terça-feira, 26 de novembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

STF deve invalidar artigo 19 do Marco Civil da Internet

O Globo

Trecho que exime plataformas de responsabilidade por conteúdo viola direitos constitucionais

Está marcado para quarta-feira o início do julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), da constitucionalidade da regra que estabelece quando as plataformas digitais devem ter responsabilidade por conteúdos publicados por seus usuários. O artigo 19 do Marco Civil da Internet prevê que elas são passíveis de punição somente se receberem decisão judicial determinando a remoção e se negarem a obedecer. Passados dez anos da criação da lei, tal critério se revelou inadequado. As evidências estão por todos os lados: dos danos causados pela disseminação de racismo e discurso de ódio aos atentados contra a saúde pública, a privacidade ou a democracia. O salvo-conduto proporcionado pelo artigo 19 é inconstitucional por um motivo simples: fere o direito fundamental dos brasileiros, incapazes de buscar ou de obter reparação na Justiça, pois o estrago já está feito quando sai a decisão.

Democracia prevaleceu - Merval Pereira

O Globo

Tendência democrática se impôs no Alto Comando e não permitiu que os aloprados bolsonaristas prevalecessem. Foi bom para o Brasil

Uma decorrência do fracassado golpe militar organizado por partidários radicalizados do então presidente Bolsonaro é o fortalecimento institucional do Alto Comando das três Forças Armadas, sobretudo a mais decisiva delas, o Exército. Nele, segundo as contas dos golpistas, “três querem muito, cinco não querem, e o resto fica na zona de conforto”, referindo-se aos generais de quatro estrelas que, no final das contas, decidem a parada.

Decidiram a favor da sustentação da democracia, mesmo que provavelmente a maioria não gostasse da vitória de Lula. Essa geração militar que manteve um embate surdo nos bastidores é formada por grupos que ainda se ressentem de ter perdido o poder com o fim da ditadura militar iniciada em 1964, e grupos democráticos que entenderam que a experiência ditatorial não foi boa para a farda nem para o país.

'Força, kid preto', 'caveira': o som e o risco do golpe - Míriam Leitão

O Globo

Diálogos entre militares, cheio de palavrões e saudações de bando, mostram a desenvoltura com que preparavam o golpe

Tudo o que não se pode fazer neste momento é subestimar as revelações trazidas pela investigação da Polícia Federal. Não era um grupo pequeno de aloprados, um exército de Brancaleone. Era uma conspiração perigosa, bem plantada no coração do poder. O palavreado chulo e a linguagem de facção criminosa trazidas pelos áudios só agravam o fato de que os golpistas eram militares de alta patente e autoridades no Palácio do Planalto, dentro do Estado, com poder real de mobilizar tropas e impor um retrocesso institucional de 50 anos no país.

A minuta do gabinete de crise, encontrada com o general Mário Fernandes, tinha organograma e estratégia de um governo autoritário, semelhante ao pior momento da ditadura. Parece surreal, mas eles falavam sério, eles tinham as armas, eles preparavam a estrutura do novo poder e tinham planos homicidas. As conversas foram em parte transcritas no relatório da PF, mesmo assim é um espanto ouvir o que falavam. Os áudios foram divulgados pelo repórter Maurício Ferraz, do Fantástico, no domingo e, ontem, no Blog de Fausto Macedo, do Estado de S. Paulo.

Golpe sangrento fugiria à nossa tradição – Pedro Doria

O Globo

Nossas ditaduras estavam num degrau mais ameno da barbárie vizinha. Jair Bolsonaro liderou o rompimento disso

Há dois tipos de golpe de Estado em nossa cultura latino-americana. O português e o espanhol. António Salazar chegou ao poder em Lisboa por meio de um pacto sem sangue. Francisco Franco sangrou espanhóis aos milhões para chegar ao poder em Madri. Nós, lusos, buscamos o acordo. Os espanhóis puxam o sabre. Foi assim na Inquisição Católica, na colonização das Américas. É assim com golpes. O bolsonarismo ignorou nosso traço cultural e planejou um golpe sangrento. Um golpe espanhol na terra do Brasil.

Não é que não sejamos violentos. Somos. Mas a violência, nós a escondemos nos porões da tortura, nas senzalas, no interior da mata. O rosto que mostramos em público pode ser um disfarce, mas é também pudor de esconder a barbárie.

Arrogância do Carrefour lembra a "guerra da lagosta" – Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

O presidente Lula da Silva precisa tomar cuidado para não embarcar numa espécie de “guerra do filé mignon”, por causa das declarações do presidente mundial do grupo Carrefour

Foi em 1955 que tudo começou. O empresário americano Davis Morgan se estabeleceu em Fortaleza e incentivou a captura de lagosta nas praias do Ceará com fins comerciais, atividade que se espalhou pelo litoral do Brasil, particularmente do Nordeste. Foi uma revolução na indústria de pesca e na vida dos pescadores de Caponga (Cascavel-CE), Morro Branco (Beberibe-CE) e Aracati (CE). A pesca era artesanal, porém, havia um grande mercado a explorar: a lagosta era uma iguaria da alta gastronomia, principalmente a francesa.

Morgan seria o pivô de uma crise entre o Brasil e a França, oito anos depois, porque os franceses resolveram dispensar os intermediários e vir pescar as lagostas na costa brasileira. Era um momento delicado da vida mundial, pautada pela Guerra Fria entre o Ocidente e a antiga União Soviética. Desde a campanha “O petróleo nosso”, havia um forte movimento nacionalista no Brasil.

Diante da presença de franceses na costa brasileira, o governo resolveu mobilizar a Marinha para impedi-los de pescar. A chamada “guerra da lagosta”, entre fevereiro e março de 1963, irrompeu um mês depois do plebiscito que acabou com o parlamentarismo (1961-1963) e restabeleceu o presidencialismo no Brasil. O presidente João Goulart precisava demonstrar força e coesão militar.

Criaram a emenda de liderança partidária - Carlos Andreazza

O Estado de S. Paulo

A vida continua no Brasil. Há governo. Congresso. E há os acordos que firmam. Há Lei de Diretrizes Orçamentárias a ser votada. Lei Orçamentária Anual a ser votada. Inexistente ainda um calendário para definição do Orçamento de 2025. Tudo oportunidade.

Muita agenda, várias as distrações. Escasso o tempo. Convocada a urgência. Tudo posto para a glória das emendas parlamentares, a boiada do orçamento secreto passando ao largo intocada.

Intocada não. Sofisticada. Há acordo.

Alexandre Padilha informa que Lula sancionará o texto me-engana-que-eu-gosto de “mais transparência” às emendas parlamentares e, ato contínuo, enviará outro projeto propondo condições para que o governo possa bloqueá-las em até 15%. O Congresso cede um tantinho. Há acordo.

Quem é quem na ‘rataria’? - Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

Ao se embolarem com a ‘rataria’, onde os golpistas esqueceram ‘Deus, Pátria e Família’?

O plano de golpe de Estado envergonha e empurra as Forças Armadas para o fundo do poço, ao incluir assassinatos, Estado de Defesa e diálogos assombrosos, embolando generais e coronéis da ativa com gente da pior espécie, como um argentino trapaceiro, um padre sem princípio e o capitão Ailton, chamado de “bandido” no Exército… A “rataria”, como definiu um dos próprios golpistas, aliás, muito bem.

A história é escabrosa, com fuzis e até granadas para a prisão e eventual execução do ministro do Supremo Alexandre de Moraes, então presidente do TSE, em plena capital da República.

Foi isso que os “kid pretos” desmascarados e presos aprenderam nas academias militares e nas Forças Especiais do Exército? A andarem em más companhias, serem golpistas, antipatrióticos, assassinos e anticristãos? Onde ficam “Deus, Pátria e Família”?

A extrema direita tende a manter o eco - Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Trava à responsabilização das redes sociais no STF mantém livre a avenida para a extrema direita a despeito do golpismo

Depois da explosão do homem-bomba a poucos metros do Supremo Tribunal Federal e da operação-relatório da Polícia Federal sobre o golpismo assassino, seria natural esperar um refluxo das notícias falsas nas redes sociais e o acabrunhamento da extrema-direita e de seus sócios bem postos no centrão da política. Só que não.

Neste início de semana divisora dos rumos do governo no segundo biênio, não é uma coisa nem outra o que se divisa. A começar pelo julgamento que está em pauta, no STF, sobre a responsabilização das plataformas de internet e redes sociais pela veiculação de conteúdo falso e danoso.

Marcado para o dia 27, o julgamento pode nem mesmo começar, tamanha a resistência oferecida pelas plataformas. Não apenas do X, de Elon Musk, agora ainda mais poderoso depois da eleição de Donald Trump, mas de todas as gigantes do setor, como Google, Meta e Microsoft.

Revisão do 6x1 é inevitável, mais cedo ou mais tarde - Pedro Cafardo

Valor Econômico

Discussão sobre a semana de trabalho pegou de surpresa a esquerda e a direita no país e tende a ignorar a atual polarização política

A redução da jornada de trabalho é um tema antigo, bastante discutido e vem sendo implementada em países há décadas. Voltou à discussão no Brasil, porém, com a apresentação da PEC da deputada Erika Hilton (PSOL-SP), propondo diminuição da escala de dias de trabalho e descanso de 6x1 para 4x3.

O tema remete à memória do sociólogo italiano Domenico De Masi (1938-2013), que em 1995 lançou na Europa o livro “O Ócio Criativo”, traduzido para o português quatro ou cinco anos mais tarde. De Masi combatia a ideia de que o ócio seria associado à preguiça e à improdutividade e o considerava essencial para o florescimento da criatividade e do bem-estar das pessoas. Assim como já teria ocorrido no passado, o ócio contribuiria para avanços na ciência, na arte, na tecnologia e na própria economia em geral.

O livro de De Masi foi um best seller mundial - era revolucionário naquele fim de século XX. No Brasil, a obra também fez sucesso, e o sociólogo “adotou” o país, a ponto de lançar um novo livro primeiramente em português.

Os fatores decisivos para o futuro de Lula 3 - Christopher Garman

Valor Econômico

Política econômica de Trump e corte de gastos prestes a ser anunciado terão grande influência sobre as perspectivas econômicas dos próximos dois anos - e, por tabela, sobre as chances de reeleição

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva vive um momento crítico diante de dois eventos decisivos para a segunda metade de seu governo: os rumos da política econômica do recém-eleito Donald Trump nos EUA e o pacote de corte de gastos que a equipe econômica está prestes a anunciar. Combinados, ambos terão grande influência sobre as perspectivas econômicas dos próximos dois anos - e, por tabela, sobre as chances de reeleição de Lula.

Os efeitos mais importantes da eleição de Trump sobre o futuro político do Brasil não virão da relação bilateral, que certamente será difícil, mas das políticas que o norte-americano promete adotar, que têm potencial para gerar mais inflação nos EUA e reduzir o crescimento global. Se Trump cumprir suas promessas eleitorais, o mundo caminhará para um dólar mais forte, juros mais altos e moedas mais fracas em mercados emergentes como o Brasil. Este cenário dificultaria a política econômica brasileira, e traria ventos econômicos externos desfavoráveis para o Palácio do Planalto às vésperas de uma eleição presidencial.

O retorno dos tecnolibertários - Rana Foroohar

Valor Econômico

Estamos prestes a testemunhar como o poder monopolista disfarçado de governo se manifesta

A vitória de Donald Trump representa muitas coisas transformadoras do mundo. Uma é o casamento entre o determinismo tecnológico e o libertarianismo. No mundo deste novo governo, a linha que separa Milton Friedman dos bilionários da tecnologia como Elon Musk, Peter Thiel, Marc Andreessen e Mark Zuckerberg fica difusa e se confunde em uma filosofia cujo objetivo é acabar com todas as restrições aos mercados.

A turma de “voluntários” tecnolibertários de Trump - como Musk disse de maneira um tanto insincera, dado que Tesla e SpaceX recebem mais financiamento federal do que a NPR - acredita que deveria ser deixada livre para desmontar o aparato estatal em nome da eficiência e do lucro. O lucro já foi alcançado, pelo menos para o pessoal do Vale do Silício: inteligência artificial, criptomoedas e qualquer empresa vinculada a Musk viram o valor decolar desde a eleição.

O capitalismo de compadrio está chegando aos EUA - Paul Krugman

The New York Times / Folha de S. Paulo

Forma como tarifas operam sob leis americanas oferece espaço para aplicação discricionária

Estamos no final de 2025, e Donald Trump fez o que prometeu: impôs altas tarifas —impostos sobre importações— em produtos vindos do exterior, com tarifas extremamente altas sobre importações da China. Essas tarifas tiveram exatamente o efeito que muitos economistas previram, embora Trump insistisse no contrário: preços mais altos para os compradores americanos.

Digamos que você tenha um negócio que depende de peças importadas —talvez da China, talvez do México, ou de outro lugar. O que você faz?

Bem, a lei comercial dos Estados Unidos dá ao poder executivo ampla discricionariedade na definição de tarifas, incluindo a capacidade de conceder isenções em casos especiais. Então, você solicita uma dessas isenções. Seu pedido será atendido?

A saúde de Trump - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Presidente eleito indica para a área sanitária nomes que defendem ideias malucas e sem sustentação na ciência

Dois nomes que Donald Trump já anunciou para a área da saúde são os de Robert F. Kennedy Jr., para liderar o Departamento de Saúde e Serviços Humanos, e o de Mehmet Oz, para comandar o Medicare e o Medicaid, os programas públicos de cobertura de saúde dos EUA.

Se as duas indicações vingarem e os futuros administradores conseguirem emplacar algumas de suas ideias, a saúde pública nos EUA, que já é provavelmente a pior entre os países ricos, deverá sofrer ainda mais reveses.

Kennedy Jr. é contra vacinas, contra a pasteurização do leite, contra a fluoretação da água e abraça quase todas as teorias conspiratórias envolvendo laboratórios farmacêuticos.

Como continuar bolsonarista depois do que foi revelado? - Joel Pinheiro da Fonseca

Folha de S. Paulo

A trama de golpe não foi para frente porque Bolsonaro se acovardou

Bolsonaro pode alegar que desistiu do golpe na reta final, mas não que não sabia do plano. Não só sabia como o desejava. Temos a esse respeito o depoimento do general Freire Gomes de que se reuniu com Bolsonaro mais de uma vez em dezembro de 2022 e ouviu dele a proposta de ruptura. Na segunda ocasião, o general teve de alertar Bolsonaro de que ele seria preso caso tentasse algo nessa linha.

Sabemos também que Bolsonaro sugeriu mudanças à minuta do decreto de GLO que deveria assinar para dar início ao plano. Quem propõe mudanças num documento deseja usar esse documento. Bolsonaro tirou da minuta a prisão de Rodrigo Pacheco e de Gilmar Mendes, mas manteve a de Alexandre de Moraes. Dado esse fato, será que ele sabia de uma operação dos "kids pretos" para raptar Moraes no dia 15 de dezembro? Isso ainda não está claro.

Os dias que arruinaram o golpe militar-palaciano - Alvaro Costa e Silva

Folha de S. Paulo

O que ocorreu entre a redação do decreto de estado de sítio e a fuga de Bolsonaro para a Flórida?

Em novembro de 1955, a revista Manchete espantou os leitores. Em vez de Martha Rocha, Sophia Loren ou outra beldade nacional ou internacional vestindo maiô, a capa colorida exibia a figura de um general. Fardado. Em longo depoimento, Henrique Teixeira Lott, então ministro da Guerra, narrou os bastidores da tentativa de golpe militar contra o presidente eleito que ele, Lott, praticamente sozinho e usando as mesmas armas, havia desbaratado uma semana antes.

O general aplicou um contragolpe para garantir a posse de Juscelino Kubitschek, cuja eleição, sem a maioria absoluta de votos, havia deflagrado o movimento dos quartéis, por trás do qual estava o infatigável Carlos Lacerda. Com a intervenção de Lott, o presidente interino, Carlos Luz, foi obrigado a refugiar-se a bordo do cruzador Tamandaré. Seu chefe de polícia, coronel Menezes Cortes, foi preso. Em janeiro de 1956, JK assumiu a Presidência.

Eles não são (só) doidos – Dora Kramer

Folha de S. Paulo

Por trás dos loucos há os dirigentes do hospício, delinquentes perfeitamente conscientes

Acreditar no inacreditável, bem como permitir que a imaginação obedeça aos ditames do inimaginável, são características daqueles que, por consciência ou contingência do devaneio, se deixam levar a um universo paralelo bem distante da realidade.

Tudo indica ser o caso do homem que se explodiu na praça dos Três Poderes, dos conspiradores do Planalto, dos presos por planejar assassinatos, dos depredadores das sedes-símbolo da República e de todos os que acreditaram na chance de Jair Bolsonaro (PL) continuar no poder sem lei e na marra.

Tempos macabros: do envenenamento à guilhotina - Aylê-Salassié Filgueiras Quintão*

Um dos países mais pobres da América Latina  acaba de aprovar uma reforma constitucional, na qual  o presidente Daniel Ortega (79 anos) , líder da Frente Sandinista de Libertação (FSLN), há mais de 30 anos  na chefia do Estado ,  não apenas passa  a ter  o controle absoluto sobre os demais poderes ,  como torna  "copresidente" sua mulher, Rosário Murillo,  atual vice, e  assegura a sucessão para o seu filho, Laureano . Serviço completo .

Seria esse o modelo de democracia  que  o Foro de São Paulo , criação de Fidel Castro e Lula, em 1990, projetaram para a integração da  América Latina?.  Esse esforço todo de estabelecer o caos jurídico e político no Brasil , uma guerrilha contra as instituições,  estaria voltado para um novo  sistema de governança? O  Foro de São Paulo , aparentemente na geladeira, é uma  organização política que se autodenomina de  esquerda , e que  reúne uma centena de partidos  legais  e  organizações transgressoras da ordem jurídica.

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - Mãos dadas

 

Música | Marisa Monte - Preciso me encontrar (Candeia)

 

segunda-feira, 25 de novembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

É tarefa urgente do Congresso limitar os supersalários

O Globo

Em vez de diminuir, avanço da elite do funcionalismo sobre dinheiro público tem crescido, constata novo estudo

A parcela de juízes e procuradores que receberam vencimentos superiores ao teto constitucional em pelo menos um mês do ano aumentou de 83% em 2018 para 92% neste ano, de acordo com o Anuário de Gestão de Pessoas no Serviço Público 2024. Os dados do levantamento mostram que o avanço da elite do funcionalismo sobre o dinheiro público, em vez de diminuir, tem crescido. Por isso exige resposta imediata do Congresso. É preciso fazer valer o limite constitucional de R$ 44.008,52, salário dos ministros do Supremo. Supersalários já seriam injustos se sobrasse dinheiro no Orçamento. Com o Brasil enfrentando grave crise fiscal, são um disparate.

Os beneficiados por regalias que inflam sua remuneração são uma minoria: 0,06% do funcionalismo, em especial juízes, procuradores e militares. Mas custam caro. Magistrados da ativa e aposentados receberam R$ 32,8 bilhões de reais acima do teto de 2019 a 2023, entre indenizações e direitos eventuais. Olhar para fora do país dá a dimensão da incongruência. Os gastos anuais com tribunais de Justiça representam 1,6% do PIB brasileiro, ante média de 0,5% para os países emergentes e de 0,3% para as economias avançadas. Como o custo principal da atividade jurídica está no pessoal, não é difícil descobrir a causa do desperdício.

Relatório mostra táticas do crime organizado - Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Participação de Braga Netto sugere contaminação do golpismo com métodos de facção criminosa

Dos fatos descritos pelo relatório da Polícia Federal, um dos mais preocupantes para o futuro das Forças Armadas não é apenas a proporção de indiciados com patente das Forças Armadas - 25 de 37. O número mostra que se ainda não é possível dizer que tenha havido uma tentativa de golpe militar, se está mais perto de se conhecer uma tentativa de golpe de militares, mas o relatório não para aí.

Ao comparar o cerco que os militares envolvidos fizeram dos alvos e aquele dos assassinos de Marielle Franco e Anderson Gomes, a PF mostra o trânsito dos mesmos métodos utilizados entre o crime organizado e o golpismo. Não se trata apenas de uma “transferência de tecnologia”. A presença do general Walter Braga Netto nos dois eventos sugere que esteja em jogo uma contaminação.

Antes de ocupar o Ministério da Defesa, a Casa Civil do governo Jair Bolsonaro e a vaga de vice na chapa à reeleição do ex-presidente, Braga Netto foi o interventor na segurança pública do Rio de Janeiro. A nomeação para o último posto que ocupou na ativa foi do ex-presidente Michel Temer.

Crise de Bolsonaro pode tirar governo das cordas no Congresso - César Felício

Valor Econômico

Com avanço das investigações contra o ex-presidente, aumentaram as chances de o governo aprovar ajuste fiscal ainda neste ano

O avanço das investigações contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) deve impactar a agenda do Congresso. Aumentaram as chances de o governo aprovar um pacote duro de ajuste fiscal ainda este ano, mesmo que implique mudanças legislativas com quórum qualificado, como propostas de emendas constitucionais e projetos de leis complementares.

O corte de gastos politicamente atenderia aos partidos do Centrão em três camadas: a primeira é se distanciar do bolsonarismo radical, que domina o PL, está enraizado no PP e no Republicanos e tem ramificações no União Brasil, PSD e MDB, entre os principais partidos. A segunda é fazer isso em uma pauta que reforçaria os elos da elite parlamentar com o empresariado e o sistema financeiro, que apontam há muito tempo para a falta de consistência do arcabouço fiscal. E a terceira é colocar o PT na constrangedora posição de endossar medidas que contrariam a sua base eleitoral e nunca foram defendidas pela sigla.

O governo iniciou o mês politicamente encurralado. O mau resultado da esquerda nas eleições municipais de outubro e a vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais dos Estados Unidos abriram perspectivas de poder para a oposição. O Centrão praticamente garantiu o comando futuro da Câmara e do Senado ao se unificar em torno das candidaturas do deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) e do senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) para as presidências das Mesas Diretoras, sem assumir compromissos significativos nem com o governo, nem com o bolsonarismo.

Não nos esqueçamos: Eles ainda estão aqui - Bruno Carazza

Valor Econômico

Até quando aceitaremos passivamente a ameaça de militares à democracia?

No Brasil, a arte imita a vida e a história se repete não como farsa, mas em golpes que nos prendem a um passado que nunca deixa de nos assombrar.

Os milhões de brasileiros que têm lotado os cinemas para assistir a “Ainda Estou Aqui”, obra que narra o drama da família Rubens Paiva durante a ditadura militar, tomaram conhecimento, na última semana, de novas evidências da trama de apoiadores de Jair Bolsonaro, inclusive militares de alta patente da ativa e da reserva, articulando-se praticar atentados terroristas e anular a vontade popular expressa nas urnas em 2022.

Ao longo da nossa história, foram vários os episódios de tentativas, algumas frustradas e outras infelizmente bem-sucedidas, de intromissão dos militares no jogo político. Essa permanente ameaça traz insegurança democrática e econômica, e deveria ser definitivamente afastada. Porém, se não houver uma real mobilização de boa parte da sociedade, nada mudará.

Os limites do pacote fiscal e as fragilidades do arcabouço - Sergio Lamucci

Valor Econômico

Um pacote de R$ 70 bilhões não é desprezível, mas não deverá ser suficiente para reduzir significativamente as incertezas sobre as contas públicas

O governo deverá enfim anunciar nesta semana as medidas de contenção de gastos, após seguidos adiamentos. A expectativa é que as iniciativas poupem em torno de R$ 70 bilhões em dois anos, dos quais R$ 25 bilhões a R$ 30 bilhões em 2025 e R$ 40 bilhões em 2026. Pelo que tem dito o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a lógica é que a dinâmica das despesas obrigatórias caiba dentro do arcabouço fiscal. Em 15 de novembro, ele afirmou “que a ideia é fazer com que as partes não comprometam o todo, e o arcabouço tenha sustentabilidade de médio e longo prazo, que é a dúvida do mercado”. Um pacote dessa magnitude não é desprezível, podendo levar a algum alívio no câmbio e nos juros de longo prazo, mas não deverá ser suficiente para reduzir significativamente as incertezas sobre as contas públicas.

Rebranding da direita - Carlos Pereira

O Estado de S. Paulo

A direita vai conseguir se livrar de Bolsonaro? Ou continuará a ser refém como a esquerda é refém de Lula até hoje?

O novo indiciamento do ex-presidente Jair Bolsonaro pela Polícia Federal pelos crimes de “abolição violenta do estado democrático de direito”, “golpe de Estado” e “organização criminosa”, abriu grande janela de oportunidade para que políticos e eleitores de direita encontrem alternativas de novas lideranças que os represente de forma competitiva nas eleições de 2026.

Não demorará muito tempo para os políticos de direita perceberem que Bolsonaro se tornou tóxico. A reação tímida das principais lideranças políticas conservadoras com o novo indiciamento do ex-presidente é um sinal claro de sua toxicidade e de que Bolsonaro já é percebido por alguns como carta fora do baralho.

O Brasil não tolera mais tutela militar - Camila Rocha

Folha de S. Paulo

Não estamos mais dispostos a passar pano para militares golpistas

O Brasil conquistou um feito histórico. É a primeira vez que a tutela militar de governos civis é posta em xeque. O indiciamento de sete generais e 18 militares por tentativa de golpe de Estado é um fato inédito. A conciliação conservadora que permeia a atuação política dos militares finalmente está abalada. Em outras palavras: não estamos mais dispostos a passar pano para militares golpistas.

Graças à atuação primorosa de nossas instituições, há um caminho aberto para que o país atinja um novo patamar democrático: submeter os militares ao controle civil.

Um golpe para o cinema – Fernando Gabeira

O Globo

O mundo avançou, e os golpistas recuaram no tempo, não chegam aos pés de seus antecessores do século passado

Presenciei dois golpes militares no século XX. Primeiro foi no Brasil; nove anos depois, no Chile. Traços comuns: ocupação de pontos estratégicos, deslocamento de tropas, prisões em massa. Não houve planos de assassinato do governante deposto, embora Allende tenha morrido resistindo no Palácio de La Moneda.

No século XXI, os golpes de Estado tomaram outra forma. Há uma batelada de livros descrevendo-os. Agora, a democracia é devorada por dentro. O Poder Executivo aos poucos neutraliza Congresso e Judiciário e passa a mandar sozinho. É possível ver mais ou menos isso na Hungria ou na Venezuela.

O plano de golpe revelado na semana passada pela Polícia Federal representa um brutal retrocesso. Ele começaria com a morte do ministro Alexandre de Moraes, de Lula e Geraldo Alckmin. Teria características do século XIX, assim mesmo em países muito atrasados. Isso revela que o mundo avançou, e os golpistas, criando uma situação grotesca, recuaram no tempo, não chegam aos pés de seus antecessores do século passado.

Macondo é aqui - André Gustavo Stumpf*

Correio Braziliense

Se tivessem conseguido dar o golpe, além de prender, torturar, matar e censurar a imprensa, eles brigariam entre si. Jamais os generais admitiriam bater continência para capitão

As revoluções, ou suas respectivas tentativas, têm um aspecto ridículo que nunca deve ser desprezado. O realismo mágico existe. Não é invenção de escritores do quilate de Gabriel García Márquez. Eles perceberam o fenômeno na política latino-americana. Nessas histórias, há sempre um general, cheio de medalhas no peito, a proclamar-se o benefactor da pátria, em nome da defesa das instituições, da moral e dos bons costumes, que baixa o cacete nos opositores.  Às vezes, em nome de Deus.

Não será surpresa se, dentro de alguns anos, tudo isso que a Polícia Federal descobriu seja esquecido ou considerado ilegal. Foi assim com a Operação Lava-Jato, que encontrou uma roubalheira abissal nos negócios da Petrobras. Apesar das confissões, feitas em juízo, de repente, todos foram inocentados. Aqui, não há memória.

A extrema-direita e o punhal verde amarelo - Jefferson Rodrigues Barbosa *

Correio Braziliense

Bolsonaristas são exemplos de uma extrema-direita atuante que, enquanto ultradireita radical, defende o intervencionismo militar por meios violentos

A preparação de importantes membros do governo Bolsonaro e de suas bases de apoiadores para a execução de um golpe de Estado ficou mais evidente diante do avanço das investigações da Polícia Federal, que indiciou o ex-presidente, ex-ministros, militares de alta patente, sendo, ao todo, 37 suspeitos. A Procuradoria-Geral da República recebeu os conteúdos das investigações e, após análise, pode encaminhar ao Supremo Tribunal Federal (STF), que deve julgar e condenar os envolvidos no chamado Plano Punhal Verde e Amarelo.

De fato, a mobilização da extrema-direita e a agenda de seus líderes têm pontos comuns que são sempre lembrados pelos cientistas políticos, como o discurso de descrédito às instituições políticas, a negação de valores democráticos, colocando-se como portadores de uma nova política contra a velha política, e como defensores do povo contra as elites, usando retóricas nacionalistas que falseiam um discurso ultraliberal e conservador no sentido da pauta dos costumes. 

Atentados, golpes e ameaças à democracia - Marcus André Melo

Folha de S. Paulo

Resiliência democrática se revela nas respostas das instituições, mas também opera por dissuasão e pelas características constitucionais do sistema político

Em 2022, um homem partiu da Califórnia para Washington, DC, com o propósito de assassinar Brett Kavanaugh, ministro da Suprema Corte americana. Estava indignado com o voto da Corte sobre o aborto. Chegando à residência do juiz, enviou mensagem de despedida para a irmã. Fala do suicídio que cometeria após o ato. A irmã logrou dissuadi-lo e o instigou a ligar para o 911, o que permitiu sua captura.

Quem ou o que estava em risco neste episódio? Certamente o juiz cuja vida esteve por um fio. Mas a democracia americana não estava em risco; conclusão que não se alteraria caso o plano tivesse tido êxito. Tratava-se de uma ação isolada, mas com inequívoco conteúdo político-partidário: "eu poderia pelo menos pegar um deles, o que iria mudar os votos por mais de uma década, e eu vou atirar em três. Todas as principais decisões nos últimos dez anos têm sido partidárias, então se tiver mais liberais que conservadores eles terão o poder".

Golpe e castigo no Brasil em transe - Sérgio Abranches

Correio Braziliense

"O inquérito do golpe não estará completo até que toda a cúpula de responsáveis por seu planejamento, custeio e operação sejam punidos, inclusive, aqueles que escaparam ao indiciamento no primeiro relatório"

O inquérito sobre os atos antidemocráticos, a trama de golpe de Estado e o uso da desinformação como estratégia de desestabilização da democracia chegou aos estágios finais, após dois anos de investigação. A Polícia Federal indiciou formalmente Jair Bolsonaro, toda a cúpula militar da Presidência, o delegado Alexandre Ramagem, da Polícia Federal, ex-chefe da Abin, e o presidente do PL, Valdemar da Costa Neto, por tentativa de golpe de estado, tentativa de abolição violenta do estado democrático de direito e por organização criminosa. Foram 36 indiciados, entre eles 24 militares, além de Bolsonaro. A única exceção entre os oficiais palacianos foi o ex-secretário-geral da Presidência, general Luiz Eduardo Ramos.

Os golpistas foram reunidos em seis núcleos diferentes: desinformação, jurídico, operacional, inteligência, oficiais de alta patente e responsável por incitar militares a apoiar o golpe. A Procuradoria-Geral da República deve oferecer denúncia contra todos. Muitos dos oficiais de alta patente eram do grupo de elite do Exército, as Forças Especiais, os "kid pretos".

Entrevista |Felipe Soutello: ‘Há uma avenida enorme para o centro democrático em 2026′

Por Bianca Gomes / O Estado de S. Paulo

Em entrevista, Felipe Soutello aponta potencial em uma chapa entre MDB e PSD e considera que a melhor estratégia para a esquerda será abrir mão de espaços regionais em favor de uma coalizão mais forte com o centro; no entanto, segundo ele, as definições sobre a próxima eleição presidencial ainda dependem dos próximos passos de Lula

Idealizador da chapa que reuniu dois históricos rivais em 2022, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Geraldo Alckmin (PSB), Felipe Soutello diz que as principais marcas dos governos petistas, como o Bolsa Família e o Prouni, já foram apropriadas pela população e podem não ser suficientes para impulsionar a reeleição de Lula. Segundo ele, o nível de exigência dos eleitores aumentou, e enfrentamos uma crise internacional na qual as promessas de prosperidade não estão se concretizando.

“As pessoas não estão vislumbrando uma melhora de vida sustentável no tempo”, observa Soutello, que vê o fim da jornada 6x1 e a eliminação dos supersalários no setor público como “excelentes oportunidades” para o governo. Para ele, uma estratégia mais eficaz para a esquerda em 2026 seria abrir mão de espaços regionais em nome de uma coalizão mais forte com o centro, concentrando esforços na eleição de uma bancada mais robusta no Congresso.

Soutello começou sua trajetória em campanhas eleitorais em 1986, atuando pela candidatura de José Serra à Câmara dos Deputados – na época, tinha apenas 15 anos –, e a paixão pela política se tornou profissão. Filiado ao PSDB desde a fundação em 1989, o estrategista, como prefere ser chamado, trabalhou para figuras de peso, como Serra, Alckmin e Bruno Covas.

Entrevista | historiador Carlos Fico: ‘Ter investigação é o novo num caso de golpismo’

Por Bernardo Mello / O Globo

Notório pesquisador da História política brasileira e da ditadura militar, o professor da UFRJ Carlos Fico afirma que nunca houve no país, até 2022, um plano para matar o presidente eleito no contexto de um golpe de Estado. Outro ineditismo no caso que resultou no indiciamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outras 36 pessoas, diz, é o próprio fato de estar havendo investigação.

Veja abaixo a entrevista ao GLOBO:

Poesia | Viver não dói, de Carlos Drummond de Andrade

 

Música | Gal Costa - Força Estranha

 

domingo, 24 de novembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Anistia para réus do 8 de Janeiro é inadmissível

O Globo

Investigação da PF revela que violência e invasão a sedes dos três Poderes foram parte da trama golpista

As revelações da Polícia Federal (PF) sobre a tentativa de golpe para impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o indiciamento de 37 envolvidos na trama golpista, entre eles o ex-presidente Jair Bolsonaro e autoridades graduadas de seu governo, corroboram que é inadmissível o projeto que tramita no Congresso para anistiar quem participou da invasão às sedes dos três Poderes no 8 de Janeiro. Implicitamente, a proposta visa também a beneficiar Bolsonaro, inelegível devido à condenação pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Crimes contra a democracia são gravíssimos. Não pode haver anistia nem para os participantes do 8 de Janeiro, nem para quem tramou um golpe de Estado.

A trama golpista, diz a PF, foi urdida dentro do Palácio do Planalto por auxiliares próximos de Bolsonaro. Um plano com o passo a passo da intentona, que previa o assassinato de Lula, do vice Geraldo Alckmin e do então presidente do TSE, Alexandre de Moraes, foi impresso nas dependências palacianas. As investigações mostram também que os acampamentos de onde partiram as manifestações violentas do 8 de Janeiro não foram protesto espontâneo de descontentes com a vitória de Lula. Faziam parte do plano para impedir a posse dele, depois tumultuar seu governo. De acordo com a PF, o general da reserva Mário Fernandes, preso na semana passada, funcionava como elo entre o Planalto e os acampados na frente do quartel-general do Exército em Brasília. A invasão e a vandalização dos prédios públicos, depois que a intentona fracassara por falta de apoio no Alto Comando do Exército, objetivavam gerar instabilidade ao governo recém-empossado.

A noite americana - Luiz Sérgio Henriques

O Estado de S. Paulo

A interdependência entre povos e nações sempre retorna, assombrando os isolacionistas e tornando provisório o triunfo dos autoritários

Digerir os resultados da eleição norte-americana, que confirmaram Donald Trump como caso incomum de presidente com mandatos intercalados e lhe deram o controle das Casas Legislativas, leva a pensar não só na sorte da democracia naquele país, como também na estrutura do mundo que tende a se desenhar nos próximos anos. Ficaram para trás ideias parciais sobre o trumpismo, como a de que só expressava o ressentimento da minoria branca e conservadora. Por esse argumento, a demografia variada e complexa por si só garantiria o sucesso dos democratas, se não necessariamente no anacrônico Colégio Eleitoral, pelo menos no voto popular.

A demografia não é um destino e não pode haver a certeza prévia da afirmação de nenhuma maioria. Um bilionário com variados problemas judiciais e dois impeachments, um dos quais por investir contra a transição pacífica de poder, conseguiu capturar o sentimento majoritário. Seria ele, e não uma mulher de classe média, a se mostrar em sintonia com o difuso sentimento de mal-estar contra as “elites”. Ironicamente, alguns disseram que, para tal manobra, Trump estaria muito bem equipado: ele, e não outro, encarna fielmente a figura do homem rico segundo a percepção de pobres e remediados, supostamente acima das tentações corruptoras do sistema. Por aí, também, se abriu uma surpreendente possibilidade de empatia com queixas e dificuldades dos “de baixo”.

O cruzado que Trump escolheu para a Defesa – Dorrit Harazim

O Globo

É uma temeridade deixar Pete Hegseth, um extremista, comandar um orçamento militar anual de quase US$ 900 bilhões

Aos 44 anos, o veterano Pete Hegseth mantém o corpanzil sarado dos tempos em que foi soldado de elite do Exército americano. Prestou serviços no Iraque, no Afeganistão e na abominável prisão militar de Guantánamo antes de se tornar personalidade cultuada da Fox News. Ali ancorava um dos programas de maior audiência e estridência do canal, até ser pinçado por Donald Trump para ocupar o cargo de futuro secretário da Defesa.

Em condições mínimas de razoabilidade, a indicação de Hegseth teria poucas chances até de chegar ao Senado, ainda menos de ser aprovada na sabatina — os legisladores democratas, somados a alguns republicanos pensantes, pareciam decididos a impedir tamanha insânia. Antes, porém, era preciso abortar outra indicação de Trump: a do agora ex-deputado federal Matt Gaetz como procurador-geral. A pressão contra Gaetz funcionou. Detestado por seus pares e retratado como predador sexual contumaz em relatório da Comissão de Ética da Câmara, ele desistiu do cargo antes de precisar ser sabatinado.