O Globo
O Estado regula a atividade econômica como um
todo, não esta ou aquela empresa. Concede licenças, fiscaliza, cobra impostos
Já aconteceu uma vez. Lula conseguiu
derrubar um presidente da Vale, Roger Agnelli, porque ele cometera a ousadia de
encomendar navios de grande porte na China. Isso foi em
2011, quando Dilma já estava no Planalto, mas Lula cultivava uma longa bronca
com o executivo. Este tocava a Vale — imaginem! — como se fosse uma empresa
privada.
Como hoje, Lula queria uma companhia que se
alinhasse com os planos do governo. Que comprasse insumos no mercado nacional,
mesmo que fossem piores e mais caros, e que partisse para a produção de aço, o
que desviaria recursos e energia do negócio principal, a mineração.
Tem mais: o governo petista estava empenhado em mais uma tentativa de construir navios no Brasil e contava com a Vale como compradora fiel. E Agnelli adquiriu não um, mas três enormes navios em estaleiros chineses, de capacidade internacionalmente reconhecida.
Se tivesse esperado pela indústria
brasileira, a Vale estaria até hoje — desculpem — a ver navios. Na ocasião,
Lula e Dilma apelaram para o então presidente do Bradesco, Lázaro Brandão, que
indicara Agnelli. E assim caiu o executivo que, em dez anos, transformara a
Vale numa multinacional, a segunda mineradora global, multiplicando o lucro por
dez.
A Vale estava privatizada desde 1997, mas,
como se viu, ainda estava à mercê de ações oportunistas do governo de plantão.
Por isso, em 2021, depois de um longo processo, os acionistas transformaram a
Vale numa corporation — uma sociedade anônima genuína, sem blocos de controle.
Para Lula, não mudou nada. Ele continua
achando que a empresa precisa “estar de acordo com aquilo que é o pensamento de
desenvolvimento do governo brasileiro”. Não apenas a Vale, mas todas as
empresas brasileiras, disse o presidente.
Trata-se de uma barbaridade. As empresas se
relacionam com o Estado, não com os governos. O Estado regula a atividade
econômica como um todo, não esta ou aquela empresa. Concede licenças,
fiscaliza, cobra impostos e royalties.
Governos têm planos partidários, que mudam a
cada eleição. Lula queria que a Vale fabricasse aço. Imaginem que a empresa
topasse a determinação e investisse pesado nesse negócio. Aí troca o governo, e
este decide que o investimento prioritário não é fabricar aço, mas produzir
baterias de carros. A empresa teria de se desfazer das usinas e começar tudo de
novo.
Dirão: então para que serve ser governo, se
não manda nada? Manda. O governo pode estimular um setor, concedendo subsídios
para a indústria automobilística, mas não pode dizer às montadoras que carros
devem produzir. Mais: nem pode obrigar as empresas a tomar os subsídios.
Lembram a velha história? Você pode levar o cavalo até a beira do lago, mas não
consegue obrigá-lo a beber água.
As ações da Vale estão em queda desde o
início do ano. As últimas declarações de Lula prejudicam não apenas a Vale —
levando dúvidas sobre sua gestão —, mas geram desconfiança geral. A economia
brasileira foi bem no ano passado, mas não nos investimentos. Se o PIB cresceu
2,9%, o investimento caiu expressivos 3% em relação a 2022, que já não tinha
sido um bom ano. O consumo é PIB de hoje. O investimento é de hoje e amanhã.
Como o governo está com as contas exauridas,
o país necessita de investimento privado. Para isso, o governo deve oferecer um
bom ambiente de negócios, de modo que as empresas se sintam confortáveis para
aplicar aqui.
Lula passa o recado contrário. A maioria dos
acionistas da Vale está no exterior. E todos têm perspectiva desfavorável
quando o presidente intervém numa companhia privada e anuncia que todas as
empresas aqui instaladas têm de rezar pela sua cartilha.
Sem contar que, com sua habitual
desinformação, Lula passou uma série de fake news sobre a Vale. Disse, só em
exemplo, que a empresa mais vende ativos do que produz minério. Errado: em
2023, a Vale produziu 321 milhões de toneladas de minério de ferro, quase 10%
acima de ano anterior. Vendeu ativo, mas comprou outros.
Mas quem se importa com fatos?
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