Amigos e até rivais tentam erguer blindagem para evitar tensões na gestão de
Barbosa à frente do STF
Chico Otavio
A cada nova diatribe, cresce a inquietação sobre o futuro do ministro
Joaquim Barbosa. Com a aposentadoria do presidente do Supremo, ministro Ayres
Britto, em novembro, quando atinge a idade limite de 70 anos, Barbosa, na
condição de vice-presidente, é o candidato natural a assumir o comando da Corte
e também do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Por razões que vão da afinidade
pessoal ao propósito de defender a instituição, amigos e rivais pensam em
erguer uma blindagem que proteja Joaquim e, ao mesmo tempo, evite um
curto-circuito entre a personalidade forte do ministro e a agenda das duas
casas.
Consultados pelo GLOBO, ex-colegas de Joaquim no Ministério Público Federal
e alguns dos atuais colegas do STF refletiram sobre os desafios que aguardam o
relator do processo do mensalão, e prováveis ações que terão a sua marca
pessoal. Eles não acreditam que o destempero do ministro seja suficiente para
barrar a sua candidatura, mas procuram brechas para romper o isolamento em que
se encontra e reduzir a possibilidade de futuras crises.
Apesar dos embates transmitidos ao vivo, o relacionamento com os demais
ministros não preocupa tanto. Divergências e alianças são construídas e
destruídas a cada novo caso, transformando ferrenhos adversários em aliados e
vice-versa. O mesmo, contudo, não se pode dizer do convívio com os advogados.
Além de não gostar de vê-los em seu gabinete e recusar-se a ler os seus
pareceres, Joaquim não esconde dos amigos que a desenvoltura de alguns juristas
ao circular nos tapetes do Supremo o incomoda muito. Esta presença, em sua
gestão, tende a perder a força já fragilizada no julgamento do mensalão.
A relação com os demais poderes é outra preocupação. Joaquim tem dito que
pretende discutir uma reforma política e propor mudanças que despolitizem os
critérios de escolha dos futuros ministros do Supremo. Ele cogita entregar uma
lista de notáveis à presidente Dilma Rousseff, de onde ela retiraria um nome a
ser encaminhado ao Senado. Por outro lado, não se sabe como reagirá se,
condenados os três deputados federais réus no mensalão, o presidente da Câmara
Federal, Marcos Maia (PT-RS), insista que o eventual cumprimento de pena de
prisão depende da chancela do Legislativo, como sugere a Constituição.
Para os colegas de Ministério Público que acompanharam a sua carreira,
Joaquim é um "juiz consequencialista", estilo que busca adequar as
decisões às exigências da sociedade, e pode compensar o isolamento na Corte com
o calor das ruas. Ele herdará de Ayres Brito uma pauta congestionada. Além dos
mais de 700 processos na fila de espera (o mais antigo é de 1988), outro número
incalculável de ações está parado nos tribunais estaduais, aguardando que o STF
aplique o mecanismo de Repercussão Geral (instrumento processual que permite ao
Supremo julgar a tese e não caso a caso).
- Daqui a pouco, vamos ter tribunais alugando prédios para guardar os
processos. É necessário dar outra dinâmica. O STF precisa se reinventar.
Redimensionar os pedidos de vista, reduzir o tamanho dos julgamentos. Métodos
consagrados devem ser revistos - disse um dos ministros do Supremo.
Ação Afirmativa e desigualdades
Embora não goste de associar a sua nomeação pelo presidente Lula à cor da pele,
preferindo explicá-la pela consistência de sua obra, Joaquim dificilmente
abandonará a linha que tem marcado a carreira, na qual se destaca a defesa da
ação afirmativa, incluindo a política de cotas, com o objetivo de reduzir as
desigualdades sociais. Neste aspecto, a caneta será uma aliada importante. Além
de caber ao presidente do Supremo a organização da pauta de julgamentos, o
relator do mensalão também terá nas mãos o controle da cesta de projetos
sociais tocados pelo Conselho Nacional de Justiça.
Desde os tempos de Procuradoria Regional da República no Rio de Janeiro, é
notória a falta de jogo de cintura de Joaquim. Poucos colegas estranharam
quando o relator acusou o revisor Ricardo Lewandowski de fazer vista grossa
para as provas produzidas na denúncia que resultou no processo do mensalão.
Os atuais colegas do STF acreditam que as chances de êxito do futuro
presidente vão depender da equipe de assessores que montar. Também apostam que
crescerá a influência do ministro Luiz Fux, que vem atuando como uma espécie de
conciliador, muitas vezes usando uma linguagem bem carioca a que Joaquim
Barbosa está acostumado e gosta de ouvir.
Outra expectativa diz respeito ao CNJ, que passou por recente crise
provocada pela briga entre o então presidente, Cezar Peluso, e a corregedora
Eliana Calmon. O novo corregedor, ministro Francisco Falcão, embora mais
discreto, já avisou que pretende atuar com rigor contra os desvios de conduta.
Uma questão delicada, defendida ferrenhamente pelas entidades classistas, é o valor
do salário. Embora nunca tenha dito publicamente como pensa o assunto, Joaquim
já deu mostras suficientes de que não tem compromisso com o corporativismo.
Apesar de tantas dúvidas sobre o futuro mandato, uma certeza alinha o
discurso dos profissionais consultados: terminada a gestão à frente do STF e do
CNJ, ele se aposentará.
Fonte: O Globo
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