Pronunciamento na TV não pode ser propaganda
O Globo
Lula não violou lei eleitoral ao repetir em
rede nacional anúncios já feitos antes, mesmo assim está errado
O pronunciamento em cadeia nacional de rádio
e TV do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, na noite de segunda-feira — o primeiro do ano — não trouxe nenhuma
novidade, a não ser o tom informal adotado sob a orientação do marqueteiro
Sidônio Palmeira, secretário de Comunicação que assumiu em janeiro. Em pouco
mais de dois minutos, Lula anunciou, em meio a expressões coloquiais e
metáforas, dois programas que já haviam sido anunciados: o Pé-de-Meia,
que cria uma poupança para incentivar a permanência de jovens na escola, e o
Farmácia Popular, que fornece medicamentos gratuitamente.
“Venho aqui para falar de dois assuntos muito importantes. Uma dupla que não é sertaneja, mas que está mexendo com o Brasil: O Pé-de-Meia e o novo Farmácia Popular”, disse Lula. “É para os jovens brasileiros que trago a primeira boa notícia. O pagamento da poupança de R$ 1 mil do programa Pé-de-Meia entra amanhã na conta e rendendo.” A iniciativa já havia sido anunciada, até porque o programa está em evidência desde que foi questionado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) por não ter sido incluído no Orçamento (valores chegaram a ser bloqueados). Sobre o Farmácia Popular, Lula afirmou que os beneficiários poderão ter acesso gratuito a todos os 41 itens (antes eram 39), que agora incluem fraldas geriátricas. A “novidade” também já havia sido anunciada.
Sem disfarce, Lula usou o pronunciamento para
exaltar programas de áreas sensíveis, como educação e
saúde, e a própria administração. “Depois de dois anos de reconstrução de um
país que estava destruído, estamos trabalhando muito para trazer prosperidade
para todo o Brasil”, afirmou. De acordo com reportagem do GLOBO, seus
pronunciamentos se tornarão mais frequentes, com o intuito de conter a
acentuada queda de popularidade. Pelo último Datafolha, a avaliação positiva do
governo caiu 11 pontos em apenas dois meses, de 35% para 24%. A negativa subiu
de 34% para 41% — pior desempenho de Lula em seus três mandatos.
A economia, em especial a alta de preços, tem
sido apontada como o principal fator para a queda. O governo erra ao pensar que
tudo se resume a falha de comunicação e que basta Lula falar mais no rádio e na
TV. Por mais que haja problemas na comunicação do Planalto, é difícil divulgar
um governo que não tem muito o que mostrar. Ao chegar à metade do mandato, o
governo Lula ainda busca uma marca. Até agora, o que tem a apresentar são
programas reciclados de administrações anteriores, quase sempre defasados para
os tempos atuais. Os erros do governo têm sido percebidos claramente pela
população. A popularidade de Lula caiu até entre seus eleitores mais fiéis.
Embora o pronunciamento em cadeia nacional
não viole as leis eleitorais neste momento do mandato, está errado Lula
reivindicar tempo de TV para reprisar seus programas e exaltar sua
administração. Essa modalidade de comunicação não existe para veicular peças de
propaganda de olho na reeleição, mas para o chefe de Estado transmitir
mensagens de relevo para a nação (até agora, seus pronunciamentos se davam em
datas comemorativas). Lula deveria ir à TV quando realmente tivesse algo a
falar. A julgar pelas pesquisas, os brasileiros não estão interessados em
anúncios de fundo eleitoreiro, mas em resultados concretos. Dois anos e dois
meses já são tempo suficiente para ter algo a mostrar.
Guardas Municipais com poder de polícia são
positivas para segurança
O Globo
Decisão do STF traz base jurídica à atuação,
mas ela precisa ser coordenada com forças estaduais
Foi fundamental a decisão do Supremo Tribunal
Federal (STF)
que permite às Guardas Municipais atuar no policiamento ostensivo e fazer
prisões em flagrante. Essas corporações, hoje presentes em 1.322 dos 5.570
municípios brasileiros, se tornaram um reforço crítico para as polícias
militares e civis, subordinadas aos governos estaduais. Sobretudo nas grandes
metrópoles, onde a sensação de insegurança tem crescido, o poder de polícia
lhes dá condição de assumir papel mais ativo nas políticas de segurança
pública. Com o aval do STF, bastam agora leis municipais para ampliar seu
alcance operacional.
O STF estendeu a atuação das Guardas
Municipais ao julgar um recurso da prefeitura paulistana contra a rejeição,
pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, de um pedido para que a Guarda
Civil Metropolitana (GCM) pudesse atuar em ações ostensivas. Em 2021, O Supremo
já liberara o uso de armas de fogo pelas Guardas Municipais. Mas ainda faltava
sustentação legal para que elas obtivessem poderes básicos de polícia. Não
falta mais. O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB),
pretende agora rebatizar a GCM com o nome de Polícia Metropolitana.
No Rio, o prefeito Eduardo Paes (PSD)
enviou à Câmara de Vereadores um projeto de lei complementar para, em paralelo
à Guarda Municipal, criar a Força de Segurança Municipal, armada, com a missão
de policiar regiões onde há grande incidência de crimes. A ideia é que a nova
força, com 4,2 mil agentes, atue nos 5,3% da área da cidade onde se concentram
50% dos roubos e furtos, de acordo com estudo do Centro de Ciência Aplicada à
Segurança Pública, da Fundação Getulio Vargas.
Ainda que meritória, a iniciativa despertou
dúvidas pertinentes, como relata reportagem do GLOBO. A criação de duas
categorias de guarda municipal na mesma cidade, com salários e regimes de
trabalho distintos, já suscitou questionamento na Justiça. A forma de
recrutamento dos novos agentes, por meio de contrato provisório sem concurso
público, é outro ponto controverso. “Seria mais fácil e barato treinar os
guardas municipais atuais no uso de armas”, diz o coronel Paulo César Amendola,
fundador e primeiro comandante da Guarda Municipal do Rio.
Qualquer proposta de ampliação das forças
municipais precisa ser criteriosa. O policiamento deve ser planejado com base
em dados para distribuir os diferentes tipos de polícia da forma mais eficiente
possível — como tenta fazer o projeto de Paes. O ideal é que prefeitos e
governadores esqueçam diferenças político-partidárias para permitir uso
integrado das polícias, de acordo com suas vocações. Operações de vulto contra
organizações criminosas não têm a mesma natureza do combate ao crime de rua. O
ministro Luiz Fux,
relator do processo que ampliou a atuação das Guardas Municipais, está certo ao
afirmar que “essa cooperação é importantíssima” para enfrentar a crise de
segurança pública do país.
Governo arrisca ao apostar no crédito para
recuperar prestígio
Valor Econômico
O estímulo à tomada de empréstimos, num
contexto em que o BC tem que colocar as taxas de juros muito altas para deter a
inflação, pode empurrar pessoas e empresas para maior endividamento a custos
elevados
O crédito parece ser uma das novas armas do
governo Lula para recuperar a popularidade. Mas é também um terreno pantanoso,
e se choca com o esforço do Banco Central (BC) de conter a inflação, ao
enfraquecer a política monetária, obrigando ao aumento maior dos juros. O
presidente prometeu anunciar em breve “a maior política de crédito já feita
neste país, e nós vamos fazer porque queremos que este país cresça”. Apenas
adiantou que serão medidas para o “pequeno empreendedor, o médio empreendedor e
o pequeno empresário” - segmentos em que tem notória avaliação negativa.
Antes disso, se esforçou para viabilizar o
consignado para trabalhadores com carteira assinada. Para isso, teve que abrir
mão de dois pontos caros aos petistas e que são bastante criticados pelo
mercado e pela população alvo da medida. Um deles foi evitar fixar uma taxa
máxima de juros para a operação. Além disso, teve que manter o
saque-aniversário do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), que caiu no
gosto das pessoas.
Empregados domésticos e trabalhadores
autônomos poderão se candidatar ao novo consignado do setor privado porque a
contratação ocorrerá por intermédio do e-Social, o que ampliou a base de
potenciais beneficiados. No novo modelo, caberá ao trabalhador contratar a
operação. No formato atual, é preciso que uma empresa se articule com um banco
para oferecer o empréstimo com desconto em folha para seus funcionários. O
ministro da Fazenda, Fernando Haddad, aposta que o novo consignado privado
oferecerá recursos a taxas cerca de 50% inferiores às de um empréstimo comum.
Para as micro e pequenas empresas, há pelo
menos uma nova alternativa de crédito em discussão, como antecipou o Valor (3/1). A ideia é que
o empreendedor possa tomar o empréstimo oferecendo como garantia aquilo que vai
receber em pagamentos via Pix. As parcelas dos empréstimos serão descontadas do
fluxo. Questões tecnológicas dificultam, porém, executar essa ideia no curto
prazo.
O governo vai precisar atrair o setor
financeiro para implantar esses projetos, dadas as limitações orçamentárias,
como ficou comprovado no caso do Plano Safra. O Tesouro suspendeu, desde
sexta-feira, as concessões dos financiamentos agrícolas subvencionados no Plano
Safra 2024/25, porque o Projeto de Lei Orçamentária de 2025 não foi ainda
votado pelo Congresso. Linhas de custeio e de investimentos foram afetadas.
Não há recursos disponíveis para bancar a
equalização das taxas prevista no Plano. Quando ele foi anunciado, a Selic
estava em 10,5%, e hoje subiu para 13,25%, com perspectiva de novas altas e
impacto nas despesas do governo com os financiamentos subsidiados. Estima-se
que de R$ 25 bilhões a R$ 50 bilhões em recursos subsidiados ficaram bloqueados
com a decisão. Continuam liberados recursos para o Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf).
Quem fez as contas da variação da Selic já
esperava a interrupção dos financiamentos. Nem por isso deixa de causar barulho
e mal-estar. A suspensão chega em um momento em que a segunda safra de milho
está sendo plantada, a colheita da soja está em curso e a de arroz está
começando. Em outras culturas, como o café, é época de produtores fazerem
alguns manejos no cultivo. A suspensão afeta um setor não muito amistoso com o
governo, o agronegócio, com o qual se conta para sustentar a economia neste ano
e para reduzir a inflação dos alimentos.
Diante desse estrago, o governo correu para
providenciar uma medida provisória para liberar R$ 4 bilhões em crédito
extraordinário para a equalização, valor que, segundo Haddad, está sujeito aos
limites do arcabouço fiscal. No entanto, o mercado calcula que serão
necessários R$ 5 bilhões extras no Orçamento deste ano para a subvenção do
Plano Safra, o que significa mais problemas à frente. Originalmente, o governo
previu ao redor de R$ 14 bilhões para a equalização dos juros neste ano, que
claramente serão insuficientes.
Os bancos privados estão mais cautelosos e
dificilmente entrarão na onda do governo em relação aos empréstimos. As grandes
instituições acabam de divulgar bons resultados em 2024, impulsionados pelo
crédito. As previsões para este ano são, porém, mais modestas diante da cautela
inspirada pelas piora das previsões para o cenário econômico e o receio de
aumento da inadimplência.
Itaú Unibanco, Bradesco, Santander e Banco do
Brasil (BB) tiveram um lucro combinado de R$ 112,7 bilhões em 2024, com aumento
de 16,4% na comparação com o ano anterior. Os quatro fecharam o ano com
carteira ampliada de crédito combinada de R$ 4,3 trilhões, que cresceu 13%. Mas
as previsões para este ano são menores. Pesquisa da Febraban fala em
crescimento pela metade, de 8,5%. Grandes bancos preveem expansão ainda menor,
ao redor de 6,5%.
A aposta do governo no crédito também se
choca com a política monetária, em que o BC tem de colocar taxas de juros muito
altas para deter a inflação. O estímulo à tomada de empréstimos, nesse
contexto, pode empurrar pessoas e empresas para maior endividamento a custos
elevados. Há dúvidas se as medidas em estudo vão, de fato, reduzir as taxas.
Lula faz de TV e rádio palanque atrás de
popularidade
Folha de S. Paulo
Pronunciamento durante uma crise é razoável,
mas apelar a declarações quinzenais, como governo cogita, é mera propaganda
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) requereu o uso de rede nacional de meios de comunicação a fim de alardear
que promove dois programas de assistência social.
Um deles foi criado em seu primeiro mandato,
em 2004, o Farmácia Popular. Faz quase duas semanas, o Ministério
da Saúde anunciara que o número de medicamentos ou outros produtos
gratuitos passara de 39 para 41.
O outro, o Pé-de-Meia, desde março de 2024
prevê pagar até R$ 3 mil por ano a estudantes do ensino médio matriculados em
escolas públicas, de famílias inscritas no Cadastro Único para Programas
Sociais e que tenham frequência mínima à escola.
São programas meritórios. Que mereçam, agora,
divulgação em pronunciamento oficial se deve apenas ao fato de que a
popularidade de Lula baixou a nível inédito em seus três mandatos.
Depois de se recuperar de uma cirurgia, o
presidente retomou no início de fevereiro suas viagens pelo país com o objetivo
de recuperar também o seu prestígio. Em muitas delas, concede entrevistas a
rádios e TVs locais.
Quase sempre, repete o mote de que vai
colocar mais dinheiro na mão dos mais pobres. Desde fins de janeiro, afirma que
lançará o "maior programa de crédito da história deste país"
—"uma bomba" ainda não anunciada "para não quebrar o
encanto"— com linhas que beneficiariam trabalhadores privados (a expansão
do consignado), além de pequenos e médios empresários.
Nesta semana, o governo deixou entender que
vai liberar o saque imediato de parte dos recursos restantes no FGTS para
trabalhadores que haviam optado pela retirada anual e, assim, deveriam cumprir
uma quarentena antes de poder ter acesso ao dinheiro.
Em 22 de janeiro, o ministro Ruy Costa (Casa Civil)
dissera de modo desastrado que o governo faria "intervenções" a fim
de baratear os alimentos. Desde então, Lula reafirma com frequência que terá
"conversas" com empresários de modo a conseguir preços menores, sem
sucesso algum. Na semana passada, afirmara que o preço elevado dos
combustíveis se
deve ao "assalto" praticado por intermediários.
Parece evidente que um governo desnorteado e
agora atônito pelo tombo nas pesquisas já não mede palavras a fim de reverter
sua rejeição. Assim, difunde informações erradas sobre combustíveis e dissemina
esperanças falsas quanto a seu poder de controlar preços de alimentos.
Desdenha ainda explicitamente do equilíbrio
macroeconômico e espalha a crença de que a distribuição de dinheiro e crédito
fartos podem sustentar o crescimento da economia.
É razoável que um governante faça
pronunciamentos em momentos de crise ou emergências. É aceitável que, vez e
outra, apresente diretrizes. Mas cogitar, como faz o governo petista, que
tais declarações informais sejam quinzenais é mera propaganda, um
abuso que instituiria o palanque nacional de rádio e TV.
Majorana 1 e a promessa da computação
quântica
Folha de S. Paulo
Se confirmada, a inovação tecnológica da
Microsoft ampliaria horizontes em áreas como inteligência artificial e medicina
Conta já algumas décadas a proposta de
computação quântica, com processadores revolucionários capazes de encapsular o
poder de supercomputadores em chips que cabem na palma da mão. O Majorana 1, anunciado
pela Microsoft na semana passada, carrega a pretensão de dar o passo
decisivo nessa vereda.
Falta
clareza sobre a extensão da caminhada ainda por fazer. Se alegações da
companhia forem corroboradas com mais dados e obtiverem consenso de outros
especialistas, seu artefato poderá revelar-se o equivalente, para essa
informática do futuro, do que foi o transístor para a computação como a
conhecemos.
Seria desnecessário esmiuçar a física por
trás do avanço. Basta dizer que, em lugar de elétrons com que semicondutores
processam os zeros e uns da informação digital, o dispositivo da Microsoft
lança mão de propriedades peculiares de quasipartículas teorizadas há nove
décadas pelo italiano Ettore Majorana.
O termo "quasipartícula" dá boa
ideia de quanto a inovação se distancia do senso comum. Trata-se de entidade
que conjuga a um só tempo uma partícula e sua própria antipartícula,
correspondendo a um outro estado da matéria –nem sólido, nem líquido, nem
gasoso.
Tirando partido dessa superposição, a
computação dita topológica lograria processamento paralelo muito mais rápido
que sequências lineares de zeros e uns. A Microsoft afirma ter alcançado o grau
de miniaturização, velocidade e controle de erros necessário para construir
chips com 1 milhão de bits quânticos, os qubits.
O Majorana 1, entretanto, contém apenas oito
qubits. Galgar as seis ordens de grandeza num processador de tamanho razoável
representa desafio de engenharia longe de trivial. A empresa precisou de 17
anos de estudos para chegar ao modesto dispositivo agora divulgado, e teve
alguns tropeços no trajeto.
Em 2018, pesquisadores associados ao grupo da
Microsoft amargaram a retratação de um artigo científico porque outros
especialistas refutaram sua interpretação dos dados. No caso ora em tela, houve
quem apontasse, por exemplo, o risco de que impurezas nos materiais sejam as
responsáveis pelos efeitos medidos.
Não se exclui, decerto, que o Majorana 1 tenha de fato cruzado o Rubicão da computação quântica. Se comprovado, terá impulsionado a tecnologia até o limiar de uma nova era para o desenvolvimento de materiais, a medicina de precisão e a inteligência artificial, entre outros campos com apetite voraz por processamento.
‘Tudo de graça’
O Estado de S. Paulo
Pressionado pela queda na popularidade, Lula
faz comício travestido de pronunciamento oficial e oferece ‘tudo de graça’ a um
eleitor que já não se deixa seduzir facilmente pelo seu falatório
No pronunciamento que fez em rede nacional de
rádio e televisão anteontem, o presidente Lula da Silva exibiu mais um elemento
do manual de marketing adotado pelo novo ministro da Secretaria de Comunicação
da Presidência, Sidônio Palmeira. Nessa cartilha da comunicação presidencial,
produzida sob a lógica de comitê eleitoral, revogam-se todas as disposições
legais, morais ou políticas em desfavor de uma comunicação pública,
republicana, impessoal e apartidária. O mundo mágico de Lula da Silva e de
Sidônio Palmeira é outro.
Em pouco mais de dois minutos, o presidente
leu o roteiro do seu marqueteiro não como chefe de Estado, mas como candidato;
fez um comunicado não como uma prestação de contas ou informação de interesse
público destinada à população, mas como uma peça de propaganda eleitoral;
apresentou dois programas de seu mandato não como novidade ou celebração de um
marco digno de tal, mas como uma das patranhas tipicamente lulopetistas que
servem de louvação aos poderes sobrenaturais de Lula da Silva.
“Uma dupla que não é sertaneja, mas que está
mexendo com o Brasil: o Pé-de-Meia e o novo Farmácia Popular”, anunciou o
presidente, numa fala permeada com imagens de cortes e cenas de atores
reproduzindo momentos dos dois programas. Sobre o primeiro, informou-se o
pagamento da poupança para os jovens do ensino médio – represado em parte pela
marotagem do governo de destinar recursos do programa fora da previsão
orçamentária – e descreveu-se uma “ação extraordinária” que “está ajudando 4
milhões de jovens a permanecerem na escola”. A segunda notícia já fora
anunciada pela agora ex-ministra da Saúde, Nísia Trindade, isto é, a gratuidade
de 100% dos medicamentos do programa, além da oferta de fraldas geriátricas.
“Tudo de graça”, resumiu Lula da Silva.
É da graça marqueteira, concentrada num
presidente em campanha permanente, que se sustenta a cartilha do seu ministro
da Propaganda. Na realidade onírica do lulopetismo, “tudo de graça” não se
resume apenas a uma informação literal ou a uma frase de efeito, mas se revela
uma ideia-força por meio da qual funciona o modo petista de governar: num País
“reconstruído” por Lula da Silva, ao Estado convém dar dinheiro e medicamentos
“a quem mais precisa”. Nesse esforço de um presidente convicto de que é o pai dos
pobres, ignora-se que, a despeito dos méritos de tais iniciativas, nada, na
prática, é de graça – o País paga a conta de qualquer benefício concedido pelo
governo, legítimo ou ilegítimo.
Pelo que diz, como diz e quando diz, o
pronunciamento é tudo menos um comunicado tradicional ao País, como os
brasileiros se acostumaram a ver sempre que um presidente ou algum de seus
ministros recorre à rede nacional de rádio e TV. É evidente que, em nome da boa
comunicação pública, instituições e autoridades devem modernizar o formato de
seus informes. Mas o que está em curso é de outra natureza: trata-se de
campanha eleitoral antecipada. Não havia nenhuma urgência que demandasse um
pronunciamento oficial do presidente da República. A única urgência óbvia é a
queda acentuada da popularidade de Lula.
O ministro da Propaganda mostrou a Lula da
Silva que os tempos são outros. Engolfado pelo mau momento nas pesquisas,
balançado por uma coalizão instável e hostil e pressionado pela proximidade
cada vez maior do ciclo eleitoral de 2026, o governo resolveu agir – do modo
lulopetista, claro. Não à toa, a peça publicitária mirou em dinheiro no bolso e
medicamento de graça, com foco no brasileiro pobre, aquele que passou a
engrossar o índice de desaprovação ao presidente e ao governo.
À certa altura do pronunciamento-comício,
Lula da Silva diz algo que trai suas aspirações: “Seguimos ao lado de cada
brasileiro e de cada brasileira: para levantar, sacudir a poeira e dar a volta
por cima”. A frase completa mostra que o presidente se referia à “reconstrução
de um País que estava destruído”. Mas, na cosmologia lulopetista, trata-se, no
fundo, de uma tentativa de fazer o governo, esse sim, sacudir a poeira e tentar
dar a volta por cima.
O inverno da democracia
O Estado de S. Paulo
Ao alinhar os EUA à Rússia na ONU contra a
Ucrânia, Trump dá o tom da nova era geopolítica. O mundo está mais confortável
para os autocratas, o que desafia as democracias remanescentes
Nenhuma imagem poderia ser mais ilustrativa
da nova era geopolítica que o painel de votação na Assembleia Geral da ONU de
uma resolução movida pela Ucrânia e apoiada pela Europa, no terceiro
aniversário da invasão russa àquele país, anteontem, reconhecendo a Rússia como
agressora, pedindo uma paz justa e apoiando a soberania e a integridade
territorial da Ucrânia. Junto à Rússia, Bielorrússia, Coreia do Norte,
Nicarágua e outros 14 países, os EUA votaram contra. Outros 93 países apoiaram
– o Brasil se absteve – e a resolução foi aprovada. Mas não vale o papel em que
está escrita. Seu real valor é documentar que agora os EUA estão lado a lado
com a Rússia.
Alguns líderes e analistas ainda tentam
racionalizar essa atitude. Uns dizem que seria uma manobra para atrair a
Rússia, tirando-a da esfera de influência da China, tal como fizeram os EUA em
1972, na presidência de Richard Nixon, ao atrair a China para tirá-la da esfera
de influência soviética. Outros afirmam que seria um incentivo para motivar os
europeus a ampliar seus investimentos em defesa, reduzindo a dependência em
relação aos EUA. A realidade, contudo, é mais simples e cruel: o relógio
geopolítico parece voltar à era dos impérios, em que grandes potências
redesenhavam o mundo conforme seus interesses comerciais e coloniais.
Em relação às negociações bilaterais sobre a
Ucrânia, por exemplo, isso significa que Vladimir Putin continuará afirmando
seus objetivos maximalistas – anexar os territórios sob seu controle, alijar a
Ucrânia da Otan e mutilar suas capacidades militares – em troca de ofertas
econômicas para os EUA, enquanto o tíquete da Ucrânia para a mesa de
negociações com Washington são seus recursos naturais.
Essa visão implica uma transição da
cooperação multilateral para uma ordem multipolar, na qual a China projeta sua
esfera de influência sobre o Leste Asiático e a Rússia sobre a Europa Oriental.
O objetivo de Trump é buscar um equilíbrio favorável aos EUA, afirmando uma
posição dominante nesse arranjo e ao mesmo tempo evitando conflitos diretos.
Nesse mundo de rivalidade entre grandes
potências, a primeira meta de Trump é estabelecer a hegemonia sobre o
Hemisfério Ocidental, numa espécie de novo “Destino Manifesto”, e limitar a
influência russa e chinesa sobre regiões estratégicas como a Ásia Central ou a
África através de relações bilaterais que enfraquecerão ainda mais organizações
internacionais como a ONU e outras instituições criadas no pós-guerra.
A dinâmica internacional será marcada por uma
fragmentação crescente, mais insegurança territorial, proliferação nuclear e
novos realinhamentos determinados menos por valores e ideais comuns do que por
necessidades econômicas e de segurança.
A consequência será um mundo mais confortável
para os autocratas. Em sua rivalidade, Trump, Putin e Xi Jinping estão unidos
por seus desejos de expansão territorial, seu combate aos “inimigos internos” e
seu desprezo pelas democracias liberais.
A traição dos EUA à ordem liberal que eles
promoveram por quase um século não significa necessariamente seu fim. As forças
liberais nos EUA estão sob pressão, mas não desapareceram. Em cerca de um ano e
meio o país realizará suas eleições de meio de mandato. A Europa, fragilizada
pelo baixo crescimento, excesso de regulações, defesas defasadas e crescimento
dos partidos extremistas, ainda tem uma economia dez vezes maior que a da
Rússia e equiparável em tamanho à dos EUA, uma base industrial sofisticada, um
amplo mercado de exportações e um ambiente jurídico seguro para os negócios. E
ela pode buscar alianças com outras democracias liberais no mundo, como Japão,
Coreia do Sul, Austrália ou Canadá.
As Guerras Mundiais e a guerra fria provaram que o autoritarismo é autodestrutivo. Até esse desfecho, contudo, a traição dos EUA, a democracia mais rica e poderosa do mundo, cobrará um altíssimo preço dos próprios americanos e do chamado mundo livre – que, para atravessar esse inverno, precisa resistir e redobrar a aposta na democracia liberal, que tanto progresso trouxe à humanidade.
O pior da inflação está por vir
O Estado de S. Paulo
Diretor do Banco Central diz que IPCA ainda
vai piorar até convergir para a meta até 2026
O surto inflacionário, que atinge com
especial intensidade os alimentos, ainda vai piorar antes de começar a
apresentar alguma melhora, trazendo desafios extras para os próximos meses.
Essa foi a principal mensagem do sucessor de Gabriel Galípolo na Diretoria de
Política Monetária do Banco Central (BC), Nilton David, em recente evento com
representantes do mercado financeiro. David assumiu o cargo em janeiro, quando
Galípolo passou a presidir o BC.
A preleção do novo diretor do BC não difere
dos prognósticos recentes do Comitê de Política Monetária (Copom) de que a
inflação encerrará o primeiro semestre acima do teto da meta e somente a partir
daí tenderá a se estabilizar e baixar. David salientou que até o terceiro
trimestre de 2026 passará a convergir para a meta. Apesar da previsão ruim, a
declaração indica disposição da autoridade monetária de manter a mira voltada à
meta de 3% ao ano para o IPCA, com tolerância de 1,5 ponto porcentual (p.p.).
Com 4,56% no acumulado em 12 meses, a taxa
continuou a estourar a meta em janeiro, mesmo com queda suave de 0,27 p.p. em
relação a dezembro. Como janeiro foi um ponto fora da curva, devido à redução
no custo da energia elétrica, as estimativas são de que o índice tenha voltado
a subir em fevereiro. Considerando efetivos os discursos recentes de David e
Galípolo, e não simples retórica, o BC continuará a subir os juros para frear a
inflação. A taxa de março está desde dezembro pactuada pelo Copom: 14,25% ao ano,
1 p.p. acima do nível atual, mantidas as circunstâncias observadas no fim de
2024.
Nilton David não deu pistas sobre a reunião
de maio, mas será esse o teste decisivo da gestão Galípolo, depois das duas
decisões do Copom de certa forma antecipadas em dezembro. Até agora Lula da
Silva, que durante dois anos torpedeou o BC sob a gestão de Roberto Campos
Neto, tem mantido, ao menos em público, atitude condescendente com seu indicado
para o comando do banco. Já disse que não esperava “milagres”, que “não é
possível dar um cavalo de pau num navio como o Brasil” e que Galípolo precisa
de tempo para “consertar os juros”.
Não tardará para Lula agir como Lula e
retomar a pressão e a “briga eterna”, segundo sua própria definição, pela queda
de juros mesmo diante da insegurança do cenário macroeconômico e fiscal. Nilton
David lembrou, no evento, da defasagem nos efeitos de uma política monetária
contracionista. Pode-se acrescentar, sem receio de errar, que a atuação
solitária do BC, sem o respaldo do Executivo no necessário equilíbrio fiscal,
torna a missão ainda mais árdua.
O Banco Central tem a perspectiva de
controlar a inflação até o terceiro trimestre de 2026. É o que o banco chama de
“horizonte relevante” para fazer com que a taxa se mantenha abaixo de 4,5%,
limite máximo permitido para a meta de 3% ao ano. O diretor do BC afirmou que a
política monetária pode estabilizar o IPCA “ao redor” de 4%. Difícil imaginar
que o Planalto acompanhe com paciência o processo. Do mercado vêm sinais de
confiança: o último relatório Focus trouxe leve recuo na projeção da
Selic, de 15,25% para 15% neste ano, embora a mediana para o IPCA tenha subido
pela 19.ª semana consecutiva, para 5,65%. Já de Lula, é quase certo que haverá
mais pressão.l
Governo e BC com embates na agenda
Correio Braziliense
Não adianta apostar na diminuição do deficit
primário, a partir do corte de gastos, se esse movimento prejudica políticas
públicas fundamentais
Pressionado pela atuação da oposição
conservadora nas redes sociais, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez um
pronunciamento em cadeia nacional, de rádio e TV, para reforçar os programas
lançados em sua terceira passagem pelo Planalto. A estratégia parece ser
"bater na mesma tecla" — ou seja, levar ao conhecimento da população
as políticas públicas do governo, ainda que elas não sejam exatamente novidades
no noticiário.
Uma delas é o Programa Pé-de-Meia, proposta
que pretende combater o êxodo escolar no ensino médio a partir do pagamento de
R$ 200 mensais aos estudantes, além de R$ 1 mil ao término do ano letivo. Outra
é a gratuidade para todos os 41 medicamentos do Farmácia Popular — ponto também
ressaltado por Lula na gravação, que, evidentemente, tem parte da motivação
voltada às eleições de 2026.
Esses esforços trazem reflexos diretos também
na economia brasileira. Basta acompanhar o que dizem os corredores do governo:
o ministro Fernando Haddad, da Fazenda, tem sido mais tolerante à ampliação dos
gastos públicos — a já conhecida política de aumentar o investimento na segunda
metade do mandato presidencial, usada por todos os governos, independentemente
do espectro ideológico.
Desde que retornou à Presidência, Lula tem
acusado o Banco Central (BC) de agir politicamente ao manter a taxa básica de
juros (Selic) em dígito duplo (atualmente, está em 13,25%, seu maior patamar
desde agosto de 2023). Trata-se da principal arma do banco para controlar o
índice geral de preços.
Certamente, a sinalizada alta nos gastos
públicos combinada à queda de arrecadação — a partir das propostas de aumento
da isenção do Imposto de Renda até R$ 5 mil, do Pé-de-Meia e do consignado para
empregados no setor privado — não ajuda em nada na improvável mudança de
paradigma do BC. Na verdade, o cabo de guerra tende a se intensificar.
Há, porém, um outro lado nessa discussão
acerca do problema fiscal. O histórico do Boletim Focus do BC, que traz as
expectativas do mercado financeiro, não é de sucesso nas previsões desde que
Lula retornou ao Planalto, ainda que resultados atingidos tenham sido melhores
do que o esperado.
Em fevereiro de 2023, o setor previa um
deficit primário (a diferença entre as receitas e despesas do governo, sem
considerar a dívida) de 1% ao fim de 2024. O resultado oficial foi de 0,1%.
Quanto ao crescimento econômico, o Focus também passou longe. Previu 1,5% para
2024, mas, segundo o Índice de Atividade Econômica (IBC-Br), divulgado pelo BC
em fevereiro, a expansão foi de 3,8%.
No frigir dos ovos, o governo precisa
investir para entregar melhorias à vida do cidadão. Não adianta apostar na
diminuição do deficit primário, a partir do corte de gastos, se esse movimento
prejudica políticas públicas fundamentais. Por outro lado, o controle da dívida
pública é peça fundamental para atrair investimento privado.
Esses são os pratos da balança que Fernando
Haddad e o governo Lula como um todo precisam equilibrar até o fim do mandato.
Além da maior efetividade na comunicação entre o Planalto e a população, como o
próprio presidente reconhece.
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