quarta-feira, 26 de fevereiro de 2025

Lula precisa de seu próprio 'Desenrola' - Vera Magalhães

O Globo

Maneira tortuosa de conduzir o governo, que inclui demora em decisões e fritura desnecessária de auxiliares, só complica crise do governo

Num momento em que atira para vários lados em busca de uma bala de prata que lhe devolva a popularidade ainda em queda, o presidente Lula carece, neste terceiro mandato, de seu próprio Desenrola, pois vem se esmerando em dificultar ainda mais as coisas para si.

A demissão de Nísia Trindade da Saúde, que cravei no site do GLOBO ainda no início da tarde de sábado, só foi confirmada nesta terça-feira, mesmo assim de forma oblíqua, que expôs uma cientista respeitada no meio acadêmico a um desgaste desnecessário e imerecido. Sim, porque uma coisa é reconhecer que Nísia padecia de problemas de gestão, que venho apontando nesta coluna há pelo menos um ano e que nada tinham a ver com a cobiça do Centrão por sua cadeira, aqui repudiada. Outra, completamente diferente, é submeter uma auxiliar a humilhação pública.

De nada adianta culpar a imprensa por cumprir sua obrigação de informar conversas, movimentos e decisões do presidente da República e de seus auxiliares mais próximos. Buscar bodes expiatórios para a forma atabalhoada como Lula vem conduzindo os processos nessa sua volta ao Planalto só dificultará que ele encontre a saída do labirinto de popularidade em que está metido.

Se a reforma ministerial está anunciada pelo menos desde o segundo turno, e se já começou torta com a demissão, também em capítulos, do responsável pela comunicação do governo, Paulo Pimenta, era de esperar que ela fosse feita de forma racional e ordenada, com diagnóstico mais claro do que se quer — e que a mudança na maneira de comunicar as coisas (para fora e para dentro) já começasse a surtir efeito.

É inútil investir em vídeos simpáticos de Lula e Janja nas redes sociais para tentar aumentar a aprovação do petista quando os problemas de fundo seguem tratados na base da tentativa e erro, e mesmo a configuração do primeiro escalão atende a critérios tão pouco claros e a um cronograma tão atabalhoado.

Lula quer baixar a inflação com um estalar de dedos e, se não for possível, quer dar um jeito de anestesiar a população insatisfeita com a alta dos preços baixando medidas no varejo, como a ainda não detalhada liberação do saldo congelado do FGTS daqueles que optaram pelo saque-aniversário, mas foram demitidos depois e não puderam acessar o valor remanescente.

O casuísmo da medida fica evidente por um contexto óbvio: ainda em janeiro, o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, disse na reunião ministerial que “sonhava” em acabar com essa modalidade de saque-aniversário, uma criação do governo de Jair Bolsonaro.

Não só não acabará, como o saque-aniversário parece ter passado a ser visto como uma forma de injetar dinheiro nas contas de quem compra menos com o salário. Qual a duração da medida? E, mais que isso, qual a chance de algo tão pontual levar quem acha o governo ruim a mudar de ideia?

Ainda no afã de melhorar sua avaliação, Lula parece aflito por marcas de gestão. Como o próprio Desenrola, aqui citado, não decolou, e o Pé-de-Meia, apontam ministros e especialistas em educação, tem alcance tão restrito que também não consegue emplacar, voltou suas baterias para o programa Mais Acesso a Especialistas.

Mas, de novo, quem é da área da Saúde diz que não será essa a salvação da lavoura e que os velhos mutirões conseguem resultados mais rápidos e mais facilmente associáveis ao governo federal por parte da população.

Se o presidente desenrolar seus processos decisórios, de preferência sem queimar aliados na fogueira da desorganização, passar a ouvir mais, retomar a ideia de frente ampla que o elegeu e deixar seu time saber o projeto para estes dois anos de mandato — não um slogan, mas um propósito —, deixará de criar mais dificuldades para a própria recuperação.

 

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