacional (Morena), pouco a pouco empreendeu uma guinada populista autoritária no México sob o estigma do “nacionalismo revolucionário” que tanto já custou aos países da América Latina.

Há poucos dias, o presidente mexicano deu um dos passos mais significativos desse seu movimento contra as instituições independentes e a democracia. O Senado aprovou a reforma eleitoral idealizada por López Obrador, que, na prática, acaba com o INE ao reduzir substancialmente sua estrutura funcional e retirar seu poder de punir funcionários públicos que interfiram ilegalmente no processo eleitoral. O texto voltou para a Câmara, onde não haverá resistência à sua aprovação.

López Obrador deseja voltar ao passado de eleições controladas no México, só que, agora, controladas por ele mesmo.

Até a criação de uma autoridade eleitoral independente no México, em fins da década de 1990, o resultado de uma eleição no país era reflexo da vontade do governo de turno, não dos eleitores. O Palácio Nacional decidia quem haveria de ser eleito – após negociações com todo tipo de gente, raramente republicanas – e as instituições estatais, aparelhadas pelo governo, davam um jeito de viabilizá-lo. Foi assim, entre outras razões, que o Partido Revolucionário Institucional (PRI) governou o México por mais de sete décadas ininterruptas no século 20.

De tão antidemocrático, o projeto de López Obrador é criticado até por membros do Morena e de partidos aliados ao governo. “O que está em jogo é se teremos ou não um país com instituições democráticas e Estado de Direito”, disse Jorge Alcocer, ex-funcionário do Ministério do Interior no governo de López Obrador.

O caso mexicano é a mais recente evidência de que a democracia não é um dado da natureza, mas uma construção que depende da determinação das instituições e da sociedade para se manter. E as ameaças não têm coloração política definida: podem vir da direita trumpista e bolsonarista, podem vir da esquerda de López Obrador. A única ideologia dos liberticidas é a destruição dos valores republicanos e democráticos.

Futuro da Petrobras se parece cada vez mais com o passado

Valor Econômico

Na Petrobras, o governo planeja reviravolta radical rumo a um passado caótico

Sem norte definido, o governo improvisa perigosamente ao sabor de conflitos internos que poderiam ser resolvidos sem algazarras públicas e sem tentativas explícitas de minar a autoridade do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Sob a mira do PT, Haddad se desvia de soluções adequadas - supondo que as busque - em direção ao subótimo ou ao francamente ruim, como ocorreu no caso da desoneração da gasolina e do álcool. Entre a opção binária da reoneração total ou escalonada, surgiu do nada e foi aceita a péssima ideia de um imposto de exportação, raramente usado no Brasil.

Com exceção das áreas sociais - saúde, educação, Bolsa Família - onde o governo Lula tem reconhecida expertise, há animosidade e divergências que continuam produzindo muito ruído e desgaste político. Até agora, em 64 dias de gestão, o próprio presidente Lula contribui para a confusão e agita bases do PT para ações inócuas. Os ataques ao Banco Central, que pareciam ter cessado, continuam. Na linha de frente, Lula. Na quinta, Lula voltou a criticar o presidente do BC, Roberto Campos Neto. “Ora, por que esse cidadão, que não foi eleito para nada, acha que tem o poder de decidir as coisas?”, indagou. “Este país não pode ser refém de um único homem”.

O assédio é esdrúxulo. Campos Neto não obteve esse poder por vontade pessoal ou golpe, mas por delegação explícita do Congresso, que votou pela autonomia do BC. Arthur Lira, presidente da Câmara, e Rodrigo Pacheco, do Senado, a quem Lula se dobra para poder governar, deixaram claro que não pretendem mais discutir um assunto encerrado. Se Lula acredita em tudo o que fala, poderia reunir sua minoria no Congresso e tentar derrubar a autonomia concedida. Como sabe que não terá sucesso, fica esperneando nervosamente à toa, agindo para a plateia enquanto os juros, já altos, sobem por isso.

 

Na Petrobras, o governo planeja, se é que o termo é adequado, reviravolta radical rumo a um passado caótico, marcado por corrupção em grande escala. Lula, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, Haddad e o presidente nomeado da estatal, o ex-senador petista Jean Paul Prates, mostraram mais indignação com o lucro gigantesco da Petrobras - R$ 188,3 bilhões - do que com prejuízo de R$ 34,8 bilhões que a empresa teve em 2015, na gestão de Dilma. A estatal pagou dividendos de R$ 215 bilhões no ano passado. Como principal acionista, o governo recebeu R$ 72 bilhões, ajuda essencial para que as contas públicas voltassem ao azul em 2022. Mas esse não é o ponto. A fórmula que permite distribuir dividendos muito além do mínimo de 25% definido em lei está errada.

A regra de distribuição atende ao modelo de negócios da empresa na gestão Bolsonaro: concentração exclusiva na prospecção e extração. Com isso, segundo fontes próximas à empresa, a estatal gera muito caixa, mas não tem o que fazer com ele - caso digno de estudos em patologias empresariais. A Petrobras renunciou à transição energética, ao contrário do que suas gigantes rivais estão fazendo. Explorar todo o óleo que existir, até quando ele for necessário, e fechar as portas depois - esse foi o ideal do ex-ministro Paulo Guedes, que merece ser abandonado.

Algo bem diferente é como esse modelo será modificado. Lula já disse que quer que a Petrobras faça tudo ao mesmo tempo já: financiar a indústria naval, exemplo histórico de fracassos e prejuízos, e investir em refinarias que só se pagarão quando o petróleo se tornar uma relíquia poluidora. O problema do financiamento para tudo isso está ligado aos preços, que serão menores se o governo mudar, como é certo, a fórmula de paridade com as cotações internacionais. “Abrasileirar” os preços significa reduzi-los e incentivar o uso de combustíveis fósseis, um contrassenso gritante. Um subproduto essencial dessa política será a eliminação da concorrência e a volta do monopólio da Petrobras. “Temos que ter o melhor preço para conquistar e manter o cliente”, disse Prates, desconfiando da vantagem de existir importadores. Se o preço da Petrobras for inferior ao do produto importado, será impossível concorrer com ela.

Tornou-se lugar comum dizer que a transição energética abre o caminho para uma revolução tecnológica cujo vetor essencial é a descarbonização. O que o governo deseja para sua maior empresa de energia é de um anacronismo acachapante. Há pessoas suficientemente sensatas no governo capaz de fazê-lo mudar de rumo, desde que tenham discernimento e vontade política para dissuadir o presidente da República.

 

2 comentários:

Anônimo disse...

Estadão
"Para evitar o pagamento dos tributos, as joias foram escondidas na mochila de um assessor do então ministro de Minas e Energia do governo Bolsonaro, o almirante de esquadra Bento Albuquerque..."

Um almirante, gente. Al-mi-ran-te.
Q baixo nível das FA! Não podia ser pior.

Anônimo disse...

Almirante se fez de mula. Q triste papel. Pensando bem, pra que serve um almirante? Nem pra mula serve pois foi pego.