O Estado de S. Paulo
Tradição brasileira é de neutralidade, mas Lula se alinha à China e se distancia dos Estados Unidos
A ida à China, aproveitando o amplo leque de
ofertas da segunda maior potência do mundo e principal parceira comercial do
Brasil, foi importante. Porém, não está exatamente claro o que o presidente
Lula pretende com um alinhamento cada vez mais ostensivo com a China e as
caneladas nos Estados Unidos durante a viagem. Com sinal trocado, Lula repete
Bolsonaro: um batia na China; o outro, nos EUA.
Lula 3 quer não só replicar, como aprofundar a política externa do Lula 1 e 2, pautada pelo enfrentamento a um “mundo unipolar”, ou seja, pelo anti-imperialismo ou, para dar nome aos bois, pelo antiamericanismo. Os Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e depois África do Sul) são o grande marco dessa estratégia.
A tradição brasileira é de neutralidade e
diálogo em todas as frentes, mas os sinais são de alinhamento com a China e de
distanciamento dos EUA, num momento em que as duas potências disputam hegemonia
econômica e política e se opõem na guerra da Ucrânia. A China é pró-Rússia, a
invasora. Os EUA armam a Ucrânia, a invadida.
O que o Brasil ganha em trocar um “mundo
unipolar” por outro, uma potência por outra? Segundo diferentes linhas da
diplomacia, o melhor é tirar proveito da disputa em favor dos interesses
nacionais, lembrando da “personalidade” da China, audaciosa, invasiva e
conveniente para negócios e investimentos, e dos EUA, que, bem ou mal, são a
grande democracia.
É ótimo que Lula traga na bagagem acordos e
intenções nas áreas de satélites, veículos elétricos, agronegócio,
infraestrutura, saúde e ambiente, mas é péssimo que tenha incluído, a cada
momento, um recado malcriado para o presidente Joe Biden, parceiro fundamental
na defesa da democracia. Até porque ambos foram, ou são, alvos.
Lula poderia tratar do real e do yuan sem
um discurso ácido contra o dólar, que soou não como ataque a uma moeda, mas à
maior potência ocidental. E poderia visitar a Huawei sem provocar os EUA, que
veem a estatal como instrumento chinês para dominar o mundo: “Ninguém vai
proibir o Brasil de aprimorar sua relação com a China”, bradou Lula, de cara
feia.
E ele citou diretamente os EUA com o
secretário-geral do Partido Comunista, lembrando que se aliou à China contra
EUA e Europa na Conferência do Clima em 2009, e com jornalistas, ao falar de
Ucrânia: “É preciso que os EUA parem de incentivar a guerra e comecem a falar
em paz”. Mais uma canelada.
Aliás, o “clube da paz” parece não ter caminhado na China. Agora é ver como evolui com o chanceler russo, Serguei Lavrov, amanhã, em Brasília, fechando o círculo Brasil, China e Rússia. Ou seja, dos Brics.
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