O Globo
Desde a redemocratização, a abundância de
partidos representados no Congresso sempre foi considerada determinante para o
desafio dos governos em formar maiorias sólidas. Com a cláusula de barreira que
entrou em funcionamento pleno em 2022, a esperança de que se estabelecesse uma
relação mais republicana entre Poderes parecia plausível. As sete maiores
legendas ou federações saíram das urnas com 80% dos deputados federais, e os
20% restantes se dividiam em outras 12 agremiações, que tendem a se fundir ou
desaparecer. Na legislatura anterior, os sete maiores partidos concentravam 54%
dos deputados, e os restantes se dividiam em 23 legendas.
Na prática, no entanto, o objetivo principal não se concretizou. A base que elegeu Lula no segundo turno conseguiu fazer 140 deputados. Somados aos representantes de MDB, PSD e União Brasil (União), que receberam ministérios antes mesmo da posse, o total de aliados deveria, em tese, assegurar uma maioria simples segura, com 283 votos, 26 a mais que o necessário. Ainda assim, hoje, o Planalto precisa negociar cargos e emendas no varejo, com parlamentares de partidos contemplados ou não com ministérios, e não sabe nem mesmo se conseguirá garantir que o Congresso aprove a mais básica das Medidas Provisórias.
Retrato dessa instabilidade ocorreu na
semana passada quando um grupo de cinco deputados do União Brasil, aliados da
ministra Daniela Carneiro, pediu para deixar o partido e se filiar ao Republicanos.
O presidente do União, Luciano Bivar,
prontamente bradou que a indicação ao ministério cabe à legenda. Ainda que ele
nunca tenha garantido ao Planalto o apoio integral de seus correligionários, o
governo pode ver agora a bancada essencial para garantir maioria parlamentar se
tornar ainda mais infiel. E nada garante que a aproximação da ministra e seus
módicos cinco aliados do Republicanos facilitará o avanço do governo sobre
outra bancada.
A situação evidencia o paradoxo vivido pelo
governo: embora as legendas do Centrão tenham hoje mais parlamentares e sejam
menos numerosas, o que poderia facilitar a negociação de uma verdadeira
coalizão governista, o poder de seus caciques foi reduzido.
As razões para isso são muitas. Ainda que
Lula tenha conseguido derrotar Bolsonaro, o Congresso que saiu das urnas tem um
perfil majoritário de centro-direita. Muitos parlamentares que o petista hoje
precisa cativar estavam há pouco mergulhados no governo Bolsonaro e, ao
contrário do que ocorreu nos outros mandatos de Lula, as redes sociais passaram
a pressioná-los de forma permanente.
Mesmo para históricos governistas do
Centrão, não é mais trivial se eleger exibindo vídeos com Bolsonaro e posar
sorridente ao lado de Lula meses depois. Isso se agrava no caso de deputados
com bases eleitorais em regiões bolsonaristas, como o Sul e o Centro-Oeste, ou
do meio evangélico. Representar um eleitorado francamente antipetista e aderir
ao lulismo é se jogar de um precipício — sem ter qualquer garantia de que a
rede das verbas e cargos públicos conseguirá garantir sua reeleição em 2026.
Muitos preferem, então, atender à base com as infladas emendas parlamentares a
irritá-la.
Em paralelo, o orçamento dos fundos
partidário e eleitoral se tornou tão expressivo que os chefes dos partidos
políticos têm hoje mais preocupação em garantir a reeleição e ampliação de suas
bancadas, cujo tamanho determina sua fatia no rateio dos recursos, do que em
ter mais espaço no governo — ainda que o ideal seja conquistar os dois.
Num jogo de cinismo utilitário, poderosos
donos do Centrão, como Valdemar
Costa Neto (PL),
Ciro Nogueira (PP)
ou Marcos Pereira (Republicanos), que até meses atrás eram expoentes defensores
do governo Bolsonaro, acompanham a feira do Planalto deixando seus
correligionários à vontade para negociar com o governo. O butim está à vista de
todos: são eles que servirão de régua para a distribuição de R$ 1,2 bilhão do
fundo partidário neste ano e do próximo fundo eleitoral, que deverá superar os
R$ 4,96 bilhões de 2022.
*Paulo Celso Pereira é editor executivo do Globo
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