Este artigo deverá ser publicado no último dia de 2012, é natural, portanto, relembrar alguns fatos do ano que finda. Creio não errar se disser que o processo do mensalão foi o maior sucesso dada sua relevância intrínseca, sem falar em seu ineditismo na história do país. Para ele foi relevante o enorme rastreamento operado pela Polícia Federal de variados delitos envolvendo muitos indivíduos, a minuciosa denúncia do Procurador-Geral da República e seu recebimento pelo Supremo Tribunal Federal, o formidável trabalho do ministro relator e do ministro revisor, e, um a um, dos demais juízes. As divergências entre os votos dos ministros, especialmente do relator e revisor, evidenciam que no feito já histórico foram observados os princípios e normas universais que disciplinam o funcionamento dos órgãos coletivos da Justiça. No entanto, pessoas em geral condenadas pelo Supremo Tribunal Federal censuraram o tribunal, que tanto as condenou como a outras absolveu. O lamentável é que a essa manifestação, aliás, dissonante da opinião do país, se juntou a censura do ex-presidente da República, que não corou ao negar o fato histórico que ocupou 53 sessões públicas do Supremo, assistidas pelo Brasil inteiro até o julgamento. Ainda bem que essa dissidência ensejou outro fato notável a ser registrado.
Com efeito, se o ex-presidente Luiz Inácio juntou-se aos censores do mais alto tribunal da nação, a posição da senhora presidente da República constituiu exemplo impecável ao dizer que as decisões da Justiça deviam ser cumpridas e não discutidas e ao notar que "o PT não é perfeito", acentuou não haver crise entre os poderes por causa da condenação de réus petistas, e reiterou que as decisões da Justiça deviam ser cumpridas e não discutidas, e por intermédio do Ministro da Justiça, repetiu, com as mesmas palavras, a anterior declaração. Dir-se-á que é o óbvio, mas nem por ser óbvio deixa de ser relevante, e é relevante exatamente porque, apesar de sê-lo, não falta quem o ignore, menospreze ou conteste. E tanto mais relevante o acontecimento quando a presidente guarda particular relação política com seu antecessor. Poder-se-ia dizer, com a benção da linguagem bíblica, que, como Eva foi feita da costela de Adão, a senhora presidente foi modelada por seu antecessor. E, não obstante, em relação à separação e harmonia entre os poderes, Eva foi modelar.
Poderia relacionar o PIB, batizado de Pibinho, mas prefiro ficar nos casos apontados, e como meio mundo indaga sobre os efeitos do fenômeno do mensalão não hesito em dizer que serão benéficos à nação, mas, embora seja extraordinário o acontecido, ainda há muito por fazer pela sociedade, suas expressões mais variadas e sem descontinuidade, a começar pela boa escolha dos que ela elege. Na minha já longa vida pública, vi com meus olhos, coisas que não podiam acontecer e aconteceram. Vou mencionar apenas uma. Ademar de Barros, em São Paulo, foi chefe partidário, interventor nomeado e depois governador duas vezes, e disputando a presidência da República, recolheu votos copiosos em todo país, a despeito de ser personagem assaz controvertida. Contudo, o mais desenvolvido dos Estados brasileiros o elegeu e reelegeu governador, sem falar nas votações milionárias que no país obteve em duas ocasiões. Da personagem se dizia que "rouba, mas faz". Esse dado sempre me pareceu inquietante e ilustrativo e ainda hoje me inquieta. Mas tudo pode acontecer, até o milagre. E não foi um milagre o que veio a suceder a partir do mensalão?
*Jurista, ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal
Fonte: Zero Hora (RS)
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