O Globo
Maneira tortuosa de conduzir o governo, que
inclui demora em decisões e fritura desnecessária de auxiliares, só complica
crise do governo
Num momento em que atira para vários lados em
busca de uma bala de prata que lhe devolva a popularidade ainda em queda, o
presidente Lula carece, neste terceiro mandato, de seu próprio Desenrola, pois
vem se esmerando em dificultar ainda mais as coisas para si.
A demissão de Nísia Trindade da Saúde, que cravei no site do GLOBO ainda no início da tarde de sábado, só foi confirmada nesta terça-feira, mesmo assim de forma oblíqua, que expôs uma cientista respeitada no meio acadêmico a um desgaste desnecessário e imerecido. Sim, porque uma coisa é reconhecer que Nísia padecia de problemas de gestão, que venho apontando nesta coluna há pelo menos um ano e que nada tinham a ver com a cobiça do Centrão por sua cadeira, aqui repudiada. Outra, completamente diferente, é submeter uma auxiliar a humilhação pública.
De nada adianta culpar a imprensa por cumprir
sua obrigação de informar conversas, movimentos e decisões do presidente da
República e de seus auxiliares mais próximos. Buscar bodes expiatórios para a
forma atabalhoada como Lula vem conduzindo os processos nessa sua volta ao
Planalto só dificultará que ele encontre a saída do labirinto de popularidade
em que está metido.
Se a reforma ministerial está anunciada pelo
menos desde o segundo turno, e se já começou torta com a demissão, também em
capítulos, do responsável pela comunicação do governo, Paulo Pimenta, era de
esperar que ela fosse feita de forma racional e ordenada, com diagnóstico mais
claro do que se quer — e que a mudança na maneira de comunicar as coisas (para
fora e para dentro) já começasse a surtir efeito.
É inútil investir em vídeos simpáticos de
Lula e Janja nas redes sociais para tentar aumentar a aprovação do petista
quando os problemas de fundo seguem tratados na base da tentativa e erro, e
mesmo a configuração do primeiro escalão atende a critérios tão pouco claros e
a um cronograma tão atabalhoado.
Lula quer baixar a inflação com um estalar de
dedos e, se não for possível, quer dar um jeito de anestesiar a população
insatisfeita com a alta dos preços baixando medidas no varejo, como a ainda não
detalhada liberação do saldo congelado do FGTS daqueles que optaram pelo
saque-aniversário, mas foram demitidos depois e não puderam acessar o valor
remanescente.
O casuísmo da medida fica evidente por um
contexto óbvio: ainda em janeiro, o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, disse
na reunião ministerial que “sonhava” em acabar com essa modalidade de
saque-aniversário, uma criação do governo de Jair Bolsonaro.
Não só não acabará, como o saque-aniversário
parece ter passado a ser visto como uma forma de injetar dinheiro nas contas de
quem compra menos com o salário. Qual a duração da medida? E, mais que isso,
qual a chance de algo tão pontual levar quem acha o governo ruim a mudar de
ideia?
Ainda no afã de melhorar sua avaliação, Lula
parece aflito por marcas de gestão. Como o próprio Desenrola, aqui citado, não
decolou, e o Pé-de-Meia, apontam ministros e especialistas em educação, tem
alcance tão restrito que também não consegue emplacar, voltou suas baterias
para o programa Mais Acesso a Especialistas.
Mas, de novo, quem é da área da Saúde diz que
não será essa a salvação da lavoura e que os velhos mutirões conseguem
resultados mais rápidos e mais facilmente associáveis ao governo federal por
parte da população.
Se o presidente desenrolar seus processos
decisórios, de preferência sem queimar aliados na fogueira da desorganização,
passar a ouvir mais, retomar a ideia de frente ampla que o elegeu e deixar seu
time saber o projeto para estes dois anos de mandato — não um slogan, mas um
propósito —, deixará de criar mais dificuldades para a própria recuperação.
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