O julgamento de José
Dirceu no mensalão deve começar quarta-feira. Quarenta e quatro anos depois que
o regime militar o deportou do País, ele corre o risco de ser preso outra vez
Ciente do risco de
condenação, Dirceu revive agora incertezas dos anos 1960
Preso há 44 anos em congresso da UNE, ex-ministro se angustia com julgamento
no Supremo e reafirma a pessoas próximas que é inocente
Fausto Macedo e Felipe Recondo
SÃO PAULO/ BRASÍLIA - Quarenta e quatro anos depois que o regime de exceção
o capturou e ele foi obrigado a deixar o País, José Dirceu de Oliveira e Silva
está na iminência de ser condenado e corre o risco de voltar à prisão, agora na
vigência de democracia, onde instituições como o Supremo Tribunal Federal
funcionam sem a tutela do governo.
Daquela vez, em 1968, líder estudantil, foi aprisionado em Ibiúna, nos
arredores de São Paulo, e seguiu para o exílio no México, depois para Cuba -
trocado, ele e mais 13 companheiros da luta armada, pelo embaixador americano
Charles Burke Elbrick.
Aos 66 anos, Dirceu está no banco dos réus. Não é mais Carlos Henrique
Gouveia de Mello, nome que adotou na clandestinidade, e a articulação que lhe
atribuem agora é outra, a de mentor do mensalão, maior escândalo do governo
Lula.
Nos autos da ação penal 470, é acusado de formação de quadrilha e corrupção
ativa. Seu julgamento deve ter início na quarta-feira, com o voto do relator,
ministro Joaquim Barbosa.
Entrevistas o ex-ministro não tem dado. Vez ou outra tem uma conversa
informal com jornalistas. Experimenta noites de angústia o mineiro de Passa
Quatro, onde estudou em colégio de padres franceses nos anos 1950, e que, em
2003, se tornou o ministro mais poderoso do governo petista, no comando da Casa
Civil.
Ministros. Com interlocutores de Dirceu é possível constatar que certeza ele
tem da condenação - até já ligou para o ex-presidente e trataram do julgamento.
Reservadamente, tem comentado sobre o ministro Dias Toffoli, que advogou para o
PT e não se deu por impedido. "É questão da consciência dele."
Melancólico, mantém o mesmo perfil contestador. "Não há precedentes no
Supremo (da suspeição). Senão, o Gilmar Mendes tinha que se declarar impedido
em uns dez casos graves que ele votou no governo Fernando Henrique. Nenhum juiz
no STF se declarou impedido por qualquer tipo de relação que teve."
Dez ministros da Corte máxima examinam os termos da denúncia da
Procuradoria-Geral da República. "Está suficientemente demonstrado que
José Dirceu seria o mentor, o chefe incontestável do grupo, a pessoa a quem
todos os demais prestavam deferência", cravou Barbosa, na ocasião em que
votou pelo recebimento da denúncia.
Após quase 30 sessões, o Supremo já condenou muitos mensaleiros, até o
delator da trama, Roberto Jefferson, deputado cassado, como Dirceu. Agora,
chegou a vez do ex-ministro - e de José Genoino e Delúbio Soares que exerciam a
presidência e a tesouraria do PT.
A expectativa é que seja condenado por corrupção ativa - a pena de reclusão
vai de 2 a 12 anos, acrescida de um terço "se, em razão da vantagem ou
promessa, o funcionário retarda ou omite ato de ofício, ou o pratica
infringindo dever funcional".
Mas os votos das ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber abrem uma brecha para
que ele seja absolvido do crime de quadrilha - pena de um a três anos.
Difícil saber se ele será condenado a mais de oito anos, o que implicaria
regime fechado. O relator tem dito que alguns ministros começam a fazer
cálculos para que as penas sejam mais baixas.
O advogado José Luís Oliveira Lima, defensor de Dirceu, entregou memoriais e
fez sustentação oral. Categórico, o criminalista de tanto prestígio rechaça o
libelo do procurador. "Não há uma só prova de que José Dirceu participou
de compra de votos."
Do Supremo ele fala com deferência. Por aí, ora no condomínio fechado de
Vinhedo, interior paulista, ora na companhia de antigos militantes, pondera.
"Os jornais têm todo o direito de ter posição sobre o processo e pedir até
condenação, mas eu tenho o direito também de falar que eles (jornais) estão
fazendo isso. Não me queixo da imprensa, se quisesse dava entrevista toda
semana."
Acredita que não está isolado. Outro dia, gabou-se. "Eu tenho apoio.
Desde o dia que eu fui cassado nunca fui a um Estado sem ser recebido por
governador, inclusive da oposição, prefeito, Assembleia. Porque mensalão não é
visto como Zé Dirceu."
A quem o aborda sobre a compra de votos no Congresso, mantém a toada.
"Não houve mensalão. Eu fui acusado de chefiar uma organização criminosa,
o que não é verdade. Eu nunca conversei com Delúbio Soares, com Genoino, com
Silvio Pereira, com Marcos Valério sobre isso. Eu nunca conversei sobre
finanças. Eu fui ser ministro, eu saí dia 23 de novembro e deixei a presidência
do PT."
Enquanto aguarda sua hora, a rotina de Dirceu tem sido protestar contra a acusação
que o desconforta. "Não tem ninguém que fala "Zé Dirceu me
telefonou."" Em desabafo recente, a indignação: "Eu tive sigilo
bancário, telefônico e fiscal quebrado. Passei dois anos sob devassa da
Receita. Recebi atestado de idoneidade da Receita. Eu vivi de salário a vida
toda. Passou dois meses o Ministério Público entrou com uma ação contra mim por
enriquecimento ilícito, agora arquivada no STJ. Como é que pode um País assim,
gente? Tem que provar que eu era chefe de quadrilha, provar que eu fiz corrupção,
que eu autorizei, eu dei dinheiro. Isso não existe, nem fiz, nem está nos
autos."
Fonte: O Estado de S. Paulo
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