Os brasileiros lembram neste mês, com reverência, os 20 anos do desaparecimento
de Ulysses Guimarães. Ele foi e será sempre símbolo da luta pela democracia e
pela justiça social, que encontra sua melhor tradução na Constituição.
Guardamos para sempre sua imagem histórica erguendo o primeiro exemplar e
anunciando a "Constituição Cidadã", trazendo luz ao país após um
longo período de sombras.
Ulysses conviveu com uma singular geração de homens públicos. De Tancredo,
como dizia Tales Ramalho, era parceiro em uma dança da qual só eles conheciam
os passos. Os dois lideraram alas distintas da oposição e agiam de forma
complementar, ciosos da necessidade de manter a coesão em torno do fundamental
desafio daquele tempo: vencer o regime de exceção. São dois grandes exemplos da
dimensão ética e transformadora que a ação política pode ter.
Eram líderes leais ao Brasil, honravam a palavra dada e colocavam sempre o
interesse do país cima de quaisquer outros.
Permitiu o destino que, anos depois, eu me sentasse na cadeira de Ulysses,
na Presidência da Câmara dos Deputados, e não foram poucas as vezes em que,
para tomar decisões complexas, me inspirei no velho timoneiro. Foi nesse
período que, com o apoio de diferentes forças políticas, acabamos com a
imunidade parlamentar para crimes comuns e criamos na Câmara o conjunto de
medidas que ficou conhecido como Pacote Ético.
Dr. Ulysses e sua geração nos deixaram um denso legado. A defesa das razões
de Estado, o fortalecimento das instituições, o adensamento da democracia e o
compromisso com a Federação criaram uma realidade nova e permitiram que mais
adiante pudéssemos continuar avançando com a estabilidade econômica e a
inclusão social de milhões de brasileiros.
Lamentavelmente perdemos essa ideia-força -o sentido da construção nacional
como tarefa coletiva e dever de todos. Acabamos reféns de um modelo que
substituiu o projeto de país por um projeto de poder. As grandes reformas foram
abandonadas. As pontes construídas no passado em torno das causas nacionais
sucumbiram a um ciclo de governo que apequenou-se e tenta reescrever a história
de forma quase messiânica, como se o Brasil do nosso tempo fosse obra de poucos
e tivesse sido fundado ontem. Não foi.
Por tudo isso, é importante que as novas gerações conheçam as convicções, o
espírito público e a grande generosidade com que o doutor Ulysses sempre
trabalhou pelo Brasil. E reconheçamos aqueles que, com coragem, lucidez e
coerência, nos ensinaram que é possível sempre semear um novo país. A memória
pode ser um eficaz antídoto à descrença e ao desalento que vemos hoje nos
brasileiros em relação à política.
Aécio Neves é senador (PSDB-MG)
Fonte: Folha de S. Paulo
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