Folha de S. Paulo
Boa avaliação de governantes reflete
fidelidade a compromissos eleitorais
Todo governante, seja ele presidente,
governador ou prefeito, tem como "core" da avaliação do mandato a
percepção pela opinião pública do seu empenho no cumprimento das principais
propostas apresentadas na campanha eleitoral. Uma primeira impressão disso é
fotografada nos 100
dias de gestão. Mas por que não 60, 90 ou 120 dias?
Franklin Delano Roosevelt inventou essa marca. Seus 100 dias se deram em 12 de junho de 1933, mas foi somente em 25 de julho que chamaria atenção para "os primeiros 100 dias que foram devotados a pôr em movimento as rodas do New Deal". Ele se referia à avalanche de leis aprovadas no Congresso dos Estados Unidos em ritmo vertiginoso, algumas tramitando em um único dia na Câmara e no Senado. Todas voltadas à promessa síntese que o levara à Presidência: vencer a Grande Depressão que se arrastava desde 1929. A largada do seu governo correspondeu à expectativa dos americanos. E esse marco temporal virou referência obrigatória para qualquer governante mundo afora.
Pesquisas de diferentes institutos
mostraram que os eleitos no pleito passado apareceram bem na foto deste
momento. Lembrando que, se formos comparar a avaliação ou a aprovação de
governantes (que a rigor são coisas distintas, medidas por perguntas
diferentes) com os resultados eleitorais obtidos antes pelos mesmos, devemos
usar os percentuais relativos ao total do universo (eleitorado). Os dados das
urnas precisam dizer respeito ao total do eleitorado, não aos votos válidos
anunciados pelo TSE na apuração.
Lula teve 38%
de ótimo/bom no Datafolha, parecidos com os 39% apontados pelo Ipec, que
lhe deu ainda 53% de aprovação. O Datafolha não faz essa pergunta, mas indagou
sobre o restante do mandato e colheu número próximo, um ótimo/bom de 50%.
Quanto o presidente obtivera no segundo
turno? 38,6% do total, contra 37,2% de Bolsonaro.
Comparadas as pesquisas de agora com as urnas, é óbvio que o desempenho de Lula
foi bastante positivo. A que se deve isso? Seu governo pôs em marcha a maior
parte dos compromissos repetidos na TV e nas redes durante a campanha: Bolsa
Família de R$ 600 mais R$ 150 para as crianças de até 7 anos; salário
mínimo com aumento real; Minha Casa,
Minha Vida de volta; povos
indígenas empoderados; combate
ao garimpo ilegal; reinserção
do país no cenário internacional. E a defesa da democracia, que ganharia
relevo após o 8 de
janeiro.
Os críticos cobram "novidades",
mas a tônica da campanha foi a reconstrução de programas que Jair Bolsonaro
havia posto abaixo. E o conteúdo do "mandato" se situou na dimensão
social "lato sensu". Fica faltando a "picanha
aos domingos", metáfora para a melhora da economia. Roosevelt pôde
festejar indícios de recuperação ainda em 1933. Mas seu desafio foi facilitado
por uma maioria democrata de 60% na Câmara e de 65% no Senado.
Governadores que buscaram ser fiéis aos
seus compromissos conquistaram resultados semelhantes. Vejamos dois exemplos de
partidos diferentes. O governador paulista, Tarcísio
de Freitas (Republicanos), marcou
44% de ótimo/bom no Datafolha. Nada mal para quem obteve no segundo turno
sobre o total do eleitorado 38,9% ante 31,5% de Fernando
Haddad (PT). E comemorou um patamar de ruim/péssimo muito baixo
(11%). Raquel
Lyra, tucana pernambucana, primeira mulher a dirigir o estado, também
cresceu.
Recebeu 63,1% de aprovação no Recife,
conforme o Paraná Pesquisas. No segundo turno havia alcançado 52% na capital.
Tarcísio, desde a composição da equipe, não poupou acenos à base que o elegeu,
festejou as privatizações e se firmou como direita
moderada e democrática. Raquel, por seu lado, não descurou em simbolizar
insistentemente o compromisso de mudanças que a levou ao poder.
Houve, como sempre ocorre, toda sorte de
problemas, tragédias e escorregões retóricos, além dos atropelos políticos. Mas
essas dificuldades não se sobrepõem —na ótica do eleitor— à avaliação da ação
efetiva dos governantes. Nos 100 dias, se ele percebe que os recém-vitoriosos
estão se esforçando para pagar as promessas, dobra sua aposta, reiterando apoio
nas pesquisas. E mesmo alguns dos que não votaram nos vitoriosos se somam ao
otimismo.
*Cientista político, é presidente de honra da Abrapel (Associação Brasileira de Pesquisadores Eleitorais)
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