Folha de S. Paulo
Choque geracional e ideológico expõe
contraste agudo em política identitária e tolerância com autocratas
A segunda onda
rosa na América Latina levou a esquerda da região para o divã.
Líderes que assumiram o poder nos últimos anos defendem ajustes para evitar o
que consideram erros do ciclo anterior, nas décadas de 1990 e 2000. Outras alas
parecem convencidas de que a atualização da agenda desse campo pode significar
sua destruição.
A justiça social é a ponte que une as duas ondas, com a redução de desigualdades e o papel do Estado como pilares principais. Contrastes agudos, por outro lado, são exibidos em público nas avaliações sobre a amplitude da chamada pauta identitária e na tolerância com condutas antidemocráticas.
Nos últimos meses, dois líderes de esquerda
resumiram o que pode ser descrito como um conflito com raízes ideológicas e
geracionais.
O presidente da Colômbia, Gustavo Petro,
disse em janeiro à repórter Sylvia Colombo que o
"primeiro progressismo" cometeu erros. Eleito em 2022, o
ex-guerrilheiro afirmou que os líderes da onda passada não deram atenção à
mudança climática e criticou "o estatismo, a vigilância e a influência de
Cuba" naquele ciclo.
Já Rafael Correa, que governou o Equador de
2007 a 2017, torceu o nariz para a geração atual. Em entrevista
a Fábio Zanini no fim de março, ele fustigou o presidente
chileno Gabriel Boric por
suas críticas ao autoritarismo na Venezuela. Depois, afirmou que a esquerda
erra ao posicionar no centro da pauta temas como aborto, direitos sexuais e
casamento gay.
Parte da distância entre os dois grupos é
fruto de um choque de visões de mundo –desde convicções morais até uma
deferência ao socialismo do passado. Mas há também léguas de pragmatismo, sob o
argumento de que a plataforma de costumes da esquerda espanta uma maioria
conservadora na região e lança eleitores no colo da extrema direita.
Adiar ou interditar uma defesa enfática de
direitos das minorias é um caminho
cruel. Equivale a pedir que grupos vulneráveis permaneçam
desprotegidos porque seria preciso evitar derrotas políticas. Ao mesmo tempo,
expõe o dilema de que a vitória do conservadorismo levaria, na prática, à
restrição desses poucos direitos.
Raro espécime das duas ondas, Lula escolheu
o pragmatismo na última eleição ao manter o foco num discurso econômico voltado
aos mais pobres, tentando fugir de armadilhas bolsonaristas no campo dos
costumes. O petista, no entanto, manteve uma retórica firme em defesa dos
direitos de minorias e absorveu itens da agenda verde –ainda que a frustração de
sua base mais à esquerda seja inevitável no futuro.
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