Revista Veja
Falta na educação a atenção que dedicamos ao Carnaval
Todo ano o Brasil se deslumbra com o desfile das escolas de samba. Além da emoção pela arte, o espectador se empolga com a engenharia e a gestão. É raro empreendimento mundial capaz de mobilizar milhares de figurantes em complexa coreografia, em tempo exato, movendo veículos, edifícios, esculturas, tudo em perfeita sincronia, graças a engenheiros, inventores, artistas e mecânicos trabalhando de forma organizada ao longo de meses. O observador se deslumbra com a arte e a técnica e se orgulha de ser compatriota do genial grupo. Contudo, quase ao mesmo tempo da celebração carnavalesca, deu-se o anúncio do Censo Escolar, retrato da má qualidade e desigualdade de outras escolas — as de nossas crianças.
Sonhando com um Brasil melhor, o observador
se pergunta por que nossa capacidade não é usada para compor e executar uma
sinfonia escolar: pôr todas crianças em um sistema educacional de base com
máxima e idêntica qualidade. Fazer a apoteose de um país educado: economia
eficiente com alta produtividade, inovadora e competitiva; a sociedade
organizada de maneira justa, conforme o talento desenvolvido por cada
brasileiro durante sua formação; sociedade harmônica, sem pobreza, nem
violência, com instituições democráticas sólidas.
“O Censo mostra que poucos concluem o ensino
médio com a qualidade que o mundo atual requer”
O Brasil dispõe dos recursos necessários para
realizar esta sinfonia escolar: um idioma comum, território integrado, 2
milhões de professores em quase 200 000 escolas, 8 milhões
de alunos em universidades, extensiva rede de comunicações,
programas nacionais de merenda, livro didático e transporte
escolar. Falta o entusiasmo e o prazer pela educação que sentimos pelo
Carnaval. Somos carnavalescos, não educacionistas.
Não seria difícil formular e implantar um
sistema nacional para educação de base com máxima qualidade para todos. Se
tivéssemos pela educação o mesmo entusiasmo e motivação que sentimos pelo
Carnaval, a implantação desse sistema seria mais fácil do que organizar a festa
do Sambódromo. O problema não está na falta de recursos ou de capacidade de
gestão, está na falta de vontade nacional entre eleitores e eleitos, de
estadistas educacionistas, como já tivemos abolicionistas e
desenvolvimentistas. Tanto quanto o Carnaval, o futebol encanta o Brasil, que
por isso busca ser o melhor do mundo, não nega bola a pobre ou rico, porque não
quer desperdiçar o mérito de nenhum brasileiro. Mas não sentimos o desejo de
ganhar campeonato mundial de educação, e temos ainda menos vontade de assegurar
escola com a mesma qualidade para todos.
Não valorizamos o potencial de cada
brasileiro ao nascer, para quando educado construir um país mais rico, justo e
sustentável. Falta o ânimo nacional, e, além disso, a parcela rica teme o fim
da proteção assegurada pela desigualdade escolar. Aceita-se com naturalidade um
sistema escolar sem qualidade e brutalmente desigual, deixando que a maior
parte da população seja analfabeta para a contemporaneidade. O Censo Escolar
mostra que poucos concluem o ensino médio com a qualidade que o mundo atual
requer. Por isso não canalizamos nossa criatividade para compor a peça
sinfônica escolar que o Brasil necessita desde nossa origem.
*Publicado em VEJA de 1º de março de 2024, edição nº 2882
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