Folha de S. Paulo
À beira de grandes votações, governo lida
com Congresso forte, de direita e em mudança
Enfim nos demos conta de que Luiz Inácio
Lula da Silva (PT) terá
os problemas de sempre, de qualquer governo, para formar algum tipo de coalizão
no Congresso. Lula terá os problemas de sempre e os mais recentes, pois não são
lá novos: resultam de uma transformação em curso desde 2013 e em marcha forçada
desde 2018.
A formação de dois blocos de partidos na Câmara causou certa impressão e inflamou a discussão do que será Lula 3 no Parlamento. A criação desses agrupamentos, de 173 e 142 deputados cada, não quer dizer, necessariamente, que o governo terá mais ou menos oposição. Quer dizer que o governo tem cada vez menos influência sobre a organização de alianças em um Congresso com cada vez mais poder desde 2015.
O segundo alerta veio da onda pública de
demandas e críticas dos parlamentares, agora que se aproximam as primeiras
votações decisivas. À beira dessas decisões importantes, ainda falta muita
distribuição de cargo, reivindica-se redistribuição de recursos entre
ministérios e pede-se apoio do governo para a ocupação de postos em comissões e
relatorias.
Na semana que passou, a grita foi geral,
vide a reação às mexidas do governo na lei do
saneamento, ataques ao plano de impostos ("reonerações"),
demandas em estatais, Funasa, Conab e o diabo.
Tudo isso é o arroz com feijão do negócio
da coalizão. Mas lidar com tais assuntos na nova configuração do Congresso é
mais difícil.
Não é por acaso que, desde 2016, volta e
meia recorremos a expressões como "parlamentarismo branco",
"semiparlamentarismo" e "parlamentada" (ou
"golpe") ou ouvimos propostas de "semipresidencialismo"
(Michel Temer). Os termos descrevem de modo precário a impressão correta de que
o Congresso manda mais, pode mais e quer mais.
O Congresso centrão-direitista depôs Dilma
Rousseff, começou o acordão para conter o movimento anticorrupção e
atraiu os liberais na economia mas boçais na política. Essa turma liderava o
governo em que Michel Temer ocupava um tanto o papel de premiê e outro tanto de
rei da Inglaterra. Nas pessoas de Arthur Lira e de Rodrigo Pacheco, era o
regente de Jair Bolsonaro, ocupado com o golpe.
Tudo isso é sabido, mas ainda mal pensado.
Também é sabido o fim do sistema partidário de 1994-2014, organizado pelo PT e
pelo PSDB.
É evidente a ascensão dos partidos do centrão negocista ao posto de forças
maiores do Congresso, assim como a direitização do Parlamento, em particular em
2022, ou das prefeituras (vide 2020). Por vezes, fica-se com a impressão de que
Câmara e prefeituras se transformam nos cartórios de caciques, clãs e elites
regionais, essa massa cinza de centrão que manda na política.
Contando partidos aliados na eleição com
aqueles que ocupam ministérios, Lula teria 283 votos na Câmara. Essa conta é
sempre ruim, pois há recalcitrantes na coalizão e votos a adquirir na oposição.
Mas há partido com muito ministério (União Brasil) que não se diz governista
nem poderá sê-lo (pois cheio de bolsonaristas). Por outro lado, a oposição ou
os não-governistas estão desorientados: não se sabe quem adere a Lula ou fica
no barco da direita, rumo a 2024 e 2026.
De resto, embora os partidos sejam cada vez
mais máquinas burocráticas de oligarquias regionais (e de pastores, fazendeiros
e militares), sem outra articulação social maior, essas organizações são
mais "liberais"
ou de extrema
direita. Problema para a esquerda.
Enfim, há menos recursos para adquirir
apoios no varejo. Há menos cargo em estatal (talvez por isso também o governo
queira bulir com isso). O Congresso tem mais recursos líquidos e certos. O
Orçamento federal tem menos dinheiro livre.
Não é uma situação fácil de resolver.
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