Valor Econômico
Mobilização do Congresso para dar vida a
emendas canceladas ocorre às vésperas da audiência de conciliação no STF em
torno das emendas cujo pagamento foi bloqueado pelo ministro Flávio Dino
Avança rápido o projeto de lei complementar
que “ressuscita” R$ 15,7 bilhões em despesas que não foram executadas nos anos
em que estavam autorizadas no Orçamento, e por isso são chamadas de “restos a
pagar”. A Câmara decidiu ontem apreciar a proposta, aprovada na semana passada
no Senado, em regime de urgência.
O embaraço que isso pode trazer ao Orçamento
de 2025 é moderado, avaliam técnicos da área orçamentária.
A mensagem política, porém, é muito ruim do ponto de vista das contas públicas e do ambiente macroeconômico. “Se o Congresso aprovar essa irresponsabilidade, podemos assistir a uma forte subida do dólar”, disse à coluna o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega. Não há margem, dentro dos limites do arcabouço fiscal, para acomodar mais esse conjunto de despesas, explicou.
A aprovação da proposta, que abarca restos a
pagar de 2019 para cá e os prorroga até o final de 2026, também levantou
preocupações na equipe econômica do governo, que foi pega de surpresa com a
votação no Senado. “Complicado”, reagiu um integrante.
A votação mostrou, porém, que nem a bancada
governista está disposta a contribuir com o ajuste fiscal. “Esse assunto não
existe por aqui”, afirmou um técnico da área de orçamento que atua no
Congresso.
Hoje já há dificuldades para acomodar no
Orçamento despesas que não estão totalmente contempladas nele. A Instituição
Fiscal Independente (IFI) estima haver R$ 20,8 bilhões em gastos que estão fora
da peça orçamentária: R$ 12,5 bilhões do programa Pé-de-Meia e R$ 8 bilhões do
Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais (FCBF), criado na reforma
tributária. Além disso, aponta, faltam recursos para o Auxílio-Gás e as
despesas da Previdência estão subestimadas em R$ 31 bilhões.
As despesas “zumbis” dos restos a pagar,
porém, são um pouco diferentes desses gastos regulares do ano. Isso porque elas
não se tornaram restos a pagar por acaso, e sim porque enfrentaram algum tipo
de dificuldade na execução. E pode ser que continuem assim, travadas. Nesse
caso, não geram desembolso de recursos.
“Há coisas ali de três, cinco anos que talvez
não se resolvam em mais dois”, ponderou um técnico. Na sua visão, a aprovação
do projeto não traz embaraços de curto prazo à execução do Orçamento de 2025.
“Mas é uma medida inusual”, comentou.
Outro especialista contrapôs que, embora as
chances de execução não sejam elevadas, essas despesas não poderão ser
ignoradas. Os ministérios não poderão executar só o Orçamento do ano, porque
alguns dos restos a pagar podem, de fato, ser viabilizados.
Uma vez aprovado o projeto, como é a
tendência, o próximo passo é Lula sancioná-lo ou vetá-lo. Será mais um capítulo
de uma novela iniciada no ano passado. O Projeto de Lei de Diretrizes
Orçamentárias (PLDO) de 2025 continha dispositivo que prorrogava a validade dos
restos a pagar até 31 de dezembro deste ano. Lula vetou, alegando que está em
desacordo com a legislação orçamentária, além de dificultar a gestão
financeira.
Com o veto, os restos a pagar acumulados
desde 2019 “morreram” em 31 de dezembro passado, como determinava a Lei de
Diretrizes Orçamentárias de 2024. O projeto de lei aprovado ontem “ressuscitou”
essas despesas. É algo que nunca havia ocorrido antes.
As chances de haver um debate jurídico em
torno disso, porém, são remotas, avaliou um técnico. A possível liberação dos
recursos tem mais interessados do que opositores.
A mobilização do Congresso para dar vida a
emendas canceladas, inclusive às do orçamento secreto, ocorre às vésperas da
audiência de conciliação no Supremo Tribunal Federal (STF) em torno das emendas
cujo pagamento foi bloqueado pelo ministro Flávio Dino. Está marcada para
amanhã.
Há questões pendentes envolvendo emendas
também na peça orçamentária de 2025. Relatório da IFI mostra que a Comissão
Mista de Orçamento acrescentou R$ 22,5 bilhões à previsão de receitas. Desses,
R$ 11,5 bilhões serão entregues a Estados e municípios e os R$ 11 bilhões
restantes foram destinados a emendas de comissão.
“Ocorre que existem despesas vinculadas ao
desempenho das receitas, que deveriam ter sido reajustadas, a partir da
reestimativa realizada”, diz o relatório. É o caso, por exemplo, dos mínimos
constitucionais de gastos em saúde e educação.
Não será fácil fazer todos os ajustes
necessários no Orçamento deste ano, mas não é tarefa tida como impossível. A
IFI considera que o governo conseguirá cumprir a meta fiscal deste ano, dentro
da margem de tolerância. A mesma conclusão está em um trabalho elaborado por
consultores de Orçamento da Câmara dos Deputados.
Há, porém, três nuvens escuras no horizonte.
Uma é o crescimento da dívida pública, que continuará por causa dos déficits
nas contas públicas e da alta nos juros. A outra é o risco de surgirem novas
pressões sobre o orçamento a partir do Palácio do Planalto em modo eleição.
Por fim, o Congresso não parece preocupado
com o ajuste fiscal. Isso foi demonstrado também na votação do pacote de
novembro passado. É problema para este governo e poderá ser também para os
próximos.
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