Folha de S. Paulo
Jogos e anarquia informativa confirmam a
crise disciplinar e exacerbam a hostilidade à educação moral
Na crônica sombria dos serial killers americanos existe a figura do "copycat", aquele que imita criminosos precedentes. Noutro plano, mas na mesma esfera do crime, também se reproduzem em diferentes regiões os massacres aleatórios, com escolas como alvos preferenciais. Nos EUA são quase semanais, já alarmantes entre nós. Foi traumatizante o assassinato de crianças numa creche.
Ainda não se deu resposta satisfatória à
escolha desse alvo. Escola, uma das matrizes da modernidade, é a forma, ao lado
de outras (como nação, mercado), pela qual se incorporam saberes e se orientam
cívica e profissionalmente os indivíduos. Com esta capa institucional, serve
também de adaptação cognitiva ao modo de produção dominante. É dispositivo que
metaboliza os parâmetros sociais de reprodução do sistema.
Mas escolarização é o processo interativo
acionado pela forma cultural. Isso não se faz sem disciplina, o verdadeiro
lastro ideológico da escola. O sociólogo e educador Émile Durkheim sustentava a ideia liberal de uma "autoridade regular" a
quem caberia exercer a disciplina indispensável à moral, entendida como um
sistema de hábitos e preceitos. Este princípio é indissociável da educação
formal.
A isso se contrapõe a mídia contemporânea,
cuja forma ideológica, essencialmente neoliberal, pauta-se por persuasão. Por
mais que seus conteúdos editem apoios à educação e à ciência, ela é
estruturalmente avessa à autoridade escolar. Evidencia-se na lógica do
espetáculo e nas redes, onde jogos e anarquia informativa confirmam a crise
disciplinar e exacerbam a hostilidade à educação moral.
Árdua é a competição junto aos jovens entre
as formas disciplinares e as persuasivas. Estas últimas, com vantagem, guiam-se
pelo individualismo neoliberal, cujos parâmetros concorrenciais do
salve-se-quem-puder geram ansiedade, depressão e automutilação. Por outro lado,
a escola, modelada no século 19 ao modo do controle disciplinar e do púlpito, é
tanto objeto de afetos positivos como potencialmente virulentos, movidos pelo
rancor.
Nos EUA e no Brasil, a organização carcerária cresce na gestão de
corpos educacionalmente desamparados, mas fracassa em termos de reeducação e
reintegração social. Nos dois países, cresce também a construção de realidades
paralelas pelos sistemas de mídia. A ponte entre elas é o ódio, normalizado nos
últimos quatro anos pelo discurso do bestialismo antiescola e anticultura:
rastilho de contágio para massacres, já aceso por parte da sociedade eleitoral
com o voto extremista. As redes sociais, onde ignorância empodera, são o novo espaço
de desinvestimento das forças educativas. A mão que empunha a machadinha tem
partido e plataforma digital.
*Sociólogo, professor emérito da UFRJ, autor, entre outras obras, de “Pensar Nagô” e “Fascismo da Cor”
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