domingo, 10 de março de 2013

Lula desembarcou na Italia! - Giovanni Menegoz

Lula lá gritavam os petistas em campanhas eleitorais memoráveis do passado recente brasileiro. Hoje, o Lula lá pode se referir a um País distante, do outro lado do Oceano, que se chama Itália. O Lula em questão se chama Beppe Grillo, um ex cômico italiano, que mais de cinco anos atrás, precisamente a 8 de setembro de 2007, organizou e presidiu numa praça de Bolonha o dia do “vai tomar no c...”, o Waffanculo Day.

A partir deste dia, teve origem um movimento, chamado de 5 Stelle (5 Estrelas) que liderado pelo ex cômico cresceu enormemente, principalmente através da rede Internet, e chega hoje a se constituir isoladamente na primeira força política italiana (25,55%), somente superada pelas duas frentes, uma de centro-esquerda, liderada por Bersani, do Partido Democrático (29,54%) e outra de centro direita, liderada por Berlusconi do Partido das Liberdades (29,13%) que até hoje forneciam ao sistema político italiano a característica de bipolarismo Não é fácil definir o Movimento 5 Stelle devido ao fato de que Beppe Grillo è hoje uma metralhadora que atira em todas (ou quase) as direções.

Sistema partidário e sindical a ser colocado na lata do lixo, fim dos partidos e das centrais sindicais com o conseqüente fim dos financiamentos públicos a estas entidades, moralidade pública a ser restabelecida, prisão para os corruptos, ataques a todas as figuras políticas hoje em evidência, inclusive através de insultos pessoais, e muitas outras propostas, grandes partes das quais extremas e radicais que atingem o setor econômico, institucional e social, como o cancelamento da dívida pública, a ruptura com a União Européia, a volta da lira, a renda de cidadania (uma espécie de bolsa-família para os desempregados), o fim imediato ao financiamento público dos meios de comunicação, a implantação da democracia direta via Web, a conseqüente superação do Estado, etc.

Esta mistura de propostas, algumas razoáveis, outras anárquicas, outras reacionárias, e outras ainda oníricas, fazem deste Movimento um grande pólo atrativo para uma parte significativa dos cidadãos italianos, que aderiram em grande número ao movimento. Desde as eleições passadas de 2008, o centro-direita perdeu cerca de 6.000.000 de votos, grande parte dos quais carreados para o Movimento 5 Stelle, e o centro-esquerda cerca de 3.500.000, aproximadamente um terço, também transferido na mesma direção. Tudo isso faz do Movimento 5 Stelle uma grande força política na Itália, fato que lembra um pouco o que aconteceu no Brasil a partir do momento que o PT surgiu em nosso cenário.

A frase de Lula “trezentos picaretas no Congresso” hoje tem uma correspondência enormemente amplificada em seus conteúdos, de grande impacto sobre a opinião pública, devido principalmente à forte crise que atinge a Itália, em que o desemprego alcança quase 3.000.000 de pessoas (entre os jovens o índice de desemprego è mais de 35% e entre mulheres chega a quase 45%), mais de 3 milhões de famílias estão abaixo da linha de pobreza e outras 3 milhões próximas dela. O centro-esquerda, cuja componente principal è o PD, conseguiu conquistar, em razão das regras eleitorais, a maioria absoluta da Câmara dos Deputados, mas no Senado, mesmo tendo o maior número de cadeira, não conseguiu o mesmo. Isso significa ingovernabilidade, em um País que até às vésperas das eleições apontava para um governo de centro-esquerda majoritário e estável.

A nova situação tem pegado de surpresa as forças políticas tradicionais que agora se movimentam em busca de soluções devido à nova situação. O centro-esquerda recolheu o desafio e se declarou dispposto a um confronto construtivo com o Movimento 5 Stelle. Mas a direita italiana também não está parada. Ela sabe que uma parte consistente de seu eleitorado a abandonou, tratando-se agora de movimentar-se para não perder suas posições até agora predominantes na cena política italiana. Um aspecto interessante das criticas avançadas pelo Beppe Grillo durante a campanha eleitoral é que ele não ataca a Igreja, não contesta os privilégios que ela detém na Itália.

Poucos dias passados as eleições, Grillo recebeu a visita de um sacerdote cujo conteúdo da conversa não foi revelado. Por outro lado, Grillo também tem recebido representantes do artesanato e da pequena indústria, que podem ser no terreno político as pontas de lança de um setor importante da economia italiana, quando se sabe que a pequena e média indústria estão localizadas majoritariamente no Norte da Itália, onde uma quantidade enorme de votos, antes de centro direita, vazaram para o Movimento 5 Stelle. É de outro dia a informação que a Goldmann Sachs, através de um seu porta-voz, manifestou satisfação pelos resultados eleitorais italianos. Tudo isso aponta para um jogo politicamente muito sofisticado onde o menor erro na estratégia do centro-esquerda pode colocar tudo a perder.

A convergência do Movimento 5 Stelle com círculos econômicos e religiosos italianos, tradicionalmente de direita, se vier a se concretizar, podem criar uma mistura explosiva do tipo a que conheceu a Itália na ascensão do fascismo. Em um quadro de graves dificuldades econômicas e sociais, a convergência desta força insurgente, de caráter fundamentalista e anárquica, com os poderes econômicos constituídos e consolidados historicamente, não è uma boa solução no sentido de favorecer avanços sociais dentro de um processo de ampliação da democracia.

Pelo contrario, isso se presta a uma mera reciclagem da política na base de que “tudo deve mudar” para que “tudo continue como está”. Certamente não está no horizonte a perspectiva de que aquele País esteja a risco quanto ao funcionamento das instituições democráticas.

Aqui no Brasil, o fenômeno parecido que foi a ascensão do PT ao poder, apesar de alguns pensarem que podia levar a implantação de um regime de tipo totalitário, ou outros, de um regime tipo socialismo-real, mas de inspiração não comunista, evoluiu pelo contrario em direção a um regime populista fortemente pragmático que não pôs em risco o funcionamento das instituições.

A realidade è que a direita italiana, como força política que dirigiu a Itália desde o fim da 2ª guerra mundial, em sua busca pela manutenção do poder, vai fazer de tudo para impedir que o centro-esquerda reverta a situação, manobrando hoje, inclusive se for o caso, utilizando o Movimento 5 Stelle, em vista da manutenção de interesses econômicos dos quais ela è expressão.

No momento que escrevemos, não sabemos qual será o desfecho do contencioso italiano porque as coisas mais importantes ainda devem acontecer. O PD, diversamente do que aconteceu aqui no Brasil, quando o PT conseguiu explodir para cima levando Lula ao governo em uma composição com os donos do poder (bancos, grandes grupos empresariais, exportadores e importadores), è uma grande força política italiana e com grande experiência no assunto.

Hoje, por exemplo, o PD nega terminantemente qualquer possibilidade de acordos com o PDL de Berlusconi (è isso è correto), e oferece o flanco ao Movimento 5 Stelle, manifestando-se disposto a trabalhar em cima de pontos programáticos também presentes nas pregações do Beppe Grillo, mas sem abrir mão de princípios que se chocam com aqueles defendidos pelo ex-cômico. Também é um ponto de interrogação de como os grillinos (assim são chamados na Itália os aderentes ao Movimento 5 Stelle) irão se comportar no Parlamento, visto que na Itália não existe vinculo de mandato.

Uma observação a título de conclusão è a seguinte: visto que no Brasil vivemos hoje um tempo, guardadas as diferenças, que poderíamos definir como de época “pós-Grillo”, o PD italiano, que sempre encarou de forma positiva o governo do PT e os diversos governos populistas da América Latina, tem a oportunidade agora de refletir melhor acerca das verdadeiras características destes governos e dos processos políticos e econômicos em curso no nosso Continente, hoje que è chamado a lidar com o Lula deles.

Giovanni Menegoz, jornalista, ensaísta e tradutor.

Nenhum comentário: