Valor Econômico
Conflitos armados, eleições, crime organizado
e acomodação das cadeias produtivas dão o tom do ano, aponta relatório
A economia global deve enfrentar um ano de
inflação e incerteza e ao mesmo tempo algum crescimento - e muitos riscos no
horizonte. A guerra entre Rússia e Ucrânia, já entrando no terceiro ano, e o
conflito entre Israel e Hamas são dois ingredientes importantes nessa receita.
Essa é a previsão do relatório O Mundo em 2024, sobre as tendências e os
desafios que devem influenciar o cenário da segurança neste ano. O relatório
foi publicado em fevereiro pela empresa especializada em riscos Prosegur
Research, da Espanha.
O documento passeia por temas como segurança, cibersegurança, tecnologia e meio ambiente. No capítulo econômico, os autores citam a previsão do Fundo Monetário Internacional de que a maioria dos países enfrentará inflação acima das metas - formais ou não - ao longo deste ano, bem como a previsão de aumento da dívida pública em muitos deles - Brasil incluído.
O relatório traz um exemplo: na média de 30
economias asiáticas emergentes, a dívida pública passou de 59% do PIB em 2019 -
antes, portanto, da crise mundial da covid-19 - para uma projeção de 80% em
média este ano. No Brasil, as projeções do Boletim Focus indicam que a dívida
líquida possa chegar a 63,7% do PIB este ano, seguindo em alta até pelo menos
2027.
Na visão dos autores do relatório, esse
cenário sugere a formação de crises econômicas e sociais em muitos países, com
potencial para agravamento nos próximos anos.
Esse movimento vem na esteira da
reorganização das cadeias globais de produção, fenômeno que começou com a
pandemia, se intensificou em 2023, mas não está de todo consolidado, sugere o
relatório.
É o tipo da situação que enseja movimentos
protecionistas, com busca por fornecedores locais ou geograficamente próximos e
politicamente alinhados.
Ainda que não seja um movimento completo de
“desglobalização”, a reoganização entre fornecedores e compradores tende a
causar alguma turbulência no comércio internacional, reduzindo fluxos antes
bem-estabelecidos, gerando buracos nas trocas comerciais e eventualmente
causando desabastecimento em alguns setores e países.
O documento aponta, por exemplo,
investimentos mais intensos na Coreia do Sul que na China para produção de
semicondutores como parte desse movimento. Esse deslocamento da produção de
bens e serviços tende a ocorrer em outras partes do mundo, conforme necessidades
de novos arranjos e características locais de produção.
O relatório prega que o encorpamento do
Brics, com a adesão de países, também indica um fortalecimento dos blocos não
necessariamente próximos geograficamente, mas com objetivos econômicos comuns -
ainda que haja disputas veladas de poder dentro do grupo. De acordo com os
autores, os integrantes do Brics “parecem estar avançando em frentes comum,
entre os quais está o aprimoramento de moedas nacionais em transações para
reduzir dependência excessiva do dólar americano”.
O documento também destaca a volta à cena dos
criptoativos, depois das perdas de 2021 e 2022. Há a expectativa que esse tipo
de ativo viva uma nova “primavera”, com valorização e aumento do interesse
público, ainda que seja um ano de divisão do valor pela metade.
Em conversa com o Valor na semana
passada, o professor Paulo Vicente do Santos Alves, da Fundação Dom Cabral, fez
uma análise com algumas semelhanças, mas em cenário menos ameaçador. Ele prevê
tensão no ambiente geopolítico causada por uma quase guerra fria na esteira dos
conflitos armados e hostilidades manifestadas por China contra Taiwan e a
perspectiva de os Estados Unidos deixaram um pouco o cenário global de lado,
caso Donald Trump seja eleito em outubro - possibilidade cada vez mais
provável.
Santos Alves vê uma economia em aquecimento,
rápido desenvolvimento de setores ligados às tecnologias do momento, como
eletricidade, mas ainda com boa expansão do setor de óleo e gás, eletrônica e
transformação digital, que, na sua visão, serão geradores de emprego. Projeta
também a intensificação do “near shore” nas cadeias de suprimentos.
O professor projeta que 2024 marca o início
de um período de otimismo na economia mundial, que deve seguir numa crescente
até o fim do ano, quando as eleições, principalmente nos Estados Unidos, devem
dar o tom.
Nas questões sociais, o destaque do relatório
da Prossegur é para a ascensão do crime organizado. O fenômeno que toma conta
do Brasil tem também dimensão global. Segundo o texto, o aumento e a
diversificação de golpes afeta especialmente as empresas.
Além dos conflitos armados com poder de
impactar diretamente a economia, o texto cita outros fatores de instabilidade
geopolítica, como o crescimento do número de refugiados que precisam de
assentamento (cerca de 2,4 milhões de pessoas, 20% a mais que em 2023).
Há também perspectiva de mudança do espectro
político, com eleições em 70 países, dos quais cerca de 4 bilhões de pessoas,
metade da população do planeta, estão aptos a votar.
www.prosegurresearch.com
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