A ministra Cármen Lúcia, na sessão de quinta-feira, não levou três minutos
para traduzir em concisas e precisas palavras a essência do que se passa há
quase dois meses no Supremo Tribunal Federal. Disse tudo e mais um pouco.
"Meu voto não é absolutamente de desesperança na política. É a crença
nela e na necessidade de que todos nós, agentes públicos, nos conduzamos com
mais rigor no cumprimento das leis", declarou ela, logo após condenar um
lote de réus por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Em suma, o exame do processo do mensalão e mesmo as condenações não
desqualificam a política. Antes mostram a importância de se qualificar o seu
exercício. Seja pela melhoria dos métodos adotados, pela participação atenta do
eleitorado ou pela conduta correta dos eleitos como representantes.
Na condição de presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Cármen Lúcia deu
um recado que vai muito além do julgamento de uma ação penal. Alcança a raiz do
problema quando aborda o modo de funcionamento do presidencialismo sob a ótica
da necessidade de sustentação política no Congresso.
"Um governo que não tenha maioria parlamentar tende a não se sustentar.
Ele cai ou, se não cai, pode fazer pouca coisa", disse a ministra, em
resumo exato da razão pela qual as coalizões partidárias são indispensáveis a
qualquer governo.
A lição veio aprendida pelos políticos de governos anteriores ao golpe de
1964, cujos fracassos deveram-se em boa medida a confrontos com o Parlamento.
Fernando Collor talvez não tivesse tido o mandato interrompido há 20 anos se
contasse com apoio no Congresso e sustentação na sociedade. Como tinha o PT
quando conseguiu dar a volta por cima na época em que o mensalão era só um
escândalo e ainda não havia se transformado em processo judicial.
Na realidade, o caso de Collor não se enquadra no padrão das coalizões
governamentais firmadas da redemocratização para cá. O sistema ali era de
arrecadação de dinheiro mediante extorsão para abastecer um esquema
"caseiro" de enriquecimento ilícito.
O modelo que se iniciou na Nova República sob a égide do fisiologismo e foi
sendo deformado até resultar no mensalão é diferente: loteia o Estado entre
partidos. Mas, como o faz sem critério programático nem qualquer exigência de
obediência normas de conduta, acaba dando margem a toda sorte de ilicitudes em
nome da "governabilidade".
O que vai dizendo agora o Supremo Tribunal Federal?
Não é a negação ou a desqualificação da política nem a expressão do
desconhecimento por parte dos ministros sobre suas regras. O que o STF diz é
que há o limite da legalidade.
Afirma e confirma que não se pode governar por atalhos ao custo da lei
porque da transgressão é que nasce o risco ao Estado de direito.
Um balizamento de peso. Quem ataca o Supremo ganharia mais se não perdesse
tempo com bobagem e pensasse sobre isso.
Qual é a música? De um modo geral, as pessoas têm algum apreço pelo que
fazem ou dizem. O ex-presidente Lula não. Diz uma coisa num dia, fala o oposto
no seguinte e ainda olha o mundo de cima, cheio de razão.
Verdade que só faz isso porque é bem-sucedido. Tem quem goste – e não é
pouca gente – de ser levado assim, a cada hora para um lado: é mais fácil ser
conduzido que conduzir-se pelo próprio pensamento.
Antes o mensalão era uma "farsa" a cujo desmonte ele iria se
dedicar assim que deixasse a Presidência. Agora, o julgamento é "motivo de
orgulho", prova inequívoca da firmeza do governo do PT no combate à
corrupção.
Faltou o ex-presidente acrescentar a edição de um novo manual de conduta
para seus empedernidos correligionários que insistem em comparar o Supremo a um
tribunal de exceção.
Sem orientação precisa, o pessoal se perde nos argumentos e não sabe se é
para atacar ou defender.
Fonte: O Estado de S. Paulo
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