Mais algumas horas e o Supremo Tribunal Federal terá concluído o julgamento
do maior processo criminal confiado à sua competência originária. Não faltaram
pessoas que duvidavam de que em prazo tão curto pudesse ser concluso processo
tão vasto, com dezenas de volumes e milhares de páginas. A primeira medida que
veio a permitir o êxito no julgamento consistiu na separação dos casos em
grupos em razão de suas semelhanças, de modo a permitir fossem decididos
progressivamente, caso por caso, dos mais simples aos de maior complexidade.
Sem demora, foram divulgadas as primeiras decisões, aliás, predominantemente
condenatórias, causando reação por parte dos envolvidos e seus comandados. De
maneira arrogante, foi divulgada a promoção de campanha popular contra as
condenações, ou seja, as decisões judiciárias seriam contraditadas por grupos
mais ou menos ignaros, agrupados sem a mínima qualificação. Se bem me lembro,
até "sem terra" contribuiriam nessas instâncias contestatórias.
O
próprio ex-presidente da República, assim como o presidente do partido que
possui a chefia do governo, prestigiaram a inaudita reação e sua finalidade
seria nada mais que evitar um "golpe de Estado" contra um
ex-presidente e um dirigente partidário, o que raia pela tolice. Uma tontaria.
O resultado não poderia ser outro. A despeito do desgarre dos inconformados,
não tinha como prosperar o confronto do sicofanta com o enunciado pela mais
alta instância judi- ciária da nação. Resultado foi a inanição completa da projetada
manifestação plebiscitária. Gorou. Não saiu da casca. E não se falou mais na
esdrúxula impugnação. Também os órgãos de comunicação mereceram o anátema
endereçado ao Supremo Tribunal Federal.
Ainda que a sandice tenha sido natimorta, o fato de ela ter sido anunciada
está a indicar que amanhã não venha a ser usada, ainda que sabidamente inepta.
Note-se que o ex-presidente da República não se constrangeu em rotular o
mensalão de farsa, ao mesmo tempo em que o mais alto Tribunal da federação,
provocado pelo procurador-geral da República mediante denúncia criminal,
estivesse a processar os denunciados, mais de 30, condenando alguns, absolvendo
outros. O descoco é insigne, tanto maior quando envolve a Corte Suprema. Aliás,
a demonstrar que a hipótese em tela não é meramente cerebrina, registre-se que
os jornais reproduzem declarações do ex-presidente Luiz Inácio a La Nación, de
Buenos Aires, declara-se acima do mensalão porque absolvido pelas urnas, dada a
eleição de sua candidata. De queda em queda, o raciocínio do ex-presidente
chega à fatal obtusidade. Por sua exótica teoria, o presidente que fora
reeleito ou eleito seu candidato a partir da eleição estaria habilitado a levar
consigo o que estivesse no Tesouro Nacional, uma vez que as urnas lhe teriam
beneficiado com original bill de indenidade...
Tudo isso me parece de mau agouro. Uma absolvição eleitoral, sendo
insensata, serviria para tudo, até para converter "farsa" em título
de benemerência nacional. Enfim, razão não faltava ao decano do Supremo
Tribunal Federal, em recente julgamento, asseverasse que "este processo
criminal revela a face sombria daqueles que, no controle do aparelho do Estado,
transformaram a cultura da transgressão em prática ordinária e desonesta de
poder, como se o exercício das instituições da República pudesse ser degredado
a uma função de mera satisfação instrumental de interesses governamentais e de
desígnios pessoais".
*Jurista, ministro aposentado do STF
Fonte: Zero Hora (RS)
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