PIB positivo não deve obscurecer desafios do governo
O Globo
Ano começou com otimismo, mas economia ainda
depende do cenário externo e da agenda de reformas
O ano de 2024 começou com excelentes notícias
no campo econômico. A inflação cumpriu a meta em 2023 e tem ficado abaixo da
expectativa neste ano. O desemprego caiu ao menor nível na última década. A
arrecadação do governo bateu recorde e contribuiu para as contas públicas
fecharem janeiro com superávit. Até a meta fiscal de déficit zero, antes
considerada inviável, entrou no radar dos analistas de mercado (embora dentro
da margem de tolerância de meio ponto percentual do PIB). Para completar, o
IBGE divulgou ontem o resultado oficial de crescimento da economia no ano
passado: 2,9%. Há indiscutivelmente motivos para comemorar, e todas as
projeções para este ano têm sido revisadas para melhor.
O clima positivo reflete o trabalho competente do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Ele conquistou a confiança do mercado financeiro ao encarar com seriedade o desequilíbrio nas contas do Estado brasileiro. Este será o primeiro ano de teste do novo arcabouço fiscal, e Haddad conta com dois fatores favoráveis. O primeiro é a disciplina férrea com que o Banco Central tem conduzido o controle inflacionário, a despeito de todos os ataques que sofreu do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A política monetária propiciou crescimento e queda no desemprego sem trazer risco para a inflação. O segundo é o cenário de desinflação global, com perspectiva de queda de juros nos Estados Unidos. Apesar de tudo isso, é preciso cautela na comemoração.
Um terço do resultado de 2023 se deve ao
crescimento de 15,1% da agropecuária, impulsionado pela produção recorde de
soja e milho. Embora a previsão para este ano seja positiva, nestes tempos de
eventos climáticos extremos não é possível contar com segurança que as
condições favoráveis de uma safra se repitam na seguinte. Na esteira da
agropecuária, as exportações subiram 9,1%, também ajudadas pela recuperação da
economia no exterior. A qualquer turbulência externa, porém, o resultado pode
se deteriorar.
O crescimento de 3,1% no consumo das famílias
reflete basicamente o controle da inflação, que permitiu à população gastar
mais. Essa alta resultou também da expansão na política de transferência de
renda, que abandonou o foco nos miseráveis, deteriorando a qualidade do gasto
público.
O desafio fiscal persiste, e o governo
depende, para dar continuidade à agenda de reformas econômicas, de um Congresso
cuja voracidade não dá trégua. A percepção positiva diante do novo arcabouço
fiscal e da reforma tributária pode facilmente ser revertida caso essa agenda
fique emperrada. Isso traria dificuldades para o financiamento da dívida
pública, com pressão sobre a taxa de juros e o crescimento.
Há, por fim, questões que demandam tempo e a
consolidação dessa percepção positiva. A principal é a taxa de investimento em
produção e infraestrutura. No ano passado, ela ficou em 16,5% do PIB, ante
18,8% em 2022. Há muito o que melhorar. Para qualquer economia obter
crescimento sustentado de 5% ao ano, ela precisa investir no mínimo 25% do PIB.
Nenhuma decisão voluntariosa de governo conseguirá isso. Os investimentos só
voltarão a crescer com a persistência de uma política econômica equilibrada,
que torne o país atraente para os empresários. Por tudo isso, não será uma
surpresa se, apesar de todo o otimismo, o crescimento neste ano ficar aquém do
registrado no ano passado.
STF consagra retrocesso ao definir critério
para demissão em estatais
O Globo
Ao criar uma nova figura trabalhista — o
“fundamento razoável” —, Corte cria incentivo à judicialização
Ao concluir o julgamento sobre a demissão de
empregados concursados de estatais, o Supremo Tribunal Federal (STF)
promoveu um recuo na legislação trabalhista. A Corte rejeitou o recurso de
funcionários do Banco do Brasil demitidos em 1997 que tentavam ser readmitidos,
mas determinou que os empregados concursados de empresa pública, mesmo que
estejam subordinados à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) como os
trabalhadores na iniciativa privada, só poderão ser demitidos com base em
“fundamento razoável” apresentado em “ato formal”.
Na prática, o STF lançou no mercado uma nova
figura nas relações trabalhistas, o “concursado de estatal”. E também instituiu
um novo tipo de demissão, distinta daquela prevista por justa causa na CLT. O
“concursado” é um híbrido. Não é estável como os funcionários públicos, mas não
será simples afastá-lo.
O resultado vai contra a tendência de tornar
as regras trabalhistas mais flexíveis na contratação e na demissão, dando mais
peso ao entendimento entre patrões e empregados, como forma de incentivar a
geração de empregos. Um avanço nessa direção foi a reforma trabalhista de 2017,
em que acordos entre empregadores e funcionários passaram a valer mais que
determinações anacrônicas da CLT, sem prejudicar direitos fundamentais como
salário mínimo ou férias. A simplificação reduziu brutalmente o volume de ações
trabalhistas, contribuindo para melhorar o ambiente de negócios no Brasil.
O voto vencedor, do presidente do
Supremo, Luís Roberto
Barroso, foi seguido pelos ministros Edson Fachin, Cristiano Zanin,
André Mendonça, Dias Toffoli e Cármen Lúcia. Ficou também decidido que o
julgamento tem “repercussão geral”. Todas as instâncias da Justiça precisam
seguir agora a tese do “fundamento razoável”, que impõe mais uma obrigação
burocrática a engessar as relações trabalhistas. “Não haverá uma demissão não
judicializada. Todas serão, alegando desvio de finalidade, mesmo que não haja”,
afirmou o relator, ministro Alexandre de
Moraes, autor do voto vencido, seguido pelos ministros Gilmar Mendes
e Nunes Marques. Não importa que a decisão do STF só valha para o futuro.
Sempre será possível contestar o “fundamento razoável” alegado como motivo para
a demissão.
Moraes argumentou, com acerto, que a
exigência de concurso em estatais tem o objetivo de garantir o amplo acesso à
empresa e evitar favorecimentos. Não tem nenhuma relação com estabilidade no
emprego, como acontece na máquina pública. Não se pode, disse ele, “confundir a
porta da saída com a porta da entrada”. Estatais que demonstram alguma
eficiência usam critérios técnicos na contratação de pessoal. Dificultar
demissões, ainda que elas contratem pela CLT, é transpor para as empresas
públicas algo da cultura de ineficiência que emperra as repartições públicas.
Eis o resultado da decisão do Supremo.
Com queda do juro, PIB pode retomar expansão
Folha de S. Paulo
Economia ficou estagnada na segunda metade de
2023, mas tende a reagir; governo ajudará se reforçar controle dos gastos
Com estabilidade no quarto trimestre, a
economia brasileira fechou o ano
passado com crescimento de 2,9%, um resultado próximo das projeções
mais recentes —e bem superior às iniciais.
A perspectiva para este 2024 é moderadamente
positiva, com aceleração esperada nos próximos meses conforme avancem os cortes
dos juros do Banco Central, mas há desafios pela frente.
Houve avanço de 1,28% na indústria,
concentrado no setor extrativo e na construção civil, ambos com alta superior a
4% no trimestre. Em 2023, os dois setores subiram 8,7% e 6,5%, respectivamente,
um bom desempenho.
Em contrapartida, a indústria de
transformação teve queda de 0,2% no trimestre e de 1,3% no ano, num quadro de
prostração que já vem de muitos anos e não será revertido no curto prazo. A
conclusão da reforma dos impostos sobre bens e serviços é a ferramenta mais
poderosa para restaurar a competitividade do setor no futuro próximo.
Os serviços continuaram em evolução
paulatina, de 0,3% no último trimestre e 4,3% no ano. Aqui a ampliação da
renda, em parte impulsionada pelos programas sociais, foi um esteio importante.
A agricultura, por fim, caiu 5,3% entre
outubro e dezembro, mas teve expansão forte em 2023, de 15,1%, com o grande
aumento da safra.
Na perspectiva da demanda, o sinal positivo
foi o crescimento trimestral de 0,9% do investimento, o primeiro após três
quedas sucessivas. Dado o incremento da construção, intui-se que aportes nesse
setor e na infraestrutura foram determinantes, com o alto número de projetos em
andamento.
Depois de muito tempo em expansão, houve
pequena piora do consumo das famílias —que parece pontual, no entanto.
Tudo considerado, a expectativa da mediana
dos analistas pesquisados pelo Banco Central de uma alta do Produto Interno
Bruto de 1,75% neste ano é realista. Nela está embutida previsão de que a
economia, estagnada na segunda metade de 2023, passará por recuperação ao longo
deste 2024.
O menor crescimento projetado ante no ano
passado pode não configurar piora, uma vez que boa parte das boas notícias em
2023 veio da agricultura, ao passo que agora se espera um desempenho positivo
mais generalizado.
Esse deve ser o curso natural conforme caia a
taxa básica de juros, que deve chegar a 9,5% anuais ou menos até meados do ano.
Em tese, trata-se de um quadro favorável para consumo e investimentos.
O que o governo pode fazer é não atrapalhar a
redução dos juros e, idealmente, viabilizar quedas maiores. O melhor é reforçar a
disciplina no Orçamento e conter a escalada da dívida pública.
Obstáculo à lei
Folha de S. Paulo
Pasta da Saúde recua em nota que só dizia o
que Código Penal prevê sobre aborto
Bastou um dia para o Ministério da Saúde
suspender uma nota técnica, emitida na quarta (28), que afirmava não
haver limite temporal para a realização do aborto legal. A
informação é correta, mas a histeria bolsonarista na seara dos costumes entrou
em ação, e a pasta, infelizmente, cedeu à pressão.
Sabe-se que o tema da interrupção da gravidez
no Brasil implica ônus político. Para 32% da população, o aborto não deve ser
permitido em nenhuma situação, segundo pesquisa do Datafolha de 2022.
Contudo 39%
defendem a legislação atual, que o autoriza em casos de risco para a
vida da gestante, de estupro ou de feto anencefálico.
O documento do Ministério da Saúde somente
respaldava o que consta na lei e ajudava a derrubar obstáculos à prestação do
serviço, que são históricos e foram reforçados na gestão passada.
Em 2022, o governo Jair Bolsonaro (PL) lançou
um guia que, entre outros
aspectos obscurantistas, minimizava os riscos da gravidez na
adolescência e recomendava que o aborto legal não fosse realizado apos a 21ª
semana de gestação.
Os números revelam gargalos que dificultam o
acesso ao direito.
Toda relação com menor de 14 anos é
considerada estupro de vulnerável, mas levantamento da Folha com dados do SUS
mostrou que, em 2021, das 1.556 internações relacionadas a abortos na faixa
etária entre 10 e 14 anos, apenas 131 (8%) ocorreram por causas autorizadas,
como estupro.
Ademais, os 290 estabelecimentos que
realizavam aborto legal em 2021 estavam em apenas 3,6% dos municípios, de cordo
com estudo da Universidade de Santa Catarina.
A OMS estima que entre 4,7% e 13,2% das
mortes de grávidas no mundo sejam provocadas por abortos inseguros. Países de
baixa renda concentram 97% dessas práticas —3 de cada 4 interrupções são
inseguras na América Latina.
Saúde pública é uma área técnica e, como tal, não pode sofrer influências de ideologia ou religião. O governo precisa se basear em evidências científicas para proteger a vida das mulheres, principalmente as mais pobres, que constituem a maioria das vítimas dos obstáculos impostos ao aborto legal.
Gaza, um abismo moral para Israel
O Estado de S. Paulo
A calamidade no território ilustra a total
falta de compromisso do governo de Netanyahu com o alívio do sofrimento dos
civis palestinos e a construção de uma paz duradoura e sustentável
O incidente que deixou mais de cem palestinos
mortos no norte de Gaza na quinta-feira foi imediatamente tomado de assalto
pela guerra de narrativas. Testemunhas alegam que soldados israelenses
dispararam contra civis, matando alguns e detonando um estampido sangrento. O
Ministério da Saúde controlado pelo Hamas fala em 112 mortos e centenas de
feridos. As forças israelenses alegam que o estampido começou inadvertidamente,
e só após a multidão ameaçar um posto de checagem, deram tiros de advertência.
Sejam lá quais forem as responsabilidades
diretas pelo incidente, Israel é indiretamente responsável. O norte de Gaza foi
ocupado há meses. Mesmo que a tragédia não tivesse acontecido, os milhares de
palestinos empilhando-se por um punhado de farinha em torno dos caminhões –
fornecidos não por Israel ou agentes internacionais, mas por empresários
palestinos – são por si sós uma ilustração da anarquia instalada na região.
Sem prejuízo de prováveis crimes de guerra,
não se questiona a legitimidade da operação de Israel para neutralizar o
Hamas. Também não se questiona que o Hamas –
após drenar os recursos de Gaza para seus propósitos insanos, provocar a guerra
e utilizar táticas projetadas para sacrificar o máximo de seus conterrâneos –
tem sua parcela de responsabilidade em cada uma das mortes que aconteceram e
acontecerão. Ninguém pode ser pró-Palestina sem ser contra o Hamas.
Mas justamente porque Israel é um Estado
Democrático de Direito integrado à ordem internacional, e não uma entidade
terrorista, totalitária e genocida como o Hamas, sua responsabilidade é de
outra ordem.
O que Israel está fazendo para abrigar os
civis em campos de refugiados, garantir suprimentos ou reabilitar hospitais
destruídos? O que Israel está fazendo para arquitetar um mínimo de ordem e
resguardar direitos civis e humanos da população nos territórios ocupados? O
que está fazendo para construir uma paz duradoura com seus vizinhos?
O governo de Benjamin Netanyahu nega a
possibilidade de um Estado palestino e se recusa a apresentar uma estratégia
política – qualquer uma, mesmo de curto prazo. Após quatro meses, Netanyahu se
saiu com um documento de uma página com um plano genérico e irresponsável. Ele
torna claro que Israel manterá o bloqueio de Gaza e pretende gerir sua vida
civil. Mas a anomia do território contradiz essas intenções.
A janela de legitimidade da operação de
Israel se fecha rapidamente. Senadores norte-americanos discutem propor uma
legislação cortando o fluxo de recursos e armas a menos que ele apresente
soluções para a crise humanitária. Os
EUA e os aliados de Israel deveriam impor
pressão máxima para uma pausa e, se ela não for possível por causa do Hamas, é
preciso ficar clara alguma boa-fé de Israel.
Um modo de prová-la seria cooperar com
medidas emergenciais para fornecer suprimentos à população à beira da inanição.
O objetivo é maximizar entregas, seja por via aérea, terrestre ou marítima.
Isso aliviaria o desespero dos palestinos e dispersaria a entrega, evitando
concentrações caóticas.
Um gesto de boa vontade seria encaminhar
concertações para uma força de paz sob jurisdição da ONU. Ela ajudaria a
separar os civis de Gaza, evitando atritos com as forças israelenses. Nações
árabes, especialmente Jordânia e Egito, que têm boas relações com Israel e
laços culturais com os palestinos, poderiam compô-la. Além de proteger os
comboios de gangues e racionalizar a distribuição, essa concertação poderia ser
o germe de uma arquitetura para prevenir o retorno do Hamas e estabelecer uma
ordem civil sustentável. Mas, neste momento, o governo de Netanyahu é um
entrave a essas e outras soluções. Ele conta com a guerra para se manter no
poder.
Uma Palestina permanentemente ocupada
destruirá a democracia de Israel. Sem um Estado palestino, os israelenses serão
tragados por intermináveis ciclos de violência. Uma Palestina provisoriamente
ocupada sem ordem civil deixará os palestinos à mercê de máfias e de
terroristas, intensificando a instabilidade. Sem ajuda humanitária, Israel se
afastará cada vez mais dos valores judaicos, caminhando a passos firmes para o
abismo moral.
Trapalhada na Saúde eleva cobiça do Centrão
O Estado de S. Paulo
Avanço da PEC que amplia imunidade tributária
para templos, inclusive com apoio do governo, mostra o crescente poder dos
donos de igrejas, que fazem da fé um ativo para barganha política
Com apoio do governo federal, a Proposta de
Emenda à Constituição (PEC) 5/23, que amplia a imunidade tributária das
igrejas, foi aprovada pela comissão especial da Câmara encarregada de analisar
a matéria. A PEC 5/23, de autoria do deputado Marcelo Crivella
(RepublicanosRJ), sobrinho do notório bispo Edir Macedo, fundador da Igreja
Universal do Reino de Deus, seguiu para votação no plenário da Casa no dia 28
passado.
Se leram Eclesiastes 5:10, e é muito provável
que tenham lido, os líderes da poderosa bancada evangélica na Câmara decerto
não se comoveram com aquele versículo da Bíblia, que diz: “Quem ama o dinheiro
jamais terá o suficiente. Quem ama as riquezas jamais ficará satisfeito”. Pois
é assim, insaciáveis, que parecem se mover os deputados que abusam do mandato
ao subverter a representação política em trampolim para o enriquecimento – e
pior, por meio da exploração da religiosidade de milhões de brasileiros.
A Constituição já concede imunidade
tributária aos templos de qualquer credo no País como forma de garantir aos
cidadãos o direito fundamental à liberdade religiosa. Afinal, ninguém pode ser
privado de exercer plenamente a sua fé por falta de recursos financeiros para
manter de pé os seus locais de culto. Essa isenção tributária do livre
exercício da fé é uma coisa. Outra, muito distinta, é o que se pretende com
essa imoral, para dizer o mínimo, PEC 5/23.
O relatório do deputado Fernando Máximo
(União-RO), ao final aprovado, retirou da PEC 5/23 os partidos políticos e os
sindicatos como beneficiários da ampliação da imunidade tributária – o que
seria o insulto adicionado à injúria. Manteve, contudo, a vedação da cobrança
de impostos sobre “bens ou serviços necessários à formação do patrimônio, à
geração de renda e à prestação de serviços” por instituições religiosas de
qualquer credo. Como é público, são os representantes das igrejas de fé
evangélica os que mais têm se mobilizado pela aprovação da PEC 5/23 no
Congresso, a começar por seu autor.
Ora, o que são bens ou serviços essenciais
para a missão pastoral de cada igreja? Trata-se de algo tão impreciso que uma
avenida será aberta para toda sorte de privilégios, quando não para o
enriquecimento de um punhado de vendilhões. Podem significar desde a isenção de
impostos para compra de cimento necessário para uma obra numa determinada
igreja até a aquisição ou aluguel de automóveis de luxo ou jatinhos para os
deslocamentos de pastores. O céu é o limite nesse vale-tudo absolutamente
antirrepublicano.
Esse avanço sem sobressaltos da PEC 5/23
também é revelador da absoluta incompreensão do presidente Lula da Silva do que
seria uma legítima e esperada aproximação entre o mandatário e o chamado
segmento evangélico. Sendo esse segmento cada vez maior e mais articulado
politicamente, é claro que a parcela da população que se declara evangélica –
cerca de 30% dos brasileiros – deve merecer a atenção do presidente da
República, como quaisquer outras. O busílis é que Lula entende que se aproximar
dos evangélicos significa sacudir um saco de dinheiro diante dos que se dizem
seus líderes. E, em defesa do petista, deve-se dizer que não são poucos os
líderes evangélicos que se prestam a essa esperteza. Aproximação republicana
seria Lula ouvir e assimilar os legítimos interesses e valores dessa parcela da
população, não raro conflitantes com os apoiados pelos ditos progressistas.
É altamente improvável que os 308 votos
necessários à aprovação da PEC 5/23 não sejam obtidos no plenário. Em primeiro
lugar, porque, historicamente, os líderes da bancada evangélica não costumam
ter dificuldade em arregimentar apoios a questões de seu interesse. Em segundo
lugar, porque a PEC 5/23 avança no Congresso justamente no momento em que Lula
da Silva move mundos e fundos – sobretudo fundos – para se aproximar dos
evangélicos. E assim se perpetua esse mutualismo mundano, que só leva em conta
os interesses eleitorais do presidente e os interesses financeiros dos que
vivem de explorar a fé alheia.
Investimento pífio
O Estado de S. Paulo
Produto Interno Bruto cresce, mas taxa de
investimento está muito aquém do necessário para sua sustentação
O Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) confirmou oficialmente o que já se esperava para o
crescimento econômico em 2023. O Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 2,9%, o
que é um bom resultado, mas o investimento (identificado pela rubrica Formação
Bruta de Capital Fixo) caiu 3%. Por fim, a taxa de investimento em relação ao
PIB ficou ainda pior do que se esperava. O Monitor do PIB, da Fundação
Getulio Vargas, havia calculado 18,1%, o que já seria um resultado pífio para o
ano. Mas a medição do IBGE revelou uma relação ainda mais fraca, de 16,5%.
Há, de fato, o que ser comemorado no
resultado, devido em grande parte, como é notório, a um ano de excelência da
agropecuária, que chegou a superar 20% no primeiro trimestre e fechou 2023 com
alta recorde de 15,1%. Já a indústria e os serviços, setores de maior peso no
PIB, mantêm desempenhos raquíticos. Por isso, não basta comemorar o saldo
“maior que o previsto”, como fez o presidente Lula da Silva em rede social. É
preciso que a segunda parte de sua declaração, em que prometeu “trabalhar para
crescer com qualidade”, seja real.
Por enquanto, não é. Crescer sem uma taxa de
investimento qualificada – que, no caso brasileiro, corresponderia a 25% para
equilibrar crescimentos anuais de 3% a 4% – é caminhar de lado, sujeito a
retrocesso a qualquer sopro de dificuldade. É o que o Brasil tem experimentado
sucessivamente com os chamados “voos de galinha”. O País precisa mais do que
esses soluços. Precisa avançar de forma constante por, ao menos, duas décadas,
para mudar de patamar.
Além do agro, o consumo das famílias também
contribuiu de forma significativa para o saldo de 2023, com avanço de 3,1%.
Seria uma notícia excelente se a roda da economia estivesse girando basicamente
apoiada na engrenagem do rendimento do trabalho e da elevação da produtividade.
No entanto, vem acompanhada da elevação expressiva no volume de transferências,
como o Bolsa Família.
Obviamente, são programas sociais necessários
na perseguição de metas de redução das desigualdades. Mas não podem ser o
principal vetor de aumento do consumo, sob pena de levar à inflação. É uma
conta simples: uma economia que cresce sem elevar de forma substancial sua
produção gera inflação. Não é um crescimento com qualidade.
O início de 2024 já deixa claro que o
agronegócio não será o ponto fora da curva que foi em 2023, embora mantenha
resultados ainda robustos. Caberá à indústria, base produtiva e principal
parâmetro da competitividade do País, e ao setor de serviços, maior empregador
e também o maior componente de peso no PIB, a tarefa de buscar a
sustentabilidade do crescimento. Levando em conta o resultado de ambos em 2023
(altas de 1,6% e 2,4%, respectivamente), a conclusão é que há muito a ser
feito.
Investir é o meio mais eficiente de empurrar a economia – sobretudo em infraestrutura, o que exige participação prioritária do Estado, mas também em competitividade e inovação, para que a indústria saia do marasmo de décadas, e em planejamento e segurança jurídica e fiscal.
Dengue, uma luta de todos
Correio Braziliense
Até agora, em todo o país, foram registrados
1.017.278 casos prováveis de dengue e 214 mortes confirmadas pela doença.
Outros 687 óbitos estão sendo investigados. É um cenário muito grave. Esses
estados e o DF decretaram "estado de emergência", assim como 154
municípios
Em parceria com estados e municípios, o
Ministério da Saúde promove hoje o Dia de Combate à Dengue. São ações de
orientação para a população evitar a disseminação da doença, que está fora do
controle no Distrito Federal e mais seis estados: Acre, Goiás, Minas Gerais,
Espírito Santo, Santa Catarina e Rio de Janeiro. Até agora, em todo o país,
foram registrados 1.017.278 casos prováveis de dengue e 214 mortes confirmadas
pela doença. Outros 687 óbitos estão sendo investigados. É um cenário muito
grave. Esses estados e o DF decretaram "estado de emergência", assim
como 154 municípios.
Ninguém está livre de contrair a doença, a
não ser os vacinados. O vigor físico não protege contra a dengue, embora
aumente a resistência e favoreça a recuperação. A faixa etária dos 30 aos 39
anos responde pelo maior número de ocorrências de dengue no país, seguida pelo
grupo de 40 a 49 anos e de 50 a 59 anos. Dos casos notificados, 55,4% são de
mulheres e 44,6% de homens. Enquanto Minas Gerais registra o maior número de
casos, com 352.036 notificações, o Distrito Federal tem a maior incidência da
doença: 3.612,7 casos por 100 mil habitantes. No momento, em nível nacional, o
coeficiente é de 501 casos para cada grupo de 100 mil habitantes.
A ministra da Saúde, Nísia Trindade, anunciou
que o Brasil poderá ter, neste ano, o dobro de casos de dengue registrados em
2023, que chegou a 1.658.816 casos. Em Brasília, segundo o governador Ibaneis
Rocha, as redes de saúde da capital, tanto a pública quanto a privada, entraram
em colapso no atendimento. Os principais sintomas relacionados à dengue são
febre alta de início repentino, dor atrás dos olhos, mal estar, prostração e
dores no corpo. O vírus é transmitido ao homem pela picada de fêmeas de Aedes
aegypti infectadas.
A dengue não é como uma gripe trivial, mata.
É muito grave quando se apresenta na forma hemorrágica. O acompanhamento médico
é indispensável, o que exerce forte pressão sobre o Sistema Único de Saúde.
Controlada a covid -19 pelas vacinação em massa, passou a ser o principal e
mais urgente problema de saúde pública do país. Não há vacinas em quantidade
suficiente para todos. Nos países tropicais, as condições ambientais facilitam
a proliferação do mosquito transmissor da doença.
O desenvolvimento e a proliferação do Aedes
aegypti exigem atenção redobrada das autoridades, porém, não são uma
responsabilidade apenas dos governos e seus órgãos de saúde pública. Sem
colaboração e mobilização da sociedade é impossível conter a epidemia. Além de
eliminar os focos dentro de casa e nos quintais, é preciso verificar se as
caixas d'água estão completamente vedadas, porque o mosquito gosta de água
limpa. Nosso sistema de distribuição de água por bombeamento é descontínuo e,
por isso, exige armazenamento, o que seria desnecessário se o abastecimento
fosse por gravidade e contínuo, como acontece na maioria dos países.
Além da mobilização das famílias, as
comunidades devem se organizar para cuidar das áreas comuns; de igual maneira,
as empresas devem cuidar de suas instalações e arredores, ajudar as comunidades
com as quais convivem, porque seus funcionários também são afetados pela
pandemia.
Também estamos empenhados no combate à dengue, por meio da realização de eventos e debates, como o seminário Dengue, uma luta de todos, realizado quinta-feira, no auditório de Correio. Além da intensa cobertura da epidemia, publicamos matérias educativas para auxiliar os esforços das autoridades e da sociedade.
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