domingo, 23 de março de 2014

Elio Gaspari: De GetulioVargas@edu para Dilma@gov

Excelência
Escrevo-lhe para felicitá-la. A senhora restabeleceu uma diplomacia discreta, diria mesmo de recusa a exibicionismos inúteis. Há dificuldades na Venezuela e agora surgiu a crise da Crimeia, mas estamos fora dos holofotes.

Peça ao Sarney a poesia "A Carga da Cavalaria Ligeira" de Lord Tennyson. Ele conta o ataque de cavaleiros ingleses contra uma tropa turca artilhada durante a batalha de Balaclava, na guerra da Crimeia do seculo 19. Li-a ontem para minha amada Aimée. Foi um desastre produzido por generais ineptos, mas o poema mostra como as potências fabricam mitos heroicos.

Minhas dificuldades foram maiores que as suas. Consegui ficar neutro durante a Guerra Civil Espanhola. Até onde pude, mantive-me longe do conflito europeu. Sem fanfarra, em maio de 1941, avisei ao embaixador japonês que se um país americano fosse atacado, nós seriamos solidários. Em dezembro eles bombardearam Pearl Harbor. Os americanos exigiam o controle de uma base aérea no Saliente Nordestino, pois sem a rota de Natal a Dacar ficariam aprisionados pelo Atlântico. Cedi. Lidei com embaixadores impertinentes e tive pavões no Ministério das Relações Exteriores. O Oswaldo Aranha achava que era o gerador do mundo, centro do universo.

Depois que saí da vida para entrar na história, há 60 anos, vieram o Juscelino com a tal de "Operação Pan-Americana", o Jânio com a "Politica Externa Independente", o Castello Branco com a "interdependente" e o Sr. Luiz Inácio da Silva, que se tornou um papagaio de pirata de crises internacionais. Usei essa expressão que hoje é comum aí, mas não sei se o fiz corretamente. As diplomacias de slogans são apenas propaganda política. Os generais mandaram tropas para ocupar a República Dominicana, num episódio que hoje se procura apagar. Chegamos ao ponto de o general Médici cobrar do presidente Nixon a deposição de Fidel Castro. Outro dia o Nixon me perguntou porque ele fez aquilo.

Diplomacia sem fanfarra tem um custo. Criticam-nos de todos os lados, acusando-nos de omissão. Há quem lhe ataque por estar próxima dos bolivarianos e também por ficar distante. Algum gabola da Comunidade Europeia resolveu botar fogo na Ucrânia sem prever a reação da Rússia. Em 1956 os americanos insuflaram a rebeldia húngara e em 1962 a dos cubanos de Miami. Fracassaram e abandonaram os aliados. O Pedro 2º lembrou-me de que manteve nossa neutralidade durante a guerra civil mexicana, quando os rebeldes fuzilaram-lhe o primo-irmão Maximiliano. Os franceses, que haviam insuflado sua aventura, abandonaram-no.

Quando nos metemos a buscar um papel maior que nossa importância internacional, invariavelmente acabamos dificultando a defesa dos nossos verdadeiros interesses. Parabéns, senhora.

Com todo respeito,
Getúlio Vargas

Cena brasileira. O presidente do STF, ministro Joaquim Barbosa, visitava o presídio de Porto Alegre quando um major da brigada pediu a palavra e contou que "somos 12% da população do Estado e 40% da população carcerária": "Deve ter alguma coisa errada".

Mal terminou a frase, ouviram-se mumunhas para que o major calasse a boca. Barbosa pediu que o deixassem falar. Em seguida, respondeu: "Eu percebi".

O que incomodou os áulicos? As estatísticas ou o fato de um negro levantar esse assunto para outro negro?

Pacificador. O secretário de Segurança do Rio, José Mariano Beltrame, zangou-se quando um pesquisador apontou a "pacificação" das estatísticas de homicídios do Estado.

Depois da morte de Cláudia Silva Ferreira, arrastada pela viatura que devia levá-la ao hospital, o repórter Marcelo Gomes informou o seguinte:

O subtenente Adir Serrano Machado, que estava na cena viu-se listado em 57 "autos de resistência" em que morreram 63 pessoas. Seu colega Rodney Archanjo, está em outros cinco, com seis mortos.

De duas uma, ou as estatísticas da polícia do Rio assemelham-se às reuniões dos conselhos do comissariado, ou policiais como Machado e Archanjo são versões modernas do Sargento York, o soldado americano da Primeira Guerra, magistralmente representado por Gary Cooper. Sozinho, York matou 28 alemães e capturou 132.

Como disse o viúvo de Cláudia, ao governador Sérgio Cabral: "Se não tivesse aquele cara que filmou, este seria só mais um caso. Tomou tiro, entrou no hospital e morreu".

Chegou a conta da Bolsa Conselho. A prática é velha: reforça-se o orçamento dos hierarcas nomeando-os para conselhos de empresas. Ela vale tanto na administração federal como nas dos Estados. Tome-se o exemplo de Dilma Rousseff. Em 2006, como chefe da Casa Civil, tinha um salário mensal de R$ 8.362. Em 2007, ganhava R$ 8.700 mensais como conselheira da Petrobras e de sua distribuidora. À Casa Civil ela ia todo dia, aos conselhos, uma vez a cada dois meses (e às vezes chegava atrasada).

O conselho de Itaipu, joia da coroa do comissariado, paga R$ 19 mil. Em 2012 havia treze ministros nas Bolsas Conselho e os doutores Guido Mantega e Miriam Belchior fechavam os meses com um total de R$ 41,5 mil. A comissária Belchior estava no conselho da BR Distribuidora, para quê, não se sabe.

Quando o PT estava na oposição, reclamava disso. No governo, acostumou-se. Agora chegou a conta. Como integrante (e presidente) do Conselho da Petrobras, Dilma é responsável pela aprovação da ruinosa compra de uma refinaria em Pasadena, nos Estados Unidos. A repórter Andreza Matais obteve do Planalto uma nota, escrita pela doutora, informando que a decisão foi tomada com base num relatório "técnica e juridicamente falho". A ver. A ruína estava em duas cláusulas do contrato e elas viriam a custar US$ 820 milhões à empresa. A explicação segundo a qual esses dispositivos só chegaram ao conhecimento dos conselheiros depois da aprovação do negócio é plausível. Mesmo que a doutora só tenha percebido a ruína depois, era a poderosa chefe da Casa Civil. Quem pode tirar quaisquer dúvidas sobre o caso é o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, que está preso na Policia Federal.

Numa estrutura séria, seria demitido o presidente da empresa, ou iriam embora os conselheiros que se julgaram desinformados. Os conselhos de estatais não são sérios, são bicos. O caso da refinaria acertou a testa da doutora Rousseff, a gerentona que pode ser acusada de viver num mundo de verdades próprias, mas nunca se meteu em transações tenebrosas. A vida é arte, errar faz parte. Enquanto houver hierarcas em boquinhas, o erro será a arte.

Fonte: O Globo

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