Observados do alto, de um voo de pássaro, como dizem os franceses, os oito
anos do ex-presidente Lula foram bons para a economia e a população brasileira.
Nem o mais fanático antipetista pode pôr em dúvida. Grandes parcelas da
população pobre melhoraram muito de vida, e a ampliação do mercado de consumo
de produtos populares e a prova. É verdade, também, que esse processo teve
início com a derrocada da inflação no Plano Real. Lula soube incrementá-lo, por
meio de vários instrumentos - crédito e reajustes salariais, principalmente.
Assim como soube evitar, com o uso da política fiscal, que a crise financeira
mundial de 2008 afetasse muito seriamente as atividades e a economia
brasileiras.
Mas é deixando o voo de pássaro e examinando detalhes que se enxerga onde o
diabo está morando e aprontando.
O investimento público ficou muito aquém do que seria necessário e
desejável, já no período Lula. E o investimento privado, surpreendentemente,
não cobriu o gap, por razões que estão por inventariar.
Lula sem dúvida intuía que o calcanhar de Aquiles estava no descompasso e na
insuficiência do investimento público. Inventou o PAC e colocou na chefia sua
fatura sucessora. Pensou, talvez, que ela seria uma tocadora de obras
formidável, uma Juscelino Kubitschek de saias para engatar o Brasil inteiro no
trem de uma alegria realizadora como a dos anos 50.
O que não estava à vista para ele, para a sua futura sucessora e para os seus
ministros era que a qualidade da máquina pública brasileira, a qualidade da
governança, caíra muito de nível desde a década de 50. Ao pretender restaurar
as funções do Estado e, assim, contrariar o “consenso de Washington”, Lula e o
PT não atinaram com que o governo já não era aquele que instalara estaleiros e
portos, siderúrgicas, usinas elétricas, aeroportos, rodovias, erguera a
Petrobrás, a indústria petroquímica, a Eletrobrás, criara o BNDES, sem falar na
construção de Brasília - em pouco mais de uma década -, e já não tinha a
musculatura administrativa e a garra: tornara-se um bicho pachorrento,
implantado pela ditadura com a função de apenas dizer amém, e não para ter
iniciativas e criatividade.
Além disso, para desfazer a herança “neoliberal”, acharam de aparelhar o
setor público e as estatais com quadros fiéis à ideologia do PT, mas jejunos em
administração pública. Resultado: com o “jeito PT de governar” o PAC só andou
no setor de casas populares, área em que basta o governo apontar o local e dar
o dinheiro que a iniciativa privada mete mãos à obra e faz o resto.
Já hoje, na área da infraestrutura, da indústria de base, das grandes obras,
o governo Dilma está como aprendiz de feiticeiro. Na tomada de decisões, no
planejamento e na implementação de obras estratégicas, programas ou políticas
predomina a governação de lambanças. Lambança j na definição dos preços dos
combustíveis, que põe em risco o futuro da Petrobrás, do pré-sal e do álcool ao
mesmo tempo. Lambança na questão dos investimentos, administração e operação de
aeroportos. Lambança na questão das tarifas de energia elétrica e dos
investimentos em usinas, convencionais ou inovadoras. Lambança na decisão sobre
impostos e royalties de mineradoras. Lambança na elaboração de um programa de construção
de ferrovias. Lambança no equacionamento do problema dos portos. Lambança até
no novo Código Florestal. E a grande, continuada e infeliz lambança na área
fundamental do ensino e da educação.
O Brasil tem problemas imensos e grandes dificuldades para enfrentá-los.
Isso é arquicélebre e afeta, angustia e assusta todos os governos em todos os
níveis. Mas, francamente, o atual governo está lidando com eles como barata
tonta, sem conseguir equacionar nenhum.
Pior, apoiado numa base política aterradoramente cúpida, imune a
preocupações minimamente republicanas.
No entretempo, a economia vai descendo a ladeira, devagar, mas sempre com a
Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) caindo a cada trimestre, a despeito dos
juros menores, das reduções de impostos, da oferta de crédito, dos aumentos
salariais e das exortações da presidente para que se invista mais.
A oferta geral de vagas com carteira assinada, incluindo serviços,
administração pública e agronegócio, foi, em setembro, 40% inferior à do mesmo
mês do ano passado, e a pior desde 2002. Nos últimos 12 meses, a indústria de
transformação contratou 68,5 mil pessoas com carteira assinada, ante 288,6 mil,
nos 12 meses precedentes. E estamos na época em que as contratações deveriam
aumentar, por causa da aproximação das festas de fim de ano, quando o comércio
vende muito mais e é necessário repor estoques.
O descompasso entre o crescimento da demanda interna e o da oferta
industrial acaba preenchido por importações, gerando outro tipo de risco, que é
o da deterioração das contas externas.
Em resumo: oito anos de vacas gordas de Lula podem desaguar em oito anos de
vacas magras ao final do mandato Dilma, se ela não for capaz de infundir
confiança na ação de médio e de longo prazos do seu governo, atraindo, assim,
investimentos. Isso exige decisões claras e gente competente para
implementá-las.
Fonte: O Estado de S. Paulo
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