Estado de S. Paulo
A operação foi declarada morta e enterrada, mas seu fenômeno político persiste
O sepultamento jurídico da Lava Jato foi
consumado bem antes de a operação completar agora seus dez anos. O enterro
político tem se revelado mais difícil.
No lado jurídico, a derrota da Lava Jato
apresenta aspectos específicos do campo do Direito, resumidos na frase “não se
deve cometer crimes para combater crimes”. Mas envolve uma monumental disputa
entre poderes institucionais: qual deles exerceria uma “tutela” sobre sociedade
e política.
Como supremo poder, o STF se sentiu acuado e atacado pela Lava Jato e pelo Ministério Público (nem se trata dos rumores em torno de uma “Lava Toga”). Afinal, quem “faz história” e protege uma sociedade hipossuficiente, a que não é capaz de se defender sozinha?
Em parte é a esse entendimento que o STF
chegou quanto ao seu papel mais geral. Por ironia, era também o entendimento
dos expoentes da Lava Jato quanto ao seu papel específico frente ao sistema
político. Entregue a si mesma – acreditava-se e acredita-se –, a política só
produziria mais danos à sociedade, daí o controle a ser exercido pelos “homens
de preto”.
Nesse sentido, é “game over”, pois tem sido o
STF essa espécie de “regulador” da política além do que possa ser um preceito
constitucional. Ocorre que a Lava Jato é um fenômeno político e social de
grande amplitude, no qual a indignação pela corrupção endêmica é só o aspecto
mais visível.
A força do fenômeno reside no
descontentamento de vastas camadas da sociedade frente “ao que está aí”,
entendido como um sistema a partir do poder público que é predatório do ponto
de vista do empreendedor, injusto do ponto de vista do contribuinte, perverso
do ponto de vista de quem precisa de saúde e segurança (pois gasta demais e
entrega de menos).
No empenho de Lula e do PT em reescrever o
passado está implícita a noção de que não é possível apagar a Lava Jato da
memória coletiva (como não é possível apagar a pandemia, por exemplo). Daí o
esforço de empurrar goela abaixo, com forte contribuição também do STF, a
interpretação de que foi uma ocorrência maléfica, não só do ponto de vista
jurídico, mas para a economia e a política brasileiras.
O problema é o choque brutal entre a proposta
de ação política de reescrever o passado e a realidade. Para enorme parte da
população, a Lava Jato (com ou sem erros) continua simbolizando um esforço para
mudar “o que está aí”, além de combater corrupção, enquanto instâncias
jurídicas e políticas permanecem fixas no plano desse imaginário político como
pilares para deixar tudo como sempre foi.
É possível enterrar um morto, mas difícil se livrar da assombração.
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